Ser tolerante não implica permitir que se advogue
publicamente a intolerância sectária e virar‑lhe as costas com indiferença,
alegando o direito de cada um pensar como quiser.
Ser pacifista não implica condescender em que alguém defenda
publicamente ou pratique discretamente alguma forma de violência e fique impune,
sem que nenhuma força se lhe oponha.
Ser multicultural não implica consentir que os valores e os costumes
dos outros atropelem os nossos com o maior à-vontade do mundo.
Ser defensor de uma imigração controlada e selectiva não
significa ser xenófobo ou racista, pois quem o é não quer imigração nenhuma.
Ser laico não implica permanecer neutro perante as
doutrinas, os credos, as intenções e as iniciativas dos fundamentalismos
religiosos, pois esse tipo de neutralidade acaba por se traduzir sem querer em
conivência tácita.
Ser democrata não implica atribuir levianamente a cidadania
ou o direito de voto a qualquer estrangeiro que resolva assentar arraiais por
cá.
Ser humanista não implica dar a imigrantes ou refugiados
mais protecção e apoios do que damos aos nossos concidadãos pobres ou idosos.
Ser internacionalista não implica prezar tão pouco a nossa
nacionalidade que a ofereçamos de bandeja a quem só a quer para poder melhorar
de vida, de preferência noutro país europeu.
Ser progressista não implica pautar-se por dogmas
ideológicos e desdenhar as recomendações do bom senso, pois o progresso é invariavelmente
avesso a ortodoxias arrogantes.
Ser idealista não significa virar completamente as costas ao
realismo (nem vice-versa).
Ser solidário não implica sentirmo-nos obrigados a fazer por
desconhecidos ou estrangeiros o que percebemos que eles nunca estariam
dispostos a fazer por nós.
Ser cosmopolita ou de espírito aberto não implica fingir que
acreditamos que os nossos padrões culturais valem o mesmo que os de quaisquer outras
pessoas vindas doutras paragens, sobretudo se oriundas de países subdesenvolvidos.
Ser actual não implica estar na crista da onda de todas as
imbecilidades que se tornam moda.
Ser europeísta não implica acreditar que as nações e as
nacionalidades perderam a sua razão de existir.
E talvez mais importante ainda do que o resto: ser
inteligente ou solidário (ou julgar que se é) não justifica considerar que
todos os que pensam de modo diferente são estúpidos ou mal‑intencionados. É
verdade que a inteligência e o altruísmo andam muito mal distribuídos neste
mundo, mas nem sempre estão do lado de quem mais deles faz alarde. Talvez até
pelo contrário.
E quanto a saber como se distinguem conceitos e
preconceitos, isso daria pano para mangas, colete e sobrecapa. Já todos vimos
diversa gente muito preconceituosa a combater supostos preconceitos, o que nos deveria
servir de vacina. Mas não deixa de ser curioso constatar que muitos dos que
aceitam e propagam o relativismo cultural, que interdita qualquer hierarquia de
culturas, não alinham pelo relativismo conceptual, no sentido de aceitar que as
concepções alheias possam valer tanto como as próprias. O “progressista”
típico, sempre tão tolerante em matéria de valores e costumes exógenos
(sobretudo quando se trata de imigrantes, refugiados e minorias étnicas ou
religiosas) tende a ser arrogante e insultuoso em relação aos seus próprios
concidadãos que pensam de maneira diferente. Bastante incoerente, não? E também
esclarecedor.