sábado, 5 de setembro de 2020

COVID-19: Factos, factos, factos... e conclusões surpreendentes!

 

A serem verdadeiros, os números oficiais da pandemia são desconcertantes! Mas mais desconcertados ficamos quando, em função deles, tentamos confirmar a racionalidade das medidas tomadas…

Recordemos os factos. (Mas quem não gosta de datas e números pode saltar para as conclusões.)

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. E em 11 de março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.

Em Fevereiro, já a OMS tinha difundido indicações de que os grupos de maior risco eram as pessoas de idade avançada (65 anos ou mais), as que tivessem comorbilidades (outras doenças em simultâneo, em especial doenças crónicas) e as que tivessem o sistema imunitário enfraquecido (em resultado de doenças ou tratamentos específicos que provocassem tal efeito).

Em função deste aviso, ficava claro que as medidas de protecção prioritárias deveriam incidir sobre os mais idosos e quem tivesse certas debilidades clínicas ou imunitárias que gerassem maior vulnerabilidade.

 

Em Portugal, o primeiro caso de infecção só foi detectado em 2 de Março.

O estado de emergência foi decretado em 18 de Março pelo Presidente da República. No dia seguinte, o primeiro-ministro anunciou ao país as medidas restritivas que iriam ser impostas. E em 20 de Março saíu o decreto do Governo que regulamentava o estado de emergência e que continha tais medidas.

 

Em 18 de Março, quando foi decretado o estado de emergência, tinham sido registados até à véspera 642 casos de infecção, dos quais 89 estavam em internamento e 20 em cuidados intensivos, mas havia apenas um único óbito! O número de novos casos diários tinha na antevéspera ultrapassado, pela primeira vez, uma centena (fora 117). A taxa de mortalidade era de 0,16% (número de óbitos atribuídos ao coronavírus, a dividir pelo número de infectados conhecidos).

 

Após o início das medidas do estado de emergência, a taxa de mortalidade (relativamente aos casos confirmados de infecção) foi subindo quase dia após dia. Quando o estado de emergência terminou, em 2 de Maio, já estava em 4,06% e continuou a subir até dia 1 de Junho (4,37%), precisamente a data em que entrou em vigor a terceira fase do desconfinamento. Mas a partir daí nunca mais parou de descer, até se cifrar actualmente abaixo de 3,1% (o valor mais baixo desde 12 de Abril).

Conclusão: como o ciclo de vida da doença, desde a infecção até à cura ou ao óbito, é inferior a um mês na maioria das pessoas, daqui se extrai que a taxa de mortalidade só começou a descer nas infecções contraídas no período posterior ao fim do estado de emergência, o que significa que, no seu todo, as medidas restritivas impostas durante o estado de emergência não contribuíram para tal descida, que está a ser sustentada por quaisquer outros factores.

 

O número de casos internados atingiu o seu máximo (1302) em 15 de Abril e desde aí tem vindo a descer. Em 2 de Maio (fim do estado de emergência) já era de 856 apenas. Até ao final da primeira fase de desconfinamento (18 de Maio) baixou para 629, e até ao final da segunda fase (1 de Junho) baixou para 432, permanecendo depois com esse valor médio ao longo do mês de Junho. Desde então tem oscilado entre um mínimo de 311 (25 de Agosto) e um máximo de 513 (5 de Julho), mantendo-se consistentemente em torno de pouco mais de quatro centenas de casos, em média, com uma oscilação máxima de 26% (a média neste período foi de 407 internamentos e o valor de ontem é de apenas 345, o que revela uma tendência de baixa mesmo durante o período alto das férias de verão: a média de internamentos foi de 452 em Julho e de 346 em Agosto).

Conclusões: o fim do estado de emergência não aumentou o número de casos internados e, melhor do que isso, não o impediu de continuar a descer sustentadamente; e desde que entrámos na terceira fase de desconfinamento, houve primeiro uma relativa estabilização do número de casos, apesar de algumas oscilações, e regressou depois uma tendência de queda (ou seja, um maior desconfinamento não agravou o número médio de hospitalizações, antes pelo contrário).

 

Na semana que antecedeu o anúncio das medidas do estado de emergência (ou seja, na semana anterior a 19 de Março), a média das pessoas internadas devido à covid-19 foi de 126 casos em simultâneo, o que correspondia a 16% do total de infectados já conhecidos na véspera do anúncio (785). Mas esta percentagem correspondia a uma descida brutal desde uma semana antes, que começara com 107 internamentos em 112 casos de infecção detectados (95,54%). Esta elevadíssima percentagem inicial e a sua queda abrupta subsequente revelam que houve uma abordagem inicial à doença que consistiu em medidas quase imediatas de internamento hospitalar, mas que foi rapidamente abandonada perante a rápida multiplicação de infectados, que a tornava inviável.

Durante a vigência do estado de emergência, e com a evolução de casos já descrita, a média diária de internamentos em simultâneo foi de 886 pessoas. Durante a primeira fase de desconfinamento, essa média baixou para 763, e na segunda fase de desconfinamento baixou ainda mais para 540 casos. Desde o início da terceira fase de desconfinamento (ou seja, desde 1 de Junho), a média geral tem-se mantido persistentemente entre as quatro e as quatro centenas e meia de internamentos, sendo actualmente de 407.

Conclusão: a cada nova fase de desconfinamento correspondeu uma redução significativa do número médio de doentes internados em simultâneo, sendo actualmente menos de metade do que foi durante o estado de emergência.

 

A percentagem de internamentos hospitalares em relação ao número total de infectados activos conhecidos registou uma evolução idêntica. Essa percentagem, que já era só de 13,93% no dia 17 de Março, na véspera de ser decretado o estado de emergência (e de 12,24% em 20 de Março, quando foram decretadas as medidas de confinamento) baixou drasticamente para 3,80% até ao dia 2 de Maio, quando terminou o estado de emergência. Mas continuou a descer depois, embora com algumas oscilações estatísticas, sendo actualmente de 2,25% (o valor mais baixo desde o início da epidemia em Portugal).

O número de infectados activos estima-se subtraindo ao número total de infectados já detectados o número de óbitos ocorridos mais o número de pessoas já consideradas recuperadas pelas autoridades sanitárias. Não sendo exacto, trata-se de um número razoavelmente confiável, visto que as demoras nas análises, a margem de erro destas e a dos processos de apuramento estatístico tanto se aplicam à detecção de novos casos como à verificação dos recuperados. Mas como o número de infectados reais é muito superior ao número de infectados conhecidos, as percentagens apuradas tendem a sugerir, nesta óptica, um grau de perigosidade da doença bastante acima da realidade (o que não equivale a desvalorizá‑la nas suas consequências clínicas e sociais).

Conclusões: a percentagem de internamentos hospitalares iniciou uma trajectória prolongada de descida no final da primeira quinzena da epidemia, ainda antes do estado de emergência; o desconfinamento progressivo não prejudicou essa tendência decrescente dos internamentos, que ainda subsiste e atingiu recentemente os valores mínimos já registados. As percentagens verificadas durante o estado de emergência foram sempre superiores, e durante várias semanas por larga margem, às que se têm verificado desde o início do desconfinamento.

A percentagem real de internamentos, desde 17 de Março, tem estado sempre muitíssimo abaixo da estimativa oficial de 20% de casos graves que se perspectivava inicialmente para a doença (na realidade, é cerca de nove vezes inferior).

 

A percentagem de doentes de covid-19 necessitando de cuidados intensivos também tem registado uma prolongada trajectória descendente desde antes do estado de emergência até agora. Os primeiros números disponíveis fixavam-na em 5,95% (13 de Março). Quando foi decretado o estado de emergência (18 de Março) já tinha descido para 2,56%, quando este terminou (2 de Maio) já ia em 0,61%, e desde então desceu para menos de metade disso, sendo de 0,28% em 31 de Julho e 0,24% em 5 de Setembro).

Conclusões: a percentagem de internados em cuidados intensivos teve a sua queda mais acentuada durante o período do estado de emergência, mas está em descida contínua desde antes dele. O desconfinamento progressivo não suspendeu nem inverteu essa tendência decrescente, que ainda subsiste e atingiu recentemente os valores mínimos já registados.

A percentagem de internamentos em cuidados intensivos, desde antes da entrada em vigor das restrições impostas pelo estado de emergência, tem estado sempre muito abaixo da estimativa oficial de 5% de casos muito graves que se previa inicialmente para a doença, sendo que o valor real actual, passados três meses desde o início do desconfinamento, é cerca de 20 vezes inferior, se calculado em relação ao número de casos de infecção confirmados (e cerca de 120 vezes inferior, se calculado em relação aos resultados obtidos nos testes serológicos feitos a amostras da população).

 

Nos últimos três meses, desde que se iniciou a 3ª fase de desconfinamento até ao final de Agosto, aumentou em 79% o número de casos confirmados (de 32500 para 58243). Desde o fim do estado de emergência, há quatro meses, mais do que duplicou (de 25282 em 2/5 para 59943 em 4/9). Mas em apenas mês e meio, enquanto o estado de emergência durou, o número de infectados foi multiplicado por mais de 32 (evoluiu de 785 para 25282 casos), o que faz duvidar bastante da sua eficácia.

No entanto, as medidas de confinamento decretadas em 20 de Março pelo Governo parecem ter produzido efeitos, reduzindo a taxa de propagação diária de cerca de 25% para valores próximos ou abaixo de 1%.

A média de novos casos diários registados foi a seguinte: 633 na 1ª quinzena do estado de emergência, 643 na 2ª quinzena, 355 na 3ª quinzena. Ou seja, só na fase final do estado de emergência se registou uma evolução positiva, o que sugere que poderá não ter sido o próprio confinamento generalizado a produzi-la, mas sim algum outro factor relevante que surgiu durante a vigência daquele; poderá ter sido, com enorme probabilidade, a disponibilidade crescente de máscaras, luvas, viseiras e materiais desinfectantes que se registou nesse período terminal do estado de emergência.

Conclusões: foi durante o estado de emergência que a epidemia teve um crescimento mais rápido no número de casos verificados, mas foi também nesse período que registou o maior decréscimo da taxa de propagação diária, sobretudo concentrado na fase terminal (em simultâneo com o maior acesso a materiais sanitários e de protecção).

 

Segundo foi anunciado em 23 de Julho, um estudo serológico feito pelo Instituto Ricardo Jorge revelou que o número total de pessoas que já estiveram infectadas com o novo coronavírus (com ou sem manifestações visíveis da doença) é afinal seis vezes superior ao número de casos confirmados, atingindo até então cerca de 3% da população (aliás, em linha com o já constatado noutros países europeus).

A má notícia daí resultante é que ainda resta muita gente por infectar e sem imunidade: quase 97% da população. Mas há boas notícias também: isso significa que a letalidade da doença é seis vezes inferior ao que se obtinha das estatísticas de casos confirmados (sendo afinal inferior a 0,6%), o mesmo acontecendo com as percentagens dos casos que requerem internamento e cuidados intensivos (que descem para cerca de 0,4% e 0,04%, respectivamente).

Conclusão: confirma-se assim que a perigosidade da doença é afinal bastante menor do que se temeu inicialmente e que ela começou por gerar um pânico excessivo. Um dos possíveis corolários disso é que as medidas excepcionais de natureza social e económica destinadas a combatê-la, baseadas nessas expectativas iniciais, podem ter sido desproporcionais, precipitadas e contraproducentes, inclusive em termos de saúde pública, atendendo aos efeitos colaterais que são indiciados pelas estatísticas da mortalidade excedentária em relação à média de períodos homólogos em anos anteriores.

 

E quanto ao número de óbitos ocorridos?

Durante o mês e meio em que vigoraram as medidas do estado de emergência, a média diária foi superior a 23; mas durante as primeiras duas fases de desconfinamento, a média diária andou por cerca de 13; e desde que se iniciou a terceira fase de desconfinamento, baixou para 5 durante os meses de Junho e Julho (155 óbitos em cada) e para menos de 3 durante o mês de Agosto (87 óbitos apenas). Se tomarmos em consideração todo o período decorrido desde o fim do estado de emergência até agora, a média diária de óbitos foi pouco superior a 4.

Conclusões: a mortalidade desceu consideravelmente com a entrada em vigor do desconfinamento e, desde que este começou, o número médio de óbitos diários atribuídos ao novo coronavírus foi cerca de um sexto do que se registou durante o estado de emergência!

 

E quanto ao número de novos casos diários?

Enquanto vigoraram as medidas do estado de emergência, até 2 de Maio, a média de novos casos foi 545. Durante a primeira fase de desconfinamento, baixou para 280, e durante a segunda fase voltou a baixar para cerca de 250. A média das duas fases foi inferior a metade da média durante o estado de emergência. Durante a terceira fase de desconfinamento a média subiu para 284 casos diários, mas mantém-se em cerca de 52% do valor médio registado durante o estado de emergência.

Conclusões: o desconfinamento foi acompanhado por uma redução drástica de novos casos diários durante as primeiras duas fases; a terceira fase, embora tenha registado uma subida de quase 14% dos casos em relação às anteriores, mantém-se muitíssimo abaixo do valor médio registado durante o estado de emergência (pouco mais de metade).

 

E quanto à distribuição etária dos óbitos “atribuídos” ao coronavírus?

Em 17/8 (e sem que se perceba porquê) a DGS deixou de fornecer números exactos acerca dos óbitos por faixa etária, limitando-se a divulgar os respectivos gráficos. Mas o apuramento da situação existente no dia anterior a essa data é suficientemente esclarecedor.

Abaixo dos 40 anos, havia 6 óbitos (0,34%) (contra 0 em 2/5, quando terminou o estado de emergência).

Entre os 40 e os 49 anos, 21 óbitos (1,18%) (contra 10 em 2/5: 0,96%)

Entre os 50 e os 59 anos, 57 óbitos (3,21%) (contra 32 em 2/5): 3,06%)

Entre os 60 e os 69 anos, 159 óbitos (8,94%) (contra 91 em 2/5: 8,72%)

Entre os 70 e os 79 anos, 347 óbitos (19,52%) (contra 207 em 2/5: 19,85%)

Acima dos 80 anos, 1188 óbitos (66,82%), ou seja, mais de 2/3 (contra 703 em 2/5: 67,40%)

Em suma: 95,3% dos óbitos “atribuídos” ao coronavírus ocorrem acima dos 60 anos (ou seja, 19 em cada 20) e 86,4% ocorrem acima dos 70 anos (ou seja, mais de 17 em cada 20). Em 2/5 eram 96% e 87,2%, respectivamente (isto é, percentagens semelhantes).

Conclusão: estes valores estão plenamente de acordo com o que a OMS tinha avisado logo em Fevereiro, e que portanto deveria ter desde então orientado as grandes prioridades nas medidas de prevenção e protecção, mediante estratégias de discriminação positiva em relação aos mais idosos. A hecatombe entretanto ocorrida em lares e residências para a terceira idade revelou à saciedade que isso não foi tomado em consideração na altura certa. Fica por saber quanta dessa mortandade poderia ter sido evitada.

 

Como entender estes dados em face da esperança média de vida?

Segundo dados divulgados pela própria DGS, a mediana dos óbitos atribuídos ao coronavírus situa-se em 80 anos para os homens e 85 anos para as mulheres. Ora a esperança média de vida situa-se em 78 anos para os homens e 83 anos para as mulheres. Isso significa que a esmagadora maioria das pessoas que têm falecido "por causa deste vírus" (repito, como se as restantes doenças e a morte natural para nada contassem) sucumbiram após terem ultrapassado a esperança média de vida ou já muito perto dela.

Ora "esperança média de vida", como se percebe, não significa que toda a gente tem de lá chegar, senão não seria média. Muitas das pessoas falecidas estavam já, em termos estatísticos, na fase terminal da sua vida mesmo sem a ocorrência da pandemia; a maioria delas tinha várias doenças graves, de tipo crónico ou degenerativo; e o seu sistema imunitário não estava em condições de resistir a mais uma infecção grave, fosse ela de que tipo fosse. Portanto (e perdoem-me a rudeza da expressão) muitos dos falecidos estavam já nesse “corredor da morte” que é, afinal, o desfecho natural da própria vida. Para muitos deles, o coronavírus só despoletou ou acelerou o que estava iminente.

Mas o mesmo não poderá talvez dizer-se de todos os outros pacientes que faleceram por falta de tratamento médico ou de intervenções cirúrgicas, devido ao pânico e à afectação desproporcional de recursos que o coronavírus provocou, paralisando muitos centros de saúde e departamentos hospitalares ou inibindo a procura de tratamento urgente por quem dele necessitava. As estatísticas demonstram excedentes de mortalidade que não podem ser explicados de outra forma.

Conclusão: a ameaça representada pela pandemia foi parcialmente mal gerida desde o início. Começou-se por descurar a prioridade absoluta que devia ter sido dada aos segmentos populacionais de maior risco (em particular, aos mais idosos e aos clinicamente mais vulneráveis, conforme as indicações precoces da Organização Mundial de Saúde) e optou-se por um confinamento generalizado da população, sem qualquer segmentação etária ou geográfica, gerando de imediato uma crise económica e financeira de proporções desnecessárias e desperdiçando recursos exagerados logo numa fase inicial da primeira vaga da epidemia. Por acréscimo, criou-se uma situação de crise igualmente grave em praticamente todos os sectores de saúde não relacionados com o surto de coronavírus, gerando consequências clínicas ainda por avaliar globalmente e uma mortalidade excedentária muito superior à provocada pela própria epidemia até à presente data.

Além disso, como quase todos os indicadores melhoraram substancialmente à medida que foi progredindo o desconfinamento, daí se conclui que o confinamento generalizado e o recolhimento domicilíário não são os factores críticos para a contenção da epidemia, mas sim outros, muito provavelmente a disponibilidade generalizada de materiais de protecção e de produtos sanitários  que só começou a verificar-se já na fase final do estado de emergência, bem como o cuidado de distanciamento social que tem sido praticado por grande parte da população. O estado de emergência e as suas medidas drásticas, por si sós, não impediram o crescimento rápido do número de casos de infecção durante o mês inicial de vigência, quando o país inteiro estava praticamente desprotegido, devido à imprevidência grave de não existir uma reserva estratégica de materiais sanitários e de protecção, apesar de os especialistas saberem que, mais ano menos ano, uma nova epidemia acabaria por surgir e o país não estava preparado (e, pelos vistos, nem o governo actual nem nenhum dos anteriores se preocupou com isso, à semelhança do que aconteceu por esse mundo fora).

É caso para perguntar: estaremos agora melhor preparados para enfrentar outras emergências, incertas mas previsíveis, de saúde pública? O nosso velho hábito nacional de só trancar as portas depois da casa roubada leva a pensar que não.

sábado, 20 de junho de 2020

Tabus, não!... Eis o que precisa ser dito sobre racismo e xenofobia...

Nós, portugueses, não somos santos. Conhecemos os nossos defeitos. Podem apontar à maioria de nós, sem grande risco de errar, a nossa propensão colectiva para a hipocrisia, a venalidade, a corrupção, a inveja, a maledicência e a ostentação. Gostamos de favores e de cunhas, mas depois somos ingratos. O escárnio e o maldizer são, desde há muito, desportos nacionais. Tendemos a ser clubistas e rancorosos. Gostamos de viver o dia a dia de forma imprudente, sem pensar muito no amanhã. Não somos frugais nem dados à poupança. Temos também uns quantos genes que são avessos à organização e ao planeamento, donde acabarmos por cair tantas vezes no mero desenrascanço e nas coisas feitas em cima do joelho. Por insinceridade ou manha, gostamos às vezes de nos fingir de tolos e até aceitamos cordatamente que nos tomem por ingénuos. Deixamos amiúde que espezinhem os nossos direitos e convicções, só para não nos chatearmos. Não intercedemos pelos outros quando mais seria necessário, para evitar problemas ou incómodos. Adoramos fugir ao fisco e a outros deveres contributivos. Somos coscuvilheiros, indisciplinados, metediços, parciais e deslumbrados. Somos tudo isso. Mas racistas?... Alto aí e pára o baile.

Racistas é que, de um modo geral, não somos, ainda que nos dêem motivos de sobra para sê-lo. Existem alguns por aí, aceitemos, como em qualquer parte do mundo, mas esse não é um traço que colectivamente nos defina. Desculpem os exaltados e os fanáticos, mas não é. Para quem queira raciocinar um pouco e ver o óbvio, há muitas coisas à nossa volta a demonstrá-lo. E atestam-no não só o nosso passado como o nosso presente, não só o nosso lastro cultural como os nossos costumes brandos.

Nenhum povo se enraizou com tanta facilidade em tantas partes do mundo, misturando-se e entrosando-se com as gentes locais. Dos cerca de quinze milhões de portugueses que hoje provavelmente somos, um terço vive disperso na diáspora, e as nossas comunidades não são problemáticas em lado nenhum. Por isso nos aceitam bem em toda a parte, mesmo nos países que querem desfazer-se de outros fluxos de imigração.

Há muitos séculos que nos habituámos à diversidade étnica e à miscigenação. Até as nossas colonizações nos vários continentes se distinguem bem das alheias, e não apenas por serem mais antigas ou mais longas. Nenhum outro povo pós-medieval criou uma tão ampla mestiçagem de raças e culturas, nem promoveu tão afincadamente as uniões e os casamentos mistos. Nenhum outro deu aos indígenas, segundo os horizontes de cada época, tantas oportunidades de instrução e de ascensão social, por muito que tudo pareça insuficiente segundo os critérios enviesados de hoje. Porque todas as coisas têm de ser vistas e julgadas, antes de mais, segundo os critérios do seu próprio tempo e lugar, ainda que os ignorantes não percebam isso.

Acusam-nos de termos cometido abusos enquanto conquistadores e colonizadores? Sim, é inegável. Mas que teve isso a ver com mero racismo? Também os cometemos em abundância contra os da nossa própria raça, não só em perseguições religiosas e guerras civis, como na estratificação social e nas práticas do quotidiano. Até há menos de um século atrás, quase todas as sociedades do mundo foram bastante cruéis, a desumanidade foi a regra. Barbaridades e injustiças foram sempre “fruta da época”, porque as mentalidades as assimilavam e legitimavam. Quem foi excepção? Pela parte que nos toca, até o nosso Eça já escrevia há século e meio que Portugal era a “pátria dos abusos” (e em muitos aspectos, lamentavelmente, ainda não deixou de o ser). Mas onde é que havia menos discriminação racial do que entre nós, segundo os padrões dominantes em cada época? E por que querem agora espicaçar-nos com o estigma do racismo, a não ser por oportunismo velhaco ou para colher dividendos indevidos?

Até à chegada dos europeus, e muito depois dela, as etnias e as tribos africanas ou ameríndias sempre se degladiaram e chacinaram, escravizaram os capturados e sujeitaram-nos a toda a espécie de torturas e maus tratos, sem excluir o canibalismo. Muito antes de os europeus se atreverem a aventurar-se pelo interior da África subsariana, já os escravos negros eram trazidos para a costa e vendidos, a troco de quinquilharias, por outros negros de etnias ou tribos rivais. A escravatura no interior do continente africano foi uma prática tradicional de negros contra negros, desde tempos imemoriais, e só depois também dos sucessivos colonizadores. Quem não conhece a história de África que a estude, se duvidar. O que os comerciantes europeus e árabes lhe acrescentaram foi sobretudo o comércio intercontinental dos escravos, através do Atlântico ou do Índico, muito mais do que as capturas adicionais, que também existiram, mas que implicavam custos e riscos desnecessários. E os africanos e afrodescendentes, muitos deles completamente ignorantes da sua própria história ancestral, vêm agora pedir-nos contas pelos tempos de escravatura? O que seria ainda hoje a África, se não tivesse havido a colonização europeia? E aliás, o que é ainda hoje a África, muitas décadas depois da descolonização?

Eu vivi algum tempo em África, como professor cooperante, e por lá visitei diversos e variados países, desde a orla mediterrânica até ao sul de Angola. Pude sentir e experimentar, ao vivo e a cores, o racismo dos negros contra os brancos. Fui vítima dele e teria muito que contar. Mas também presenciei o racismo que existe entre árabes e berberes, entre negros e mulatos, e por mais incrível que pareça, entre os próprios negros de diferentes etnias. Os africanos distinguem ao milímetro os diversos tons de pele, os diferentes graus de mestiçagem, e por muito que às vezes o neguem ou disfarcem, os seus costumes são profundamente discriminatórios em relação às várias pertenças étnicas. Por mais que se misturem nos aglomerados urbanos, não há simbiose. E para além das rivalidades tradicionais, é frequente que se detestem e se evitem mutuamente. É uma coisa visceral, que tem a ver com as culturas locais e a sua segmentação. Mas há agora quem, vindo de qualquer dessas paragens, se ache no direito de nos lançar imprecações por causa de um alegado “racismo estrutural” que alguns idiotas e iluminados julgam descobrir na sociedade portuguesa? Tenham dó… Não há paciência.

Temos entre nós chineses, indianos, paquistaneses, bengaleses, árabes, judeus, turcos, iranianos, nepaleses, ucranianos e outros eslavos, latino-americanos, tailandeses, timorenses e uma miríade de outras nacionalidades. Não há notícia de conflitos raciais com eles, não obstante os casos de polícia que possam ocorrer. Temos europeus das mais diversas proveniências e, com excepção de uma nacionalidade específica, também com eles não há atritos étnicos, apesar dos episódios de hooliganismo no futebol ou das bebedeiras de turistas que às vezes descambam em distúrbios. Não vale a pena tapar o sol com a peneira: os crónicos problemas étnicos que temos são sempre com os mesmos segmentos da população e todos sabemos quais são. E digamo-lo sem papas na língua: tem tudo a ver com a alarvidade ou o parasitismo com que se comportam, com a frequência com que nos agridem ou nos ameaçam, com o modo como nos assediam ou nos intimidam com os seus comportamentos de bando, com os estragos ou imundícies que provocam, com os furtos ou abusos que cometem, com o medo e insegurança que nos causam.  Sem isso seriam, aos nossos olhos, pessoas como outras quaisquer. Somos aplaudidos no mundo pela nossa hospitalidade e por tratarmos bem os estrangeiros, ao contrário de muitos outros povos que os abominam e hostilizam ou que os tratam com reserva e rudeza. Somos bons anfitriões. Os turistas de todo o mundo gostam de nós. E somos racistas?... Não, somos até bastante tolerantes, muito mais do que deveríamos ser.

Não deveríamos tolerar, de modo algum, que haja comportamentos étnicos bem característicos que atentam contra os nossos valores fundamentais ou contra as nossas noções básicas de civismo e cidadania. Não deveríamos tolerar, por exemplo, os casamentos infantis forçados nas famílias ciganas, nem o seu incumprimento generalizado da escolaridade obrigatória, muito menos a proibição de as raparigas frequentarem a escola. Não deveríamos fechar os olhos à mutilação genital das meninas nas famílias de certas origens africanas. Não deveríamos permitir impunemente que jovens afrodescendentes nos espichem sistematicamente as fachadas dos prédios logo após os condomínios terem gasto fortunas em obras de conservação exterior. Não deveríamos tolerar que nos vandalizem os equipamentos públicos, os monumentos ou as estátuas. Deveria haver tolerância zero para criminalidade violenta ou reincidente, para condução sem carta e sem seguro, para desobediências crónicas às nossas polícias e aos nossos tribunais. Já basta termos de lidar com os nossos próprios delinquentes, que por serem portugueses são um encargo nosso, não de outros. Mas os estrangeiros ou naturalizados que não acatam a autoridade do nosso Estado ou das nossas leis não têm que cá continuar, e expulsá-los não é racismo nem xenofobia, é mera justiça. É até mais do que isso: é uma questão de civilização.

Apesar de toda a nossa tradição de convivência racial, confesso que não gosto de “pretos” nem de “ciganos”. E isto não tem nada a ver com a cor da pele, com a origem geográfica ou com as tradições inócuas de cada comunidade. Um negro ou um mulato civilizados para mim são tão “brancos” como eu. Mas um vândalo branco para mim é “preto”, porque se comporta como tal. Ser “preto” não é uma questão de raça ou de pigmento, é um nível de conduta. É um atributo de selvajaria, de subdesenvolvimento, de imundície, de indigência cultural. Assim como ser “cigano” é sinónimo de velhacaria, de burla, de esperteza saloia, de falta de escrúpulos. Se alguém tem culpa destas designações são, em primeiro lugar, os costumes das comunidades que lhes deram origem. Porque o que está em causa não é a cor da pele, é a cor dos comportamentos; não é a etnia, são os costumes intoleráveis. E quem quer confundir as coisas é parvo, ou faz-se.

Mais de oitocentos mil portugueses, talvez quase um milhão, foram escorraçados ou tiveram de fugir das ex‑colónias africanas, nos idos anos setenta, e mais uns largos milhares foram expulsos da Índia Portuguesa, descartados em Timor-Leste ou substituídos por chineses em Macau devolvido. Apesar disso, hoje acolhemos toda a gente, apesar dos ressentimentos residuais que ainda possa haver. Deixamos africanos, indianos, timorenses e chineses virem para cá morar, trabalhar, estudar, estabelecer-se, sem grande filtragem e com pouco controlo. Se tantos vêm para cá é porque têm muito mais oportunidades aqui do que nos seus países de origem, não é certamente por masoquismo. E decerto são melhor tratados aqui do que o são lá os portugueses, inclusivamente em termos de protecção social. E ainda nos acusam de racismo?

Os novos graffiti incitam-nos também a “descolonizar”. Mas então não o fizemos já? Os principais vestígios que sobram do nosso colonialismo não são decerto as nossas estátuas e monumentos, que enquanto nação temos todo o direito a manter e preservar porque fazem parte da nossa história, mas as hordas de imigrantes vindos dos vários países de expressão portuguesa, atraídos pelas facilidades proporcionadas pela língua comum que lá deixámos e pelo muito melhor nível de vida que encontram aqui. É óbvio que, sem a nossa colonização, a esmagadora maioria deles nunca teria posto cá os pés. Se quiséssemos ir até às últimas consequências da descolonização, deveríamos pois recambiá-los para a sua terra de origem, como consequência lógica. É isso que pretendem? Até porque agora são eles que pretendem colonizar‑nos a nós, e estão a consegui-lo rapidamente através da demografia, pela tripla via da natalidade, do descontrolo migratório e das obtusas leis de reagrupamento familiar. Ora, pelas notícias eloquentes que nos vão chegando dos seus países de origem e pelas misérias que lá se vivem, um país europeu ser tão rapidamente colonizado por africanos e brasileiros e timorenses não é de todo uma boa ideia. Pelo andar actual da carruagem, e no que toca ao grau de civilização, não sei se eles se irão aproximar lentamente de nós, mas tenho a certeza que nós iremos rapidamente aproximar-nos deles. Para uma cultura subir de nível, tem de lutar contra a força da gravidade; mas para descer, todos os santos ajudam.

Se há africanos ou afrodescendentes incomodados com o acolhimento que recebem aqui, ou com as oportunidades de que desfrutam, é justo lembrar-lhes que há alternativas. Não faltam outros países, outros continentes, incluindo o das suas origens. E a nossa resposta coerente só pode ser uma: quem está mal, mude-se. Este não é um conselho racista nem xenófobo, pois é o mesmo que os próprios portugueses sempre usaram entre si. A verdade é que já lhes proporcionamos muito mais do que alguma vez eles a nós. Mas não estamos dispostos a dar para o peditório dos privilégios às minorias étnicas, da discriminação positiva, das quotas raciais, dos subsídios de compensação ou das indemnizações pelo nosso “abominável” passado colonial. Queremos mesmo é viver numa sociedade de iguais, partilhando uma cultura essencial comum, agregados por um sentimento de pertença e solidariedade. Oportunistas, parasitas, vândalos e arruaceiros não nos fazem falta.

Pela minha parte, tenciono por enquanto continuar a não ser racista nem xenófobo, e espero nisso persistir, mas ponho três condições a prazo. A primeira é que não tenha de continuar a presenciar a quase total impunidade de tantos comportamentos e artimanhas próprios de “pretos” ou de “ciganos”. A segunda é que não continue a ver o nosso governo a tratar imigrantes ilegais com mais esmero e preocupação do que os concedidos aos portugueses mais carenciados, desde os idosos aos sem-abrigo. E a terceira é que não se continue a dar de bandeja a nacionalidade a todos os arrivistas que só querem um salvo-conduto para a Europa, uma facilidade adicional para as suas negociatas ilegais ou um pretexto para trazerem atrás de si um batalhão de familiares verdadeiros e falsos, como autênticos traficantes de gente.

Caso contrário, se tais condições não se cumprirem, poderei vir a mudar de opinião. Talvez me torne selectivamente racista e xenófobo, tal como muitos outros portugueses que não estão para aturar mixórdias e barafundas, ameaças, agressões, pilhagens, tumultos, vandalismos e delinquência a granel. Em suma: que querem viver em paz e segurança.

Como é evidente, as simples aversões pessoais, quando somadas, podem tranformar-se em grandes problemas colectivos. Os nossos ministros e os anti-racistas de serviço que pensem bem no assunto, ou as coisas poderão vir a não correr bem no futuro. Tal como já não correm em outros países, europeus e não só. A experiência deles deveria servir-nos para alguma coisa. E uma das conclusões a tirar é que o multiculturalismo tem os seus limites.

domingo, 14 de junho de 2020

O que precisa ser dito sobre racismo e xenofobia...

Nós, portugueses, não somos santos. Conhecemos os nossos defeitos. Podem apontar à maioria de nós, sem grande risco de errar, a nossa propensão colectiva para a hipocrisia, a venalidade, a corrupção, a inveja, a maledicência e a ostentação. Gostamos de favores e de cunhas, mas depois somos ingratos. O escárnio e o maldizer são, desde há muito, desportos nacionais. Tendemos a ser clubistas e rancorosos. Gostamos de viver o dia a dia de forma imprudente, sem pensar muito no amanhã. Não somos frugais nem dados à poupança. Temos também uns quantos genes que são avessos à organização e ao planeamento, donde acabarmos por cair tantas vezes no mero desenrascanço e nas coisas feitas em cima do joelho. Por insinceridade ou manha, gostamos às vezes de nos fingir de tolos e até aceitamos cordatamente que nos tomem por ingénuos. Deixamos amiúde que espezinhem os nossos direitos e convicções, só para não nos chatearmos. Não intercedemos pelos outros quando mais seria necessário, para evitar problemas ou incómodos. Adoramos fugir ao fisco e a outros deveres contributivos. Somos coscuvilheiros, indisciplinados, metediços, parciais e deslumbrados. Somos tudo isso. Mas racistas?... Alto aí e pára o baile.

Racistas é que, de um modo geral, não somos, ainda que nos dêem motivos de sobra para sê-lo. Existem alguns por aí, aceitemos, como em qualquer parte do mundo, mas esse não é um traço que colectivamente nos defina. Desculpem os exaltados e os fanáticos, mas não é. Para quem queira raciocinar um pouco e ver o óbvio, há muitas coisas à nossa volta a demonstrá-lo. E atestam-no não só o nosso passado como o nosso presente, não só o nosso lastro cultural como os nossos costumes brandos.

Nenhum povo se enraizou com tanta facilidade em tantas partes do mundo, misturando-se e entrosando-se com as gentes locais. Dos cerca de quinze milhões de portugueses que hoje provavelmente somos, um terço vive disperso na diáspora, e as nossas comunidades não são problemáticas em lado nenhum. Por isso nos aceitam bem em toda a parte, mesmo nos países que querem desfazer-se de outros fluxos de imigração.

Há muitos séculos que nos habituámos à diversidade étnica e à miscigenação. Até as nossas colonizações nos vários continentes se distinguem bem das alheias, e não apenas por serem mais antigas ou mais longas. Nenhum outro povo pós-medieval criou uma tão ampla mestiçagem de raças e culturas, nem promoveu tão afincadamente as uniões e os casamentos mistos. Nenhum outro deu aos indígenas, segundo os horizontes de cada época, tantas oportunidades de instrução e de ascensão social, por muito que tudo pareça insuficiente segundo os critérios enviesados de hoje. Porque todas as coisas têm de ser vistas e julgadas, antes de mais, segundo os critérios do seu próprio tempo e lugar, ainda que os ignorantes não percebam isso.

Acusam-nos de termos cometido abusos enquanto conquistadores e colonizadores? Sim, é inegável. Mas que teve isso a ver com mero racismo? Também os cometemos em abundância contra os da nossa própria raça, não só em perseguições religiosas e guerras civis, como na estratificação social e nas práticas do quotidiano. Até há menos de um século atrás, quase todas as sociedades do mundo foram bastante cruéis, a desumanidade foi a regra. Barbaridades e injustiças foram sempre “fruta da época”, porque as mentalidades as assimilavam e legitimavam. Quem foi excepção? Pela parte que nos toca, até o nosso Eça já escrevia há século e meio que Portugal era a “pátria dos abusos” (e em muitos aspectos, lamentavelmente, ainda não deixou de o ser). Mas onde é que havia menos discriminação racial do que entre nós, segundo os padrões dominantes em cada época? E por que querem agora espicaçar-nos com o estigma do racismo, a não ser por oportunismo velhaco ou para colher dividendos indevidos?

Até à chegada dos europeus, e muito depois dela, as etnias e as tribos africanas ou ameríndias sempre se degladiaram e chacinaram, escravizaram os capturados e sujeitaram-nos a toda a espécie de torturas e maus tratos, sem excluir o canibalismo. Muito antes de os europeus se atreverem a aventurar-se pelo interior da África subsariana, já os escravos negros eram trazidos para a costa e vendidos, a troco de quinquilharias, por outros negros de etnias ou tribos rivais. A escravatura no interior do continente africano foi uma prática tradicional de negros contra negros, desde tempos imemoriais, e só depois também dos sucessivos colonizadores. Quem não conhece a história de África que a estude, se duvidar. O que os comerciantes europeus e árabes lhe acrescentaram foi sobretudo o comércio intercontinental dos escravos, através do Atlântico ou do Índico, muito mais do que as capturas adicionais, que também existiram, mas que implicavam custos e riscos desnecessários. E os africanos e afrodescendentes, muitos deles completamente ignorantes da sua própria história ancestral, vêm agora pedir-nos contas pelos tempos de escravatura? O que seria ainda hoje a África, se não tivesse havido a colonização europeia? E aliás, o que é ainda hoje a África, muitas décadas depois da descolonização?

Eu vivi algum tempo em África, como professor cooperante, e por lá visitei diversos e variados países, desde a orla mediterrânica até ao sul de Angola. Pude sentir e experimentar, ao vivo e a cores, o racismo dos negros contra os brancos. Fui vítima dele e teria muito que contar. Mas também presenciei o racismo que existe entre árabes e berberes, entre negros e mulatos, e por mais incrível que pareça, entre os próprios negros de diferentes etnias. Os africanos distinguem ao milímetro os diversos tons de pele, os diferentes graus de mestiçagem, e por muito que às vezes o neguem ou disfarcem, os seus costumes são profundamente discriminatórios em relação às várias pertenças étnicas. Por mais que se misturem nos aglomerados urbanos, não há simbiose. E para além das rivalidades tradicionais, é frequente que se detestem e se evitem mutuamente. É uma coisa visceral, que tem a ver com as culturas locais e a sua segmentação. Mas há agora quem, vindo de qualquer dessas paragens, se ache no direito de nos lançar imprecações por causa de um alegado “racismo estrutural” que alguns idiotas e iluminados julgam descobrir na sociedade portuguesa? Tenham dó… Não há paciência.

Temos entre nós chineses, indianos, paquistaneses, bengaleses, árabes, judeus, turcos, iranianos, nepaleses, ucranianos e outros eslavos, latino-americanos, tailandeses, timorenses e uma miríade de outras nacionalidades. Não há notícia de conflitos raciais com eles, não obstante os casos de polícia que possam ocorrer. Temos europeus das mais diversas proveniências e, com excepção de uma nacionalidade específica, também com eles não há atritos étnicos, apesar dos episódios de hooliganismo no futebol ou das bebedeiras de turistas que às vezes descambam em distúrbios. Não vale a pena tapar o sol com a peneira: os crónicos problemas étnicos que temos são sempre com os mesmos segmentos da população e todos sabemos quais são. E digamo-lo sem papas na língua: tem tudo a ver com a alarvidade ou o parasitismo com que se comportam, com a frequência com que nos agridem ou nos ameaçam, com o modo como nos assediam ou nos intimidam com os seus comportamentos de bando, com os estragos ou imundícies que provocam, com os furtos ou abusos que cometem, com o medo e insegurança que nos causam.  Sem isso seriam, aos nossos olhos, pessoas como outras quaisquer. Somos aplaudidos no mundo pela nossa hospitalidade e por tratarmos bem os estrangeiros, ao contrário de muitos outros povos que os abominam e hostilizam ou que os tratam com reserva e rudeza. Somos bons anfitriões. Os turistas de todo o mundo gostam de nós. E somos racistas?... Não, somos até bastante tolerantes, muito mais do que deveríamos ser.

Não deveríamos tolerar, de modo algum, que haja comportamentos étnicos bem característicos que atentam contra os nossos valores fundamentais ou contra as nossas noções básicas de civismo e cidadania. Não deveríamos tolerar, por exemplo, os casamentos infantis forçados nas famílias ciganas, nem o seu incumprimento generalizado da escolaridade obrigatória, muito menos a proibição de as raparigas frequentarem a escola. Não deveríamos fechar os olhos à mutilação genital das meninas nas famílias de certas origens africanas. Não deveríamos permitir impunemente que jovens afrodescendentes nos espichem sistematicamente as fachadas dos prédios logo após os condomínios terem gasto fortunas em obras de conservação exterior. Não deveríamos tolerar que nos vandalizem os equipamentos públicos, os monumentos ou as estátuas. Deveria haver tolerância zero para criminalidade violenta ou reincidente, para condução sem carta e sem seguro, para desobediências crónicas às nossas polícias e aos nossos tribunais. Já basta termos de lidar com os nossos próprios delinquentes, que por serem portugueses são um encargo nosso, não de outros. Mas os estrangeiros ou naturalizados que não acatam a autoridade do nosso Estado ou das nossas leis não têm que cá continuar, e expulsá-los não é racismo nem xenofobia, é mera justiça. É até mais do que isso: é uma questão de civilização.

Apesar de toda a nossa tradição de convivência racial, confesso que não gosto de “pretos” nem de “ciganos”. E isto não tem nada a ver com a cor da pele, com a origem geográfica ou com as tradições inócuas de cada comunidade. Um negro ou um mulato civilizados para mim são tão “brancos” como eu. Mas um vândalo branco para mim é “preto”, porque se comporta como tal. Ser “preto” não é uma questão de raça ou de pigmento, é um nível de conduta. É um atributo de selvajaria, de subdesenvolvimento, de imundície, de indigência cultural. Assim como ser “cigano” é sinónimo de velhacaria, de burla, de esperteza saloia, de falta de escrúpulos. Se alguém tem culpa destas designações são, em primeiro lugar, os costumes das comunidades que lhes deram origem. Porque o que está em causa não é a cor da pele, é a cor dos comportamentos; não é a etnia, são os costumes intoleráveis. E quem quer confundir as coisas é parvo, ou faz-se.

Mais de oitocentos mil portugueses, talvez quase um milhão, foram escorraçados ou tiveram de fugir das ex‑colónias africanas, nos idos anos setenta, e mais uns largos milhares foram expulsos da Índia Portuguesa, descartados em Timor-Leste ou substituídos por chineses em Macau devolvido. Apesar disso, hoje acolhemos toda a gente, apesar dos ressentimentos residuais que ainda possa haver. Deixamos africanos, indianos, timorenses e chineses virem para cá morar, trabalhar, estudar, estabelecer-se, sem grande filtragem e com pouco controlo. Se tantos vêm para cá é porque têm muito mais oportunidades aqui do que nos seus países de origem, não é certamente por masoquismo. E decerto são melhor tratados aqui do que o são lá os portugueses, inclusivamente em termos de protecção social. E ainda nos acusam de racismo?

Os novos graffiti incitam-nos também a “descolonizar”. Mas então não o fizemos já? Os principais vestígios que sobram do nosso colonialismo não são decerto as nossas estátuas e monumentos, que enquanto nação temos todo o direito a manter e preservar porque fazem parte da nossa história, mas as hordas de imigrantes vindos dos vários países de expressão portuguesa, atraídos pelas facilidades proporcionadas pela língua comum que lá deixámos e pelo muito melhor nível de vida que encontram aqui. É óbvio que, sem a nossa colonização, a esmagadora maioria deles nunca teria posto cá os pés. Se quiséssemos ir até às últimas consequências da descolonização, deveríamos pois recambiá-los para a sua terra de origem, como consequência lógica. É isso que pretendem? Até porque agora são eles que pretendem colonizar‑nos a nós, e estão a consegui-lo rapidamente através da demografia, pela tripla via da natalidade, do descontrolo migratório e das obtusas leis de reagrupamento familiar. Ora, pelas notícias eloquentes que nos vão chegando dos seus países de origem e pelas misérias que lá se vivem, um país europeu ser tão rapidamente colonizado por africanos e brasileiros e timorenses não é de todo uma boa ideia. Pelo andar actual da carruagem, e no que toca ao grau de civilização, não sei se eles se irão aproximar lentamente de nós, mas tenho a certeza que nós iremos rapidamente aproximar-nos deles. Para uma cultura subir de nível, tem de lutar contra a força da gravidade; mas para descer, todos os santos ajudam.

Se há africanos ou afrodescendentes incomodados com o acolhimento que recebem aqui, ou com as oportunidades de que desfrutam, é justo lembrar-lhes que há alternativas. Não faltam outros países, outros continentes, incluindo o das suas origens. E a nossa resposta coerente só pode ser uma: quem está mal, mude-se. Este não é um conselho racista nem xenófobo, pois é o mesmo que os próprios portugueses sempre usaram entre si. A verdade é que já lhes proporcionamos muito mais do que alguma vez eles a nós. Mas não estamos dispostos a dar para o peditório dos privilégios às minorias étnicas, da discriminação positiva, das quotas raciais, dos subsídios de compensação ou das indemnizações pelo nosso “abominável” passado colonial. Queremos mesmo é viver numa sociedade de iguais, partilhando uma cultura essencial comum, agregados por um sentimento de pertença e solidariedade. Oportunistas, parasitas, vândalos e arruaceiros não nos fazem falta.

Pela minha parte, tenciono por enquanto continuar a não ser racista nem xenófobo, e espero nisso persistir, mas ponho três condições a prazo. A primeira é que não tenha de continuar a presenciar a quase total impunidade de tantos comportamentos e artimanhas próprios de “pretos” ou de “ciganos”. A segunda é que não continue a ver o nosso governo a tratar imigrantes ilegais com mais esmero e preocupação do que os concedidos aos portugueses mais carenciados, desde os idosos aos sem-abrigo. E a terceira é que não se continue a dar de bandeja a nacionalidade a todos os arrivistas que só querem um salvo-conduto para a Europa, uma facilidade adicional para as suas negociatas ilegais ou um pretexto para trazerem atrás de si um batalhão de familiares verdadeiros e falsos, como autênticos traficantes de gente.

Caso contrário, se tais condições não se cumprirem, poderei vir a mudar de opinião. Talvez me torne selectivamente racista e xenófobo, tal como muitos outros portugueses que não estão para aturar mixórdias e barafundas, ameaças, agressões, pilhagens, tumultos, vandalismos e delinquência a granel. Em suma: que querem viver em paz e segurança.

Como é evidente, as simples aversões pessoais, quando somadas, podem tranformar-se em grandes problemas colectivos. Os nossos ministros e os anti-racistas de serviço que pensem bem no assunto, ou as coisas poderão vir a não correr bem no futuro. Tal como já não correm em outros países, europeus e não só. A experiência deles deveria servir-nos para alguma coisa. E uma das conclusões a tirar é que o multiculturalismo tem os seus limites.

sábado, 11 de abril de 2020

COVID-19: Factos incertos, estatísticas falsas, percepções erradas


Nos dias que correm, somos assolados por diversas dúvidas:
      a) qual é realmente a perigosidade deste vírus? 
      b) podemos confiar nas estatísticas oficiais sobre a pandemia?
      c) a reacção está a ser proporcional à ameaça ou há agora um excesso de zelo do tipo lava-culpas?
      d) o que devemos recear mais: os efeitos da epidemia ou um eventual colapso económico?
      e) o que se deverá fazer?

Qual é realmente a perigosidade deste vírus?

A verdade nua e crua é que ninguém o sabe ao certo, embora pareça bem inferior ao que se chegou a temer. O que não é propriamente um motivo de alívio, porque há grandes e intrigantes disparidades na taxa de mortalidade da pandemia em diversos países europeus. Vários factores podem explicar essas disparidades, mas também não se sabe em que proporção: a situação geográfica, os possíveis vectores de contágio, as medidas de contenção tomadas, os tempos de resposta, os meios sanitários à disposição, a organização e o apetrechamento hospitalares, o grau de cumprimento das regras higiénicas e das quarentenas pelas populações locais, as mutações do vírus que vão surgindo, a agressividade das estirpes que mais assolam cada país. E ainda podemos juntar ao rol a composição etária, étnica e genética das regiões afectadas, os factores climáticos e metereológicos, a eventual influência dos programas nacionais de vacinação contra outras doenças, etc... Enfim, um cocktail de variáveis que dará assuntos de pesquisa para muitos anos, mas que não nos dá agora pistas seguras.
No imediato, e apesar das farroncas precipitadas de alguns governos, todos estão a navegar à vista, com os olhos postos nos outros países e nas estatísticas. E esse é um outro problema, como veremos.

Eis para já o que consta na imprensa quanto à mortalidade: 3% dos infectados nos EUA e Canadá, um pouco mais (3,5%) na Ásia, 5% no conjunto da África e uma média de 8% na Europa, com alguns países aparentemente bem abaixo dela (como Portugal e Alemanha) e outros acima (como Espanha e Itália). Mas estas percentagens são apuradas em relação apenas aos casos diagnosticados, pelo que as percentagens reais são desconhecidas.
A maior taxa de mortalidade na Europa pode ser explicada pelo facto de ser o continente com uma população mais envelhecida ou de estar a braços com mutações do vírus mais agressivas, entre outras hipóteses. Mas não é crível que os diferentes sistemas estatísticos nacionais tenham um grau de fiabilidade idêntico em toda a parte, pelo que estas comparações podem ser bastante enganadoras.

Podemos confiar nas estatísticas oficiais sobre a pandemia?

Infelizmente, não. São muito rudimentares. Não sabemos o número real de infectados nem o número de óbitos realmente provocados pela acção do vírus.
Todos os dias se anuncia o número já conhecido de infectados, mas toda a gente percebe que o número real é bem superior e totalmente desconhecido. Por várias razões: o número disponível de testes tem sido sempre muito escasso; o número de testes efectuados foi ainda menor, devido às habituais atrapalhações da logística e à quantidade limitada de laboratórios, equipamentos e reagentes; a cada dia que passa, há ainda milhares de testes que aguardam os resultados laboratoriais; e principalmente porque a esmagadora maioria da população infectada (estima-se que cerca de 80%) é assintomática ou só apresenta sintomas discretos.
O que se pode concluir daí? Se a capacidade de testar é ainda muito limitada, se a detecção de casos depende dela e se os testes se aplicam sobretudo aos casos sintomáticos, o número de infectados será decerto muito maior. Mas quantos? Alguns matemáticos estimam que os casos reais sejam, pelo menos, dez vezes superiores aos casos confirmados. E isso, a ser verdade, é uma boa notícia: significa, por esse prisma, que a letalidade do vírus é muito menor do que o cálculo oficial, talvez dez vezes menos ou menor ainda. Mas não é para menosprezar: a taxa de mortalidade entre os infectados conhecidos aproxima-se agora entre nós dos 3% e mantém uma tendência lenta e firme de subida. Duas semanas antes, era cerca de 2%.

Todos os dias se anuncia o número de mortos apurados, mas a verdade é que não se tem distinguido entre os que morrem com o coronavírus presente no organismo e os que morrem por causa do coronavírus, ou seja, pela acção específica deste. Nem sequer é distinção que seja sempre clinicamente fácil e não há muito tempo a perder com isso, pelo que vai tudo parar ao mesmo saco. Todas as mortes de pessoas a quem tenha sido diagnosticado o covid-19 são registadas como sendo causadas por ele, como se outras causas de morte natural tivessem deixado de provocar baixas entre os infectados. Ora isto é irrealista, sobretudo se atentarmos nas faixas etárias em que os óbitos mais ocorrem.

Especificando um pouco mais: sabemos que a esmagadora maioria dos óbitos parece resultar de uma conjunção do novo coronavírus com várias outras patologias pré-existentes no mesmo indivíduo, o que significa que o vírus é muito mais letal para quem já tenha uma idade avançada e um grau de morbidez elevado, e que vitima sobretudo quem já ultrapassou a esperança média de vida ou está perto de a atingir.

Mas será o número de mortes apenas aquele que nos dizem? Nem pensar. Em Portugal, desde o final da primeira semana de Março até aos primeiros dias de Abril, registou-se um acréscimo anormal de óbitos acima da média dos últimos dez anos e também acima da média dos últimos três. Mesmo se descontarmos os óbitos oficialmente atribuídos ao covid-19, restam mais de 800 óbitos por explicar, um desvio de 7% em relação ao expectável, desvio esse que começou a manifestar-se apenas uma semana depois de terem sido detectados os primeiros casos de infecção. Pelo menos uma parte destas mortes será consequência do coronavírus em pessoas que nunca foram testadas.
Parece pois que afinal o tão apregoado “milagre português” de baixa mortalidade se deve apenas ao facto de muitas mortes causadas pela pandemia não terem sido registadas como tal. Por cada óbito atribuído ao coronavírus, ficaram mais três por explicar, segundo os investigadores. Se os tomarmos em consideração, concluiremos que esse “milagre português” foi apenas operado pelas falhas da estatística e não pelas virtudes lusas da contenção, nem tão pouco pela clarividência das autoridades.
Falhas casuais ou intencionais? Ficamos a matutar.
A criatividade contabilística dos gregos serviu-lhes em tempos para conseguirem entrar na zona euro. A nossa criatividade estatística talvez nos sirva para fazermos o papel de “exemplo a seguir” no combate à pandemia e marcarmos uns pontos nas instituições europeias. Mas convém não nos iludirmos.

Todos os dias se fala das virtudes da quarentena e do progressivo achatamento da curva de evolução da doença, mas na ausença de vacina ou remédio eficaz (e para além de eficaz, disponível nas quantidades necessárias), apenas estamos por enquanto a prolongar e a diluir no tempo as consequências da epidemia, enquanto se esperam milagres rápidos vindos das empresas farmacêuticas. Mas por quanto tempo se consegue aguentar isto? Quantas vidas teremos de destruir economicamente para salvar outras clinicamente? E quanto tempo faltará para a população de baixo risco se impacientar?

A reacção está a ser proporcional à ameaça ou há agora um excesso de zelo do tipo lava-culpas?

Sim, é uma pergunta legítima. A natureza humana é o que é.
A princípio, a reacção das autoridades foi desvalorizar o risco e protelar as medidas. A preocupação dominante era não beliscar o anunciado excedente orçamental, para que os políticos envolvidos brilhassem na conjuntura. À impreparação juntou-se o desleixo, à falta de planeamento juntou-se a falta de meios. Quando se tornou impossível continuar a ignorar a ameaça sanitária, havia que salvar a face e encobrir responsabilidades. Perdidos por cem, perdidos por mil. Para compensar a incúria, veio o excesso de zelo. É sempre assim.
Não, não se admirem: mesmo no meio de uma pandemia, a política continua. Só o cenário muda.
Quem na véspera da crise não fez nada do que devia, ou pouco mais que nada, quer amanhã que se pense e diga que fez tudo o que podia, ou o máximo que estava ao seu alcance. Objectivo: que nenhum partido seja desacreditado, que nenhuma equipa política seja responsabilizada. Conseguido isso, pouco importam os danos colaterais. Como é tradição, o cálculo político não se faz a retalho, faz-se por grosso.

O que devemos recear mais: os efeitos da epidemia ou um eventual colapso económico?

Pergunta bastante difícil, hein? Vamos de novo aos números. Numa altura destas, de mentes confusas e amedrontadas, talvez eles possam ainda ajudar-nos.
Passaram quarenta dias desde que se detectou o primeiro caso confirmado de infecção pelo coronavírus, e havia já então cem outros casos suspeitos. Houve entretanto 470 óbitos que lhe foram atribuídos, sem que se saiba exactamente quantas dessas pessoas infectadas morreram realmente por causa do coronavírus e não por outra causa simultânea. Mas desde o início da primeira quarentena passaram apenas três semanas e já vamos em quase 30 mil empregos destruídos, enquanto 120.000 trabalhadores independentes perderam parte substancial do seu rendimento.
Bastante pior, em termos proporcionais, estão as coisas nos EUA: para 425.000 casos confirmados de infecção e cerca de 18.000 mortes, havia já 17 milhões de empregos destruídos. Grosso modo, por cada óbito perderam-se quase mil empregos. Em Portugal, perdem-se uns sessenta, se acreditarmos muito ingenuamente que ninguém em lay-off acabará no desemprego.

Desde o início desta crise sanitária, houve 266 doentes recuperados. Muitos terão de ser vigiados durante meses para se perceber as reais sequelas deixadas pela doença. Entretanto, 642.000 trabalhadores assalariados já viram os seus empregos colocados em regime de lay-off. Terminada a quarentena e o apoio estatal, quantos deles se irão perder, quantos serão recuperados? Ninguém sabe.

Havia que tomar medidas, anunciar decisões impopulares, impor restrições severas? Claro que sim. Mas será que a reacção foi proporcional à ameaça ou ao pânico instalado? Retrospectivamente, não deixa de ser impressionante como em menos de duas semanas se passou de oito a oitenta. Desde quase desprezar o problema até decretar uma quarentena severa foi um ápice. Para uns, a quarentena veio tarde. Para outros, veio em excesso. Mas dada a enormidade dos danos económicos e pessoais que vai provocar, chegou a altura de pensar o que é mais perigoso no curto e médio prazo, se a doença, se a cura. Será que o remédio utilizado é o mais adequado? E está a ser administrado na dose certa? Talvez a resposta seja não. Talvez seja uma overdose.

A não ser que saiam depressa vários coelhos gordos da cartola do prestidigitador-mor do reino, poderá não faltar muito para que o pânico económico iguale o pânico sanitário, ou até o supere. Há já muita gente a sentir-se entre a espada e a parede, cada vez mais sem dinheiro para pagar as contas e governar a casa. Há já muitas pequenas empresas a ir pelo cano, destruindo o trabalho e o investimento de anos. E o empobrecimento não é bom conselheiro, tal como o medo.

O que se deverá fazer?

Voltemos às estatísticas, ainda que manhosas.
Pelos números oficiais, abaixo dos 60 anos morreram apenas 20 pessoas por causa do coronavírus e abaixo dos 40 não morreu ninguém. É muito, em termos absolutos? Em termos estatísticos é pouco mais que nada. No ano passado morreram cerca de três mil e quinhentas pessoas só em Janeiro e Fevereiro por causa do surto gripal e da vaga de frio e não houve nenhum alvoroço, nem o país parou.
Na média dos últimos três anos, faleceram em Portugal cerca de 111.793 pessoas por ano, 9316 por mês, 306 por dia.
Supostamente por causa do coronavírus, “a solo” ou conjugado com outras patologias graves, no espaço de um mês morreram 470 pessoas, 450 delas acima dos 60 anos, 402 delas acima dos 70 anos, 302 delas acima dos 80 anos. Ora a esperança média de vida situa-se nos 77 anos para os homens e nos 83 para as mulheres, o que dá uma média de 80 anos no geral, números redondos. O que mostra que cerca de dois terços dos óbitos ocorreram após ser atingida ou ultrapassada a esperança média de vida e quase todo o terço restante já bastante próximo dela. Como é óbvio, a “esperança média de vida” não implica que todos devem morrer só depois de a atingirem, pois se trata de uma média. (Creio que o Sr. de La Palisse não diria melhor…)
Quantas mortes naturais teriam entretanto ocorrido, sem a intervenção do coronavírus? E quantas ocorreram com ele, mas não só por causa dele? Algumas, decerto. Também é necessário ponderar isso, ou estaremos a desvalorizar os outros factores relevantes, distorcendo a interpretação das estatísticas. A racionalidade manda que se pondere tudo.

Portanto, em termos epidemiológicos e demográficos, não estamos a ser atingidos por um tsunami. A coisa é bastante grave, sem dúvida, mas não passa de uma tempestade tropical, embora capaz de grande devastação. Mas seremos certamente atingidos por um tsunami económico e civilizacional, se uma quarentena tão drástica se prolongar por mais alguns meses. E a reconstrução, na melhor das hipóteses, demorará anos; na pior, décadas.

Portanto, ponderem-se os riscos e as consequências dos dois lados.
Decretem-se todas as medidas sanitárias convenientes, apertem-se as regras e a vigilância, dê-se toda a formação e equipamento protector que forem necessários, mas ponha-se depressa o país a trabalhar. Em tempo de guerra, trabalha-se. Suprimem-se algumas actividades perigosas e supérfluas, mas trabalha-se. Resguardam-se e protegem-se escrupulosamente os mais vulneráveis, mas trabalha-se. Poupam-se os mais débeis, mas trabalha-se.

E como já se percebeu que não vai chover dinheiro grátis da União Europeia, e que todo o que vier é para pagar, quanto mais depressa recomeçarmos, melhor. Antes que seja o descalabro. Já não há pachorra, já ninguém tem pachorra para ouvir ministros das finanças portugueses a falar outra vez do espectro da bancarrota.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Não há oito que não dê em oitenta...


No princípio, era a impreparação.
Depois de tudo quanto já se leu e ouviu, depois de tantos vídeos e notícias postos a circular sobre o assunto, ficámos todos a saber que já era esperada uma pandemia, mais ano menos ano. Só não se sabia quando, qual ou de onde viria. Mas sabia-se que viria. Vários especialistas alertaram, várias organizações advertiram, e até figuras mediáticas como Bill Gates deram conferências e entrevistas premonitórias sobre o perigo que todos corríamos. Mas, pelos vistos, os governos tinham outras premências em que pensar. Ninguém se preparou, nem sequer os países mais evoluídos. Como se tornou óbvio, prevenir uma emergência de saúde pública e proteger dela as populações não estava sequer perto do topo das prioridades. E não foi só em Portugal, foi praticamente em todo o lado, se é que isso serve de desculpa a alguém.
E eis o mais incompreensível: apesar de não se poder saber de antemão se uma eventual epidemia se transmitiria por via aérea ou por contacto, ou por ambas as vias, ou por outra qualquer, nenhum país tinha sequer uma reserva estratégica das coisas mais simples e baratas para enfrentar uma situação destas: nem viseiras, nem máscaras, nem luvas, nem batas, nem zaragatoas, nada. Muito menos um plano de contingência para a produção de ventiladores, filtros, fatos de protecção ou qualquer outra coisa que fosse precisa…

Após este mau princípio, veio o desleixo.
Já a epidemia grassava nos países do leste asiático e ainda por cá se pensava que, à semelhança das anteriores, não iria ser nada connosco. Isto apesar da enorme mobilidade geográfica nos nossos dias. Aparentemente, tudo o que se fez foi ficar a monitorizar a situação. Não se aprovisionou material, não se fizeram planos adequados, não se formou pessoal. Nas fronteiras e nos aeroportos, continuou a entrar quem quis, de onde quis, sem ninguém ser submetido a um breve inquérito ou a um mero teste de temperatura. Nada disso dava jeito e portanto não se fez nenhum controle, nenhuma triagem. E mesmo depois de já ter sido declarada oficialmente a pandemia, ainda se ouviu uma directora-geral a desvalorizar a situação e as próprias recomendações da Organização Mundial de Saúde!

A seguir, veio a demagogia irresponsável.
Todos se lembram de ouvir a nossa ministra da Saúde e outros responsáveis do pelouro dizerem-nos que estava tudo preparado para qualquer eventualidade e que tinham sido feitos planos de contingência. Viu-se. Quando surgiu o primeiro caso suspeito em Portugal, percebeu-se logo que nem os operacionais do INEM sabiam o que fazer. Limitaram-se a enclausurar o desgraçado numa ambulância durante horas e ficaram à espera que alguém lhes desse instruções, sem que ninguém lhas soubesse dar em tempo útil. Sabemos como acabou o episódio. Foi o escárnio geral. No ridículo da situação, ainda quem mostrou mais discernimento e informação foi o dono da fábrica onde o caso ocorreu, mesmo sem ter qualquer formação profissional na área da saúde. Lamentável.

O passo seguinte foi o improviso acelerado.
Felizmente, é nisso que os portugueses são bons. Quando surgiram novos suspeitos e os primeiros infectados, no meio do pandemónio que rapidamente se instalou e com a carência de meios que se sabe, lá se foi fazendo qualquer coisa de útil e acertado, ainda que sempre a olhar de lado para os países onde a crise ia mais adiantada e para os outros onde ainda não tinha chegado em força. Em vez de se antecipar aos acontecimentos, o governo foi tomando medidas em sintonia com o grau de alarme da população e dos diversos serviços hospitalares. Actuação desastrada, de um ponto de vista sanitário, mas politicamente hábil. Chegou talvez para salvar quanto baste a imagem pública de quem tinha responsabilidades, excepto perante aqueles que sabiam quem mentia e que meios faltavam. Como não podia deixar de ser, mentiu-se muito, fingiu-se muito.

O próximo capítulo foi o estado de emergência.
Veio logo a seguir aos primeiros óbitos atribuídos ao novo coronavírus. Restringiu-se a circulação de pessoas e a actividade económica. Decretou-se a quarentena, aplicada em diversas partes do país com entendimentos diversos e com rigor variável, mas num crescendo de intensidade e de vigilância. Está a dar os seus frutos, mas serviu só para ganhar tempo, para que os hospitais pudessem ser preparados, para que os utensílios pudessem ser encomendados e adquiridos, para que os procedimentos pudessem ser oleados. Ou seja, para fazer tudo o que já devia ter sido feito antes e não foi.

A seguir, têm vindo as medidas drásticas.
Confinamento forçado, como se do cumprimento escrupuloso dele por todos dependesse evitar o apocalipse. Estabelecimentos encerrados a eito e a preceito. Muitos milhares de empresas destruídas e outras agonizantes, como se tudo fosse um incidente passageiro e em breve tudo voltasse à normalidade. Falta de racionalidade na ponderação dos riscos sanitários e dos riscos económicos. Falta de tratamento diferenciado das faixas etárias e dos grupos de risco. Paralisação quase total de um país que em breve acordará para uma nova pandemia: a do desemprego e do subemprego, a do rendimento insuficiente para os encargos já assumidos, a da perda de património e de nível de vida, a da subsidiodependência em relação a um Estado tutelar que não imprime dinheiro e que já não consegue absorver os mesmos recursos, a do desespero de quem precisa de apoio económico e não encontra quem lho dê a tempo e horas, a incapacidade económica dos idosos para se tratarem, a pressão fiscal e contributiva que se adivinha para voltar a pôr as contas públicas em ordem.

Tinha de ser assim? Não.
Não há ainda um único óbito causado pela pandemia abaixo dos 40 anos de idade, e se vier a haver não terá qualquer significado estatístico, nem ocorrerá necessariamente só por causa dela. Mesmo abaixo dos 60 anos, a mortalidade é quase despicienda: menos de 4% do total de óbitos e apenas um milésimo dos infectados (dos que já foram confirmados, porque os reais ninguém sabe quantos são, mas serão muitíssimo mais, dado que a esmagadora maioria dos casos é assintomática). Isto é: por cada mil infecções diagnosticadas, morre uma pessoa abaixo dos 60 anos, e muito provavelmente, como tem informado a Direcção-Geral de Saúde, porque acrescentou esta infecção a outras doenças crónicas pré-existentes, ou seja, sucumbiu a um misto de patologias. Nestas faixas etárias pré-seniores, felizmente, a pandemia parece ser bastante selectiva e parcimoniosa.

Dito isto, não se consegue compreender o seguinte: por que se tenta manter quase um país inteiro fechado em casa? Por que não pode ir trabalhar quem tem menos de 40 anos, se estiver saudável, com os devidos resguardos e precauções? Por que não hão-de fazê-lo também os que têm menos de 50 ou de 60 anos, se o desejarem e se sentirem em condições, mas dispensando generosamente quem tenha alguma doença crónica ou algum historial clínico de risco, ou quem se sinta realmente ameaçado ou amedrontado pela epidemia? Por que não nos concentramos em proteger os que são clinicamente mais débeis e os maiores de 60 anos, se é nesses que se concentra esmagadoramente a mortalidade do novo coronavírus? Por que não os confinamos sobretudo a eles e os protegemos criteriosamente do contágio por todos os meios ao nosso alcance (incluindo também aqueles mais dispendiosos que uma economia a funcionar pode conseguir gerar e proporcionar-lhes)?

Últimas questões, de índole sanitária: e se todo este confinamento indiscriminado fosse afinal um erro colossal, privando a população menos idosa de ir obtendo naturalmente uma imunidade espontânea, gerada a partir de um contacto de baixa intensidade com o vírus, enquanto ele está ainda menos disseminado do que virá a estar? E se esta tentativa de nos pôr a todos numa redoma domiciliária nos expuser mais tarde a um perigo maior, por falta de imunidade espontânea, se viermos a estar expostos ao mesmo vírus numa concentração muito mais elevada ou a uma outra estirpe mais agressiva?

Pessoalmente, tenho a legitimidade moral para questionar tudo isto porque pertenço a um grupo de risco e tenho consciência disso. E percebo, porque não é assim tão difícil, que até as autoridades de saúde andam ainda às apalpadelas, sem saberem com segurança o que fazer, embora se refugiem em linguagem técnica e noções de manual. É um fenómeno novo e ainda ninguém sabe bem como lidar com ele. O facto de muitos países terem optado por idênticas estratégias e procedimentos é sobretudo um fenómeno de mimetismo, não de consenso científico. Mas não parece haver muita racionalidade em algumas das opções tomadas.

Oxalá a hecatombe económica não venha discretamente a provocar mais baixas do que a própria pandemia... Um empobrecimento abrupto e generalizado poderá trazer consigo escassez de bens, criminalidade, subnutrição, subinvestimento em estruturas e equipamentos de saúde, muitas doenças mal tratadas ou sem tratamento por motivo de carência económica ou de meios hospitalares, esgotamentos, depressões graves, suicídios, desespero, eventualmente tumultos civis, comportamentos de risco e vários outros fenómenos deficientemente processados pelas estatísticas, mas nem por isso menos reais.

Haverá bom senso suficiente para lidar com uma situação tão complexa e multifacetada? E mesmo para pensar contra a corrente, se necessário? Por enquanto o que parece é que alguém provocou um estampido e as gaivotas debandaram todas do areal… Estará a nossa reacção a ser proporcional à ameaça? Ou apenas à incerteza e ao pânico que ela causa? Ainda não está claro. Mas precisamos de o saber DEPRESSA, porque o país está a afundar muito rapidamente…
E aviso: não subestimemos os efeitos de um colapso económico, porque os danos não serão apenas económicos. Longe disso. E iremos arrepender-nos amargamente.


domingo, 22 de março de 2020

Dois pesos, duas medidas...?


Por favor, alguém me explica por que estamos a repatriar os turistas por motivos de saúde pública, mas não os migrantes ilegais?

Se agora enxotamos com poucas cerimónias os estrangeiros que ainda teimam em vir para cá passar apenas alguns dias de férias, por serem reconhecidamente um factor de risco nesta pandemia, por que não os que vieram irregularmente com intenções de ficar de vez?

Por que é que uns são recambiados e aos outros se faz vista grossa?

Se até os turistas e estudantes universitários que vêm dos países mais desenvolvidos do mundo são nesta altura encarados como possível vector de contágio, os migrantes que vieram de países subdesenvolvidos e com fracos hábitos de higiene são inócuos?

Por que barramos a entrada àqueles que pretendem entrar pelos portões da frente, mas não àqueles que continuam a chegar pela porta do cavalo?

Os viajantes maioritariamente civilizados que vêm de países com hábitos de solidariedade cívica semelhantes ou melhores que os nossos devem partir, mas os aventureiros ou delinquentes ou clandestinos que vêm das regiões do mundo onde imperam o caos e a bagunça podem ficar?

Os turistas e os estudantes de intercâmbio vêm contaminar-nos, mas os imigrantes ilegais vêm ajudar a nossa economia?

Neste momento até os estrangeiros que provêm de culturas onde está enraizado um espírito de disciplina individual e colectiva que nós apenas podemos invejar, como japoneses ou coreanos, são considerados indesejáveis, só por virem de fora, mas africanos e latino-americanos, “grosso modo” sobejamente conhecidos pela sua endémica indisciplina pessoal e cívica, são benvindos e toleráveis, só porque os consideramos culturalmente mais “próximos” de nós?

Parece-me que há aqui uma espécie de “racismo” ao contrário, agora que é legítimo falar de racismo para tudo.
Parece-me que há aqui uma xenofobia selectiva, que está a afinar pelo diapasão errado e que resolve tomar por alvo apenas os turistas e os nómadas universitários, quando não deveriam ser só eles os visados.

Estamos a assistir em crescendo a uma grande purga profiláctica, porque é de uma purga que se trata, tornada necessária pela calamitosa situação actual e que vai inviabilizar duradouramente o turismo, mas por que são poupados todos aqueles que por cá andam sem autorização de residência e sem visto válido?

Algumas destas perguntas são muito inconvenientes, mas é decerto uma boa altura para procurar as respostas. E a pertinência delas irá aumentando com a rápida e previsível progressão das infecções e dos óbitos, à medida que se for percebendo quem são os grupos étnicos mais propensos a desrespeitar a quarentena e as regras de higiene e contenção impostas.
Chegará inevitavelmente a altura de se cogitar o seguinte: quem circula por aí que nem sequer devia cá estar? E por que é que as autoridades, mesmo numa circunstância dramática como esta, não fazem cumprir as leis da imigração? E de que recursos estão a viver os residentes ilegais, com a actividade económica semi-paralisada como está? Muitos cidadãos gostariam de saber.

Haverá alguém com coragem para levantar tais questões na imprensa, nas televisões, na Assembleia da República?

sábado, 7 de março de 2020

Imigração: finalmente, um ponto de viragem?


Notícia saída recentemente a público num semanário:

"Para que os migrantes possam beneficiar de determinadas protecções como acesso a advogados, intérpretes e direito de permanecer na Europa, terão de entrar legalmente em território europeu e não ilegalmente -- determinou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, cujas decisões são referenciais para 47 países europeus e compulsórias para todos os 27 países membros da União Europeia."
(...)
"A decisão, que na prática autoriza os governos europeus a deportarem sumariamente migrantes ilegais no momento em que violam a fronteira, transfere para os Estados-Nação europeus alguns poderes de tomada de decisão quanto à imigração. A deliberação é vista como vitória histórica para aqueles que acreditam que os Estados-Nação soberanos têm o direito de decidir quem pode e quem não pode entrar em seu território."

E nós por cá, estamos à espera de quê para deportar todos os imigrantes indesejáveis que entraram e permanecem ilegalmente no país? Estamos à espera de Godot...
Deixamo-los andar e circular à vontade, como se fossem cidadãos de pleno direito.
Deixamo-los ocupar casas ilegalmente, sem que ninguém os tire de lá.
Deixamo-los construir clandestinamente em terrenos que não lhes pertencem.
Damos-lhes protecção social e assistência na doença, permitindo-lhes beneficiar gratuitamente de um sistema dispendioso para o qual nunca contribuíram.
Atribuímos-lhes subsídios para isto e para aquilo, como se tivéssemos obrigação moral de os apoiar na aventura temerária em que se meteram, ao virem para cá sem bases de sustentação.
Construimos ou recuperamos bairros sociais que nos custam milhões, para que muitos deles os aproveitem como antros de crime ou para negociatas lucrativas de subarrendamento ilegal, e sem que paguem sequer as rendas exíguas que deveriam pagar.
Damos a muitos deles apoios que não damos aos nossos idosos mais carenciados.
Toleramos que andem por aí impunemente a semear dívidas e abusos diversos, pregando calotes a quem podem, incluindo ao fisco, à segurança social, aos hospitais, aos senhorios, às empresas de telecomunicações, aos fornecedores de água e de electricidade, às câmaras municipais.
Não os impedimos de se movimentarem à vontade na economia paralela, auferindo durante anos a fio remunerações sem descontos e sem que o Estado sequer se interrogue de que é que vivem.
Deixamos que não paguem impostos e taxas e que beneficiem dos que nós pagamos.
Fazemos vista grossa a que andem sem pagar bilhete nos transportes públicos e saltem as cancelas.
Ninguém quer saber se usam identidades falsas para os mais variados expedientes.
Permitimos que sobre nós cometam intimidações, ameaças ou agressões, sem que sejam expulsos.
Fechamos os olhos a toda uma panóplia de delinquências e criminalidades ligeiras, que muitos dos nossos magistrados consideram meras bagatelas penais que não merecem castigo digno desse nome.
Deixamos passar muita criminalidade mais grave, porque não há meios policiais para tudo.
Deixamo-los andar a conduzir nas nossas estradas sem qualquer seguro, sem carta ou com cartas falsas, ou mesmo ébrios, condenando-os apenas a pequenas multas quando são apanhados, que aliás ninguém os obriga a pagar e acabam quase sempre por prescrever.
Deixamo-los não obedecer a notificações policiais ou judiciais, ou simplesmente fingir que não as recebem.
Deixamo-los vandalizar os nossos prédios, os nossos contentores de lixo, os nossos automóveis, os nossos monumentos, os nossos lugares públicos, sem que ninguém lhes peça contas.
Deixamo-los usufruir de um grau de impunidade de que o português médio não se pode gabar.
Concedemos-lhes assistência judiciária gratuita, paga pelos nossos impostos, para os defender nos processos desencadeados pelas tropelias que cometem ou pelos incumprimentos contratuais em que deliberadamente incorrem, tirando partido da permissividade geral que reina e da ineficácia punitiva dos tribunais.
Criamos tabus e preconceitos para os proteger de todas as acusações que lhes possam ser dirigidas em matéria de falta de civismo, selvajaria, propensão para a criminalidade, parasitismo ou atraso cultural.
Inventamos facilidades absurdas para que se legalizem, quase como se fosse um prémio por terem arriscado vir à margem da lei.
E finalmente damos-lhes quase de bandeja a nossa nacionalidade, como se esta fosse pouco mais do que um mero conjunto de formalidades a cumprir ou uma simples benesse burocrática.
Não lhes exigimos qualquer lealdade, ou sentimento de pertença, ou domínio da língua, ou respeito pelos valores e costumes locais, mas andamos sempre a dizer à boca cheia que queremos integrá-los.
Deixamo-los ser "portugueses" sem que eles nunca o tenham querido ser, a não ser por conveniência.
E acabamos a tratar como "nacionais" mesmo aqueles que abertamente nos desdenham, que desprezam profundamente os nossos hábitos, valores e costumes e que, em caso de hipotético conflito militar ou étnico-religioso, não hesitariam em se virar contra nós.
Conformamo-nos em manter indefinidamente por cá mesmo aqueles a quem consideramos um cancro social e que ameaçam a nossa segurança e perturbam a tranquilidade pública.

Historicamente falando, há coisas que são autênticos contra-sensos.
No passado, e por várias vezes, empenhámo-nos tão encarniçadamente em expulsar ou perseguir judeus e cristãos-novos que faziam parte da nossa elite administrativa e cultural, só porque não professavam a fé oficial, e agora, como que para nos redimirmos intimamente de fanatismos antigos que mancham a nossa história nacional, caímos no extremismo contrário e mal somos capazes de levantar um dedo contra quaisquer imigrantes desordeiros que desafiem as nossas leis e recusem a soberania nacional nos seus bairros étnicos, onde polícias e políticos só entram se eles deixarem.

Afinal de contas, perdemos já todo o respeito por nós próprios e pela civilização a que pertencemos?
Ou ainda nos sobra energia anímica para reagir à progressiva e muito óbvia decadência social em que estamos atolados?
De que massa somos feitos, afinal?
Está na altura de tirar tudo isso a limpo.

E podemos interrogar-nos: será que a nova jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vai finalmente constituir um ponto de viragem em matéria de imigração? Tudo leva a crer que sim.
Mas ainda não entre nós, com um governo socialista que faz do acolhimento de quaisquer migrantes e falsos refugiados um apregoado motivo de orgulho. E não certamente com uma maioria de esquerda que acredita (erradamente) que todos esses migrantes lhes renderão votos adicionais no futuro.

Enquanto esta situação dura e o descontrolo migratório persiste, os níveis de insegurança e criminalidade aumentam, os níveis de civismo vão baixando vertiginosamente e a composição da nossa população vai-se alterando a um ritmo firme. Para pior.
Mais alguns anos disto e o país ficará irreconhecível.