No princípio, era a impreparação.
Depois de tudo quanto já se leu e ouviu, depois de
tantos vídeos e notícias postos a circular sobre o assunto, ficámos todos a
saber que já era esperada uma pandemia, mais ano menos ano. Só não se sabia
quando, qual ou de onde viria. Mas sabia-se que viria. Vários especialistas
alertaram, várias organizações advertiram, e até figuras mediáticas como Bill
Gates deram conferências e entrevistas premonitórias sobre o perigo que todos corríamos.
Mas, pelos vistos, os governos tinham outras premências em que pensar. Ninguém
se preparou, nem sequer os países mais evoluídos. Como se tornou óbvio,
prevenir uma emergência de saúde pública e proteger dela as populações não
estava sequer perto do topo das prioridades. E não foi só em Portugal, foi
praticamente em todo o lado, se é que isso serve de desculpa a alguém.
E eis o mais incompreensível: apesar de não se poder
saber de antemão se uma eventual epidemia se transmitiria por via aérea ou por
contacto, ou por ambas as vias, ou por outra qualquer, nenhum país tinha sequer
uma reserva estratégica das coisas mais simples e baratas para enfrentar uma
situação destas: nem viseiras, nem máscaras, nem luvas, nem batas, nem
zaragatoas, nada. Muito menos um plano de contingência para a produção de ventiladores,
filtros, fatos de protecção ou qualquer outra coisa que fosse precisa…
Após este mau princípio, veio o desleixo.
Já a epidemia grassava nos países do leste
asiático e ainda por cá se pensava que, à semelhança das anteriores, não iria ser
nada connosco. Isto apesar da enorme mobilidade geográfica nos nossos dias.
Aparentemente, tudo o que se fez foi ficar a monitorizar a situação. Não se
aprovisionou material, não se fizeram planos adequados, não se formou pessoal. Nas
fronteiras e nos aeroportos, continuou a entrar quem quis, de onde quis, sem
ninguém ser submetido a um breve inquérito ou a um mero teste de temperatura.
Nada disso dava jeito e portanto não se fez nenhum controle, nenhuma triagem. E
mesmo depois de já ter sido declarada oficialmente a pandemia, ainda se ouviu
uma directora-geral a desvalorizar a situação e as próprias recomendações da
Organização Mundial de Saúde!
A seguir, veio a demagogia irresponsável.
Todos se lembram de ouvir a nossa ministra da
Saúde e outros responsáveis do pelouro dizerem-nos que estava tudo preparado
para qualquer eventualidade e que tinham sido feitos planos de contingência.
Viu-se. Quando surgiu o primeiro caso suspeito em Portugal, percebeu-se logo que
nem os operacionais do INEM sabiam o que fazer. Limitaram-se a enclausurar o
desgraçado numa ambulância durante horas e ficaram à espera que alguém lhes
desse instruções, sem que ninguém lhas soubesse dar em tempo útil. Sabemos como
acabou o episódio. Foi o escárnio geral. No ridículo da situação, ainda quem
mostrou mais discernimento e informação foi o dono da fábrica onde o caso
ocorreu, mesmo sem ter qualquer formação profissional na área da saúde.
Lamentável.
O passo seguinte foi o improviso acelerado.
Felizmente, é nisso que os portugueses são bons. Quando
surgiram novos suspeitos e os primeiros infectados, no meio do pandemónio que
rapidamente se instalou e com a carência de meios que se sabe, lá se foi
fazendo qualquer coisa de útil e acertado, ainda que sempre a olhar de lado
para os países onde a crise ia mais adiantada e para os outros onde ainda não
tinha chegado em força. Em vez de se antecipar aos acontecimentos, o governo
foi tomando medidas em sintonia com o grau de alarme da população e dos diversos
serviços hospitalares. Actuação desastrada, de um ponto de vista sanitário, mas
politicamente hábil. Chegou talvez para salvar quanto baste a imagem pública de
quem tinha responsabilidades, excepto perante aqueles que sabiam quem mentia e
que meios faltavam. Como não podia deixar de ser, mentiu-se muito, fingiu-se
muito.
O próximo capítulo foi o estado de emergência.
Veio logo a seguir aos primeiros óbitos atribuídos
ao novo coronavírus. Restringiu-se a circulação de pessoas e a actividade
económica. Decretou-se a quarentena, aplicada em diversas partes do país com
entendimentos diversos e com rigor variável, mas num crescendo de intensidade e
de vigilância. Está a dar os seus frutos, mas serviu só para ganhar tempo, para
que os hospitais pudessem ser preparados, para que os utensílios pudessem ser
encomendados e adquiridos, para que os procedimentos pudessem ser oleados. Ou
seja, para fazer tudo o que já devia ter sido feito antes e não foi.
A seguir, têm vindo as medidas drásticas.
Confinamento forçado, como se do cumprimento escrupuloso
dele por todos dependesse evitar o apocalipse. Estabelecimentos encerrados a
eito e a preceito. Muitos milhares de empresas destruídas e outras agonizantes,
como se tudo fosse um incidente passageiro e em breve tudo voltasse à
normalidade. Falta de racionalidade na ponderação dos riscos sanitários e dos
riscos económicos. Falta de tratamento diferenciado das faixas etárias e dos
grupos de risco. Paralisação quase total de um país que em breve acordará para
uma nova pandemia: a do desemprego e do subemprego, a do rendimento insuficiente
para os encargos já assumidos, a da perda de património e de nível de vida, a
da subsidiodependência em relação a um Estado tutelar que não imprime dinheiro
e que já não consegue absorver os mesmos recursos, a do desespero de quem
precisa de apoio económico e não encontra quem lho dê a tempo e horas, a
incapacidade económica dos idosos para se tratarem, a pressão fiscal e
contributiva que se adivinha para voltar a pôr as contas públicas em ordem.
Tinha de ser assim? Não.
Não há ainda um único óbito causado pela pandemia abaixo
dos 40 anos de idade, e se vier a haver não terá qualquer significado
estatístico, nem ocorrerá necessariamente só por causa dela. Mesmo abaixo dos
60 anos, a mortalidade é quase despicienda: menos de 4% do total de óbitos e apenas
um milésimo dos infectados (dos que já foram confirmados, porque os reais
ninguém sabe quantos são, mas serão muitíssimo mais, dado que a esmagadora
maioria dos casos é assintomática). Isto é: por cada mil infecções diagnosticadas,
morre uma pessoa abaixo dos 60 anos, e muito provavelmente, como tem informado
a Direcção-Geral de Saúde, porque acrescentou esta infecção a outras doenças
crónicas pré-existentes, ou seja, sucumbiu a um misto de patologias. Nestas
faixas etárias pré-seniores, felizmente, a pandemia parece ser bastante
selectiva e parcimoniosa.
Dito isto, não se consegue compreender o seguinte:
por que se tenta manter quase um país inteiro fechado em casa? Por que não pode
ir trabalhar quem tem menos de 40 anos, se estiver saudável, com os devidos resguardos
e precauções? Por que não hão-de fazê-lo também os que têm menos de 50 ou de 60
anos, se o desejarem e se sentirem em condições, mas dispensando generosamente quem
tenha alguma doença crónica ou algum historial clínico de risco, ou quem se
sinta realmente ameaçado ou amedrontado pela epidemia? Por que não nos
concentramos em proteger os que são clinicamente mais débeis e os maiores de 60
anos, se é nesses que se concentra esmagadoramente a mortalidade do novo
coronavírus? Por que não os confinamos sobretudo a eles e os protegemos criteriosamente
do contágio por todos os meios ao nosso alcance (incluindo também aqueles mais
dispendiosos que uma economia a funcionar pode conseguir gerar e proporcionar-lhes)?
Últimas questões, de índole sanitária: e se todo
este confinamento indiscriminado fosse afinal um erro colossal, privando a
população menos idosa de ir obtendo naturalmente uma imunidade espontânea,
gerada a partir de um contacto de baixa intensidade com o vírus, enquanto ele
está ainda menos disseminado do que virá a estar? E se esta tentativa de nos pôr
a todos numa redoma domiciliária nos expuser mais tarde a um perigo maior, por
falta de imunidade espontânea, se viermos a estar expostos ao mesmo vírus numa
concentração muito mais elevada ou a uma outra estirpe mais agressiva?
Pessoalmente, tenho a legitimidade moral para
questionar tudo isto porque pertenço a um grupo de risco e tenho consciência
disso. E percebo, porque não é assim tão difícil, que até as autoridades de
saúde andam ainda às apalpadelas, sem saberem com segurança o que fazer, embora
se refugiem em linguagem técnica e noções de manual. É um fenómeno novo e ainda
ninguém sabe bem como lidar com ele. O facto de muitos países terem optado por
idênticas estratégias e procedimentos é sobretudo um fenómeno de mimetismo, não
de consenso científico. Mas não parece haver muita racionalidade em algumas das
opções tomadas.
Oxalá a hecatombe económica não venha
discretamente a provocar mais baixas do que a própria pandemia... Um
empobrecimento abrupto e generalizado poderá trazer consigo escassez de bens, criminalidade,
subnutrição, subinvestimento em estruturas e equipamentos de saúde, muitas doenças
mal tratadas ou sem tratamento por motivo de carência económica ou de meios
hospitalares, esgotamentos, depressões graves, suicídios, desespero, eventualmente
tumultos civis, comportamentos de risco e vários outros fenómenos
deficientemente processados pelas estatísticas, mas nem por isso menos reais.
Haverá bom senso suficiente para lidar com uma situação
tão complexa e multifacetada? E mesmo para pensar contra a corrente, se
necessário? Por enquanto o que parece é que alguém provocou um estampido e as
gaivotas debandaram todas do areal… Estará a nossa reacção a ser proporcional à
ameaça? Ou apenas à incerteza e ao pânico que ela causa? Ainda não está claro.
Mas precisamos de o saber DEPRESSA, porque o país está a afundar muito
rapidamente…
E aviso: não subestimemos os efeitos de um colapso
económico, porque os danos não serão apenas económicos. Longe disso. E iremos
arrepender-nos amargamente.
Muito bom artigo.
ResponderEliminarConcordo.
Bravo!
Análise inteligente, absolutamente premonitório do que irá acontecer no" DAY AFTER" de toda esta situação !
ResponderEliminarMuito bom.
ResponderEliminarCompletamente de acordo . tenho 65 anos , sou saudável e estou a trabalhar , sou profissional da saúde , não tenho medo .
ResponderEliminarConcordo em absoluto , tenho 65 anos , sou saudável e estou a trabalhar , sou profissional de saúde , corro riscos mas não tenho medo .
ResponderEliminarJá ouve países que assim o fizeram e não melhorou a situação. Isso das teorias não chega a lado nenhum quando ainda nem se sabe qual o medicamento para o combater. O confinamento das pessoas devia ter sideo feito no começo e todos os Voos canceladis, aí talvez fizesse diferença, agora é como se diz na giria, depois do roubo trancam-se as portas .....
ResponderEliminarJá ouve países que assim o fizeram e não melhorou a situação. Isso das teorias não chega a lado nenhum quando ainda nem se sabe qual o medicamento para o combater. O confinamento das pessoas devia ter sideo feito no começo e todos os Voos canceladis, aí talvez fizesse diferença, agora é como se diz na giria, depois do roubo trancam-se as portas .....
ResponderEliminarJá ouve países que assim o fizeram e não melhorou a situação. Isso das teorias não chega a lado nenhum quando ainda nem se sabe qual o medicamento para o combater. O confinamento das pessoas devia ter sideo feito no começo e todos os Voos canceladis, aí talvez fizesse diferença, agora é como se diz na giria, depois do roubo trancam-se as portas .....
ResponderEliminarMuito bom. Parabéns e obrigada.
ResponderEliminarDISCORDO!!!! Seria uma mortandade. Apenas 1% da população significam 100 MIL pessoas !!! Se não fossem tomadas medidas o contagio iria infetar toda a população. Estamos a falar de um crescimento EXPONENCIAL. Falando do universo de infetados que conhecemos descobrimos que 2,89% MORRERAM ( 380/ 13141 = 0,028917 ). Na mesma proporção teríamos pelo menos 289 MIL MORTES. Mas teríamos mais, dado que os que estivessem muito doentes não teriam hipóteses de ter um... VENTILADOR!!!! UMA PANDEMIA NÃO É UMA BRINCADEIRA PARA SER RESOLVIDA DE ÂNIMO LEVE. Será que há aqui interesses políticos ou económicas para colocar em causa o que está a ser MUITO BEM FEITO por cá ?! Basta ler o que diz a imprensa estrangeira sobre o caso português.
ResponderEliminarBem pensado é bem escrito. Mas, apenas iremos saber mais mais tarde se o confinamento generalizado deu resultados. Uma coisa parece ser certa, terá permitido ganhar tempo para que os hospitais (e não só) estejam preparados para acolher os doentes graves e assim salvar a vida de muitas pessoas. Certamente à custa da economia, mas, caramba, a economia não é tudo e julgo que os portugueses já estão um pouco fartos dos economicistas. Quem não tem um pai, uma mãe, uma tia, uma avó, um avô, um sogro ou uma sogra ou mesmo um ente querido mais velho e cuja vida pode ser poupada?! Parece que todos temos!!
ResponderEliminarUma sociedade Guida apenas pela economia e pelo economicismo é uma sociedade egoísta e triste à qual não gostaria de pertencer. Fica aqui a minha opinião! Vamos ver e, neste caso, pagamos para ver, mas em prol da vida humana.
Bem pensado é bem escrito. Mas, apenas iremos saber mais mais tarde se o confinamento generalizado deu resultados. Uma coisa parece ser certa, terá permitido ganhar tempo para que os hospitais (e não só) estejam preparados para acolher os doentes graves e assim salvar a vida de muitas pessoas. Certamente à custa da economia, mas, caramba, a economia não é tudo e julgo que os portugueses já estão um pouco fartos dos economicistas. Quem não tem um pai, uma mãe, uma tia, uma avó, um avô, um sogro ou uma sogra ou mesmo um ente querido mais velho e cuja vida pode ser poupada?! Parece que todos temos!!
ResponderEliminarUma sociedade Guida apenas pela economia e pelo economicismo é uma sociedade egoísta e triste à qual não gostaria de pertencer. Fica aqui a minha opinião! Vamos ver e, neste caso, pagamos para ver, mas em prol da vida humana.