domingo, 16 de outubro de 2022

Adicional ao IMI -- viva a roubalheira!

 Em Portugal, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) constitui receita dos municípios onde aqueles se localizam e é teoricamente justificado pelo chamado “princípio da equivalência ou do benefício”, segundo o qual o pagamento deste imposto é uma contrapartida dos benefícios que os proprietários e usufrutuários recebem com obras e serviços que o município proporciona. Por essa razão, os titulares de património imobiliário, adquiridos com ou sem empréstimo bancário, pagam o mesmo, de acordo com a respectiva avaliação.

Dito de outra maneira, à luz deste princípio e com uma formulação mais geral, os impostos devem corresponder ao valor ou ao custo dos bens disponibilizados pelo Estado aos contribuintes. (Tente não rir.)

Esta racionalização justificativa dos impostos é um tanto ou quanto deficiente, para não dizer outra coisa, tanto mais que ela implica logicamente alguma proporcionalidade entre os benefícios recebidos e o montante do imposto a pagar. Ora, em aparente contradição, as taxas dos diversos impostos tendem a manter-se estáveis (e, nalguns casos, tendem até a crescer) mesmo em períodos de fraco ou nulo investimento público.

Outro exemplo coxo desta racionalização é o da tributação do sector automóvel, em particular dos impostos sobre os combustíveis. Estes tributos destinar-se-iam a cobrir as despesas inerentes à construção e manutenção das estradas e outros custos associados. Dito de outro modo, tais impostos corresponderiam, de certa forma, aos preços dos bens ou serviços públicos utilizados pelos utentes das estradas. Fica por explicar, claro, a enorme disparidade dos nossos impostos sobre os combustíveis em relação aos outros países europeus com uma rede viária de qualidade semelhante.

Uma enorme pedra no sapato desta teoria é que, como sabe qualquer estudante de finanças públicas, em Portugal os impostos não estão nem podem estar (ao contrário do que acontece com a cobrança de taxas e emolumentos) sujeitos a qualquer afectação específica da despesa pública. Por exemplo, um imposto cobrado com justificações ambientais não tem que ser aplicado na defesa do ambiente; pelo contrário, pode ser aplicado onde o Estado quiser e lhe apetecer.

Mas enfim, adiante… Subjacente a esta doutrina está a ideia de que nós pagamos impostos ao Estado como contrapartida por aquilo que ele nos proporciona (ou é suposto proporcionar). Se fecharmos um pouco os olhos e paralisarmos o raciocínio, até se consegue aceitar a contragosto. Digamos que não explica tudo, e muito menos os excessos fiscais, mas cria um simulacro de reciprocidade entre os contribuintes e o Estado em sentido lato (incluindo, portanto, as autarquias). Quando levantamos questões de proporcionalidade e de justiça fiscal, aí é que estragamos tudo. E para não ter de mudar de assunto, vamos abster-nos disso.

Consideremos precariamente justificado o IMI, sem esmiuçar mais por agora. Deixemos de lado questões incómodas como as isenções, as taxas aplicáveis, as cobranças abusivas, a qualidade dos serviços e as escassas garantias dos contribuintes.

Pergunta-se: se essa é a justificação genérica para a cobrança do IMI, qual é então a justificação para a cobrança de um adicional ao IMI?

Desde que este foi instituído, ninguém tentou escamotear o facto de este ser um imposto sobre a riqueza. Ninguém tentou justificá-lo com investimentos “adicionais” das autarquias. Visava penalizar a acumulação de património, ponto. Mas isto fazia dele um imposto extremamente injusto logo à partida, porque é bastante discriminatório. Ele só visa o património imobiliário, que é o único que não pode fugir (não emigra nem sai do sítio, não pode esconder‑se, não cabe debaixo do colchão). E então as outras formas de riqueza? O dinheiro das contas bancárias pode mudar de país, acoitar-se em cofres ou desaparecer dos bancos. O investimento em ações e obrigações pode deslocar-se para outros mercados financeiros. Os activos das empresas podem ser depreciados ou relocalizados. Os lucros podem ser distorcidos ou camuflados e, se atacados seriamente, limitam o investimento privado ou põem-no em fuga. As viaturas de luxo e os iates podem também rumar a outras paragens mais hospitaleiras. O único património relativamente indefeso são os imóveis. As restantes formas de riqueza têm todas como escapar e, se necessário, não hesitam em fazê‑lo.

Mas a injustiça não fica por aí. Opta-se por atacar o elo mais fraco e, por acréscimo, de uma forma desproporcional à riqueza real que ele representa, porque se toma em consideração o património bruto e não o património líquido.

Imaginemos, para simplificar contas, que alguém investe um milhão na compra de um imóvel, ou de vários, não importa qual a finalidade desse investimento. Esse alguém aplica aí cem mil que tinha de poupanças e pede emprestados a um banco os restantes novecentos mil. O seu património líquido não se alterou. Adquiriu um imóvel de um milhão, mas ficou a dever novecentos mil, portanto o valor líquido daquele património começa por ser de apenas cem mil para si e só vai aumentando à medida que a respectiva hipoteca vá sendo amortizada. O valor líquido deste património é, em cada momento, o seu valor de mercado (ou, para efeitos fiscais, a sua avaliação tributária) menos a dívida remanescente da hipoteca. Por outras palavras, é o valor do que tem menos o que deve.

Mas o fisco, armado em chico-esperto (como se diz na gíria), não quer saber para nada da sua dívida ou do empréstimo que contraiu para adquirir o que tem. Tem um imóvel de um milhão registado em seu nome? Então é dono de um milhão. Deve novecentos mil? Paciência, é problema seu. Passe para cá o imposto sobre um milhão e vá carpir as mágoas para onde quiser. 

É esta a marca de um socialismo retorcido que quer expropriar paulatinamente a riqueza onde ela se encontrar e onde possa fazê-lo sem grandes efeitos secundários, capazes de gerar complicações políticas indesejáveis? Não. É antes a marca de um Estado que se tornou desonesto e demasiado ganancioso. Não podendo tributar às cegas, ataca o património mais vulnerável. Poupa o património financeiro, que tem grande mobilidade e pode facilmente fugir ou desaparecer, e golpeia o património imobiliário, que está preso ao chão pelas fundações e só pode, na pior das hipóteses, mudar de dono. (E é isso que frequentemente tem acontecido, obrigando proprietários nacionais a vender apressadamente a investidores estrangeiros ou a fundos especulativos, sobretudo quando as receitas turísticas caíram por causa da crise pandémica. Muitos dos nossos imóveis de interesse histórico ou arquitectónico têm assim mudado de mãos, passando a gerar rendimentos ou evasivas fiscais para os capitais estrangeiros que estão em melhores condições para resistir à investida, por vezes graças a reduções ou isenções de que os contribuintes nacionais não beneficiam).

Todos os países têm impostos sobre o património imobiliário, equivalentes ao nosso IMI. Mas poucos são os que se atrevem a tributar a riqueza em si, para que ela não fuja, o que é bastante sensato. A riqueza produz sempre mais benefícios onde estiver, seja sob a forma de consumo ou de investimento, e qualquer destas formas de despesa gera rendimentos para os fornecedores privados de bens ou serviços e impostos para o Estado (incluindo as autarquias). Se a riqueza muda de poiso, vai produzir benefícios para outro lado. Afugentar a riqueza é como degolar a galinha dos ovos de ouro. É simplesmente estúpido, qualquer que seja a ideologia subjacente.

Mas a coerência doutrinária obriga à insensatez, que é como quem diz, à absoluta falta de pragmatismo. Um dos grandes teóricos socialistas do nosso tempo, Thomas Piketty (que muitos olham e veneram como uma espécie de Karl Marx do século XXI), advoga que o imposto sobre a fortuna deve tentar tratar da mesma maneira todas as formas de património, imobiliário ou financeiro, o que minimiza as distorções económicas, mas aceita como um mal menor que tal imposto em França incorpore demasiadas reduções e isenções fiscais (afinal em que ficamos?). Tudo, hélas!, menos a isenção total do património financeiro. Chega até a defender que os velhos impostos imobiliários sejam substituídos por um imposto geral sobre a fortuna. Mas mesmo este visionário impenitente aceita como razoável e aponta como uma das razões da superioridade de um tal imposto que ele permita a dedução das dívidas. No caso do imobiliário, e para esse efeito, o património tributável deve ser o valor dos imóveis menos os empréstimos que os oneram.

Por que é que no caso português não é assim? Decerto os velhos e tradicionais socialistas compreendem a diferença entre património bruto e património líquido e são capazes de captar a lógica da justiça fiscal inerente à dedução das dívidas hipotecárias. Por que permanece então o chamado “imposto Mortágua”, que obedece a uma lógica completamente diferente, a da hostilidade raivosa a todo o património, a da fiscalidade confiscatória, a da guerra implícita a toda a forma de propriedade, que há muito deixou de ser apanágio de um socialismo moderno?

No nosso panorama político, agora que a “geringonça” se tornou desnecessária, talvez devêssemos começar a eliminar as aberrações que ela impôs.

domingo, 14 de novembro de 2021

Climate change: AHEAD OF SCHEDULE

For all those concerned about the consequences of climate change, it’s no longer a secret that the goals of the 2015 Paris Agreement will not be met. In fact, this is what the latest UN report on the subject reveals, exposing a faster than expected pace of global warming, now in an evident process of acceleration. The situation is quite alarming and it has become obvious that it will get worse.

The aforementioned Paris Agreement had set as a limit not to exceed an increase in average global temperature of about 1.5ºC compared to the pre-industrial period. However, from the data now available, it’s already foreseeable that this limit will be reached, and perhaps even exceeded, by the end of this decade or shortly thereafter, that is, much earlier than in all previous forecasts.

Despite world leaders have pledged to avoid at all costs exceeding that limit, it is now clear that those were empty promises and there was not enough commitment. Most of the proclamations made were dictated by political convenience, fueled by campaign rhetoric and disproportionate to the decisions taken, which fell far short of what was necessary. Few truly understood the importance and urgency of the problem.

While experts struggle with uncertain future scenarios, governments are hesitant about the measures to be taken, fearful of affecting their economies and weakening their own political support. Climatically, we are in a serious and terrible emergency, capable of plunging us very soon into unprecedented disasters. Politically, we are mired in multiple games of interests and feeble leaderships. One must fear the worst.

The current plans to make small gradual and cautious changes, even if they go beyond good intentions and become reality, will surely lead us to catastrophe. The reason for this is of a physical and mathematical nature: one cannot stop a phenomenon that is increasingly accelerating with only moderate and gradual measures. In the short term, drastic and rapid cuts in global pollution, and especially in greenhouse gas emissions, are needed, but even that will not be enough to stop the course of climate change. It is not too much to insist that we quickly need new technologies capable of capturing and storing carbon, technologies that must be financed and developed as urgently as possible. They will most likely have to be joined soon by geoengineering solutions.

The swift warming of the planet is already accelerating the rise of sea levels, causing an intense thaw in vast expanses and aggravating extreme phenomena with great destructive power, such as heat waves, droughts, floods, storms and hurricanes. The economic consequences of these phenomena are sometimes, in some places, such as to shake economies and impoverish entire societies, leaving behind a trail of death and devastation; and in the most benign cases, they can lead to a severe reduction in average income per capita. Until recently, the most developed regions of the world believed themselves safe from their worst repercussions, except maybe for very abnormal occurrences. Recent events have shown that this is not the case and that continued and large-scale destruction can also, repeatedly, reach prosperous countries. None will be safe from widespread climate disorder.

If nothing substantial is done, global warming will continue to accelerate and it’s likely to reach an increase of 2°C in relation to pre-industrial times as early as 2040. It may seem little, but half a degree of warming matters – and a lot. By some estimates, the global population exposed to extreme heat waves would more than double; melting in the Arctic, and probably in other regions, could become about ten times more intense and sea levels would probably rise another 6 to 10 centimeters; it would double the extinction of vertebrates and plants and triple the extinction of insects; the percentage of the planet’s area whose ecosystems would become another biome (involving changes in its macroclimate, vegetation cover and soil characteristics) could almost double as well; the amount of permafrost (i.e. permanent ice and frozen soil) that would melt could increase by more than a third; the decline of coral reefs and marine life associated with them would worsen in almost the same proportion; agricultural production of certain crops, as well as fisheries, could fall to about half in many places, especially in low latitudes. In fact, half a degree more of global warming makes a lot of difference, especially if we consider that this warming will not be homogeneous, neither in time nor geographically, and will focus dramatically on certain periods and regions.

What consequences may this have for populations? Mortality and health problems due to extreme weather events will increase; the probabilities of drought or water scarcity will become higher; heavy rains and floods will be more frequent; the smaller amount of ice on the planet will reduce the reflection of sun rays and imply greater heat absorption, generating impacts on ocean circulation and regional climates; rising sea levels will increase coastal erosion, the loss of beaches and littoral territory, and will bring increased risk of flood-tides and greater potential for damage; the disappearance or rarefaction of terrestrial and marine species will harm food chains, economic activities and livelihoods; the alteration of soils and vegetation cover will have a broad impact on local economies and their interactions; the transformation of macroclimates will imply the inadequacy of many traditional forms of housing, as well as the need to adapt buildings and infrastructures, with very heavy costs; and the risks of food shortages will be greater, as will the risks of epidemics, forest fires and pest spread. All this together involves enormous transformations that would take many decades for a gradual and minimally organized adaptation. But if such transformations concentrate on a relatively short space of time, just a decade or two, they have considerable potential for chaos and human suffering, not to mention a possible civilizational retreat in many regions less equipped for such drastic changes. The risk of wars and violent conflicts can’t be ruled out.

Commentators and analysts of these subjects often take just a partial view and repeatedly attribute global warming to emissions of certain greenhouse gases such as carbon dioxide and methane. But there are other culprits. Current refrigeration gases (widely used in air conditioners, freezers and refrigerators) have a global warming potential 23,000 times greater than carbon dioxide and remain in the atmosphere for 50,000 years. Nowadays, almost all these gases are released when those devices reach their end of life, which highlights the importance of recycling, still very little used due to the lack of incentives. In fact, many people and companies remove the copper from appliances in terminal phase and release the gas into the atmosphere. Although such emissions are generally prohibited, the lack of supervision and fines leads to non-compliance with existing regulations. The consequences are tragic and counterproductive to ongoing efforts. In fact, if we manage to prevent the emission of 23,000 tons of carbon dioxide into the atmosphere, but we release just one ton of these cooling gases (called "fluorinated gases"), we´ll stay more or less at the same. There will be no progress in reducing emissions, in terms of their thermal consequences. However, it is estimated that, due to the general increase of temperatures, the global energy demand for refrigeration appliances will triple until 2050, what means that production and replacement of cooling devices will be greatly increased henceforth, making even more dramatic the problem of recovering and recycling fluorinated gases at the end of the life cycle of such devices.

Something similar is happening with another gas that intensifies the greenhouse effect, nitrous oxide, which has the particularity of being the one that most contributes to degrading the ozone layer. It has several applications in industry and is also one of the products resulting from burning fossil fuels or biomass, but intensive agriculture is by far the largest responsible for annual emissions as a result of the production and application of synthetic fertilizers on a large scale. Livestock and aquaculture contribute to the problem due to the growing demand for animal feed, and sewage and its treatment are also a source of emissions, as well as poor management of animal manure, garbage and waste in general. Although it exists in lesser amounts in the atmosphere than carbon dioxide, this gas has a heat retention capacity 300 times higher (i.e., a nitrous oxide molecule is equivalent to 300 molecules of CO2 in its thermal effects) and remains for more than a century in the atmosphere before being naturally degraded by solar radiation. But as human activities are emitting it much faster than it’s destroyed, it has been accumulating dangerously for decades. Despite global efforts to reduce industrial emissions of this gas, several emerging economies are rapidly increasing their emissions by other means — notably Brazil, China and India, where agricultural production and livestock farming have increased very quickly since the end of the last century.  

The enormous danger that lurks in these facts is the increasing likelihood that measures taken to reduce global carbon dioxide emissions, which is the threat most constantly being talked about, will be largely counterbalanced (or even neutralized in their practical effects) by the growing emissions of other greenhouse gases with a much higher effect, like methane, fluorinated gases and nitrous oxide. If we want to establish effective strategies to mitigate pollution, limit global warming and meet climate targets, we will need to develop efficient technologies that allow us to recover and recycle these other gases or help industry to degrade them into harmless substances.

But the prognosis is tricky: if not even global carbon dioxide emissions have stopped growing, is it to be expected that industry and agricultural activities will be more successful in limiting other greenhouse gases with more powerful effect but less public attention? Without huge financial incentives and strict regulation, we can only expect another failure. And given that all countries are sensitive to cost increases or loss of economic competitiveness, only comprehensive international initiatives can lead to the necessary transformations, provided that the extent and severity of this emergency is previously understood. Without this, the combined and cumulative effects of the various factors of climatic disturbance will soon expose us to unprecedented catastrophes – and much sooner than expected.

It is not too much to emphasize that many of the projections and scenarios that have been built on the evolution of climate change and its consequences suffer from various methodological limitations or understandable academic prudence. In some cases, only linear projections are made, that is, predictions based on the calculation of what will happen within a certain time if the current trend and pace of progression of the studied phenomena are maintained, a method that leaves out their increasing acceleration. In other cases, due to greater ease of analysis or scientific specialization, forecasts take only into account the isolated evolution of one or two variables of the process, leaving out the expected result of the combination of all known variables, that is, they stress the analytical rigor and neglect the systemic view. In some other cases, they neglect the influence of several poorly studied causes that may have a catalyzing effect on the natural processes that condition climate change. In short: in scientific works and in reports of many international institutions, it’s frequently underestimated or disregarded the increasing acceleration of climate change, the exponential nature of its effects, the catalytic action of certain combined occurrences and the aggravating circumstances that contribute (or may contribute) to trigger vicious cycles or "snowball effects". To some extent, this is normal: when singly studying the many ingredients of a mixture, it’s easy to lose sight of whether it is explosive. In this matter, however, we can no longer afford that luxury.

On climate issues, reality has surpassed the most pessimistic scenarios and shattered all optimism. The 1997 Kyoto Protocol and the 2015 Paris Agreement are now mere relics. From both we take advantage of the wealth of data collected so far and the international convergence of concerns, but not of the accuracy of forecasts or the effectiveness of commitments made then. Apart from the practical advances being scarce, no one predicted such an accelerated pace of climate change or the real evolution of the underlying causes. The apparent scientific consensus erred by default, academic and political prudence sinned by excess. That cannot happen again at the Glasgow Conference or others that will follow, or we’ll pay a very high price. If we do not want to pay it, we cannot postpone to 2050 the carbon neutrality target. For many countries or regions and for many hundreds of millions of people, it will be too late. But meanwhile no one will be immune to the consequences. Some of them are unpredictable, others will happen well ahead of schedule.

It should not be forgotten that, according to recent history to which we have become accustomed, today's pessimistic forecasts will be tomorrow’s outdated forecasts. We’ll certainly have a global warming of 1.5°C above pre-industrial levels by 2030 and we could reach 2°C by 2040, decades earlier than initially predicted. Summers are successively beating absolute temperature records since registers have been made and heat mantles happen now in completely unexpected regions. Aggravating the whole situation, forest fires of gigantic proportions in various parts of the world, even in northern latitudes, are further warming the atmosphere and releasing in it incalculable amounts of carbon dioxide and other greenhouse gases. The frequency and intensity of these large fires tend to increase with each passing year. Ocean warming progresses at a steady pace and tends to accelerate too. The amount of icy surface across the planet has been decreasing in all seasons, which also reduces the reflection of sun rays and increases heat absorption. By putting these and other factors together, we have the perfect combination for sea levels to climb up.

Between 1900 and 2000, the average sea level rose 14 centimeters. In the first twenty years of the 21st century alone, it rose more than 7 centimeters. That is to say, the rate of ascent almost tripled. Was this foreseen? So much, no. It was anticipated that there would be some acceleration, but the actual rise in sea level is now almost double of what was calculated. At this rate, and without any acceleration of the phenomenon, we could certainly count on an additional rise of 10 cm until the mid of this century, which already foreshadows devastating consequences for many coastal areas. High tides will be more invasive, there will be greater ripple amplitudes (especially during storms) and coastal flooding will be more frequent and more destructive. But the biggest problem is that the phenomenon is accelerating fast and this acceleration is intensifying more and more, so much that it won’t be unreasonable to admit that such an increase may be reached within the next decade and that we’ll arrive to the mid of the century with an increase of almost half a meter compared to the average level at the beginning of the century. So being, once again well ahead of schedule. In the meantime, we're going to see a lot of coastal destruction, but that’s not all. More heat in the atmosphere and in oceans means much more evaporation and therefore much more severe precipitation phenomena than usual, such as large-scale torrential rains, huge and extensive snowfalls or big hailstorms, sometimes concentrating in a few hours or days what was previously spread over longer periods and, in some regions, even causing unprecedented extreme phenomena. In other words: the resulting destruction will not only hit the flank of archipelagos and continents, but will also come from above in colossal proportions, even in areas far away from coast and waterways.  

Sea level rise has never been so fast since there are records. Just the partial melting of Greenland's ice mantle, caused by the increase in local average temperatures in recent decades, accounted for about 25% of the rise in sea level globally. This background scenario was occasionally aggravated by the appearance of large masses of hot and humid air transported to the area, which have temporarily covered this huge island. There were times when the melting occurred at an average close to one million tons per minute, a value too high even for our imagination. And earlier this year, scientists warned that a significant portion of Greenland's ice was approaching a tipping point at which thaw would become inevitable. The observation of weather conditions in the region leaves no room for doubt that this is a real risk. In July 2021, in just one day, enough ice melted in Greenland to cover an area equivalent to the state of Florida with two inches of water. The following month, with temperatures above freezing and, in some places, 18ºC higher than average, it rained for several hours on the summit of Greenland's polar ice cap, something that had never happened before and led to melting snow and ice along an extensive area about four times the size of the UK. These phenomena are not fortuitous and are undoubtedly linked to the various causes of global warming, in particular greenhouse gas emissions. If ice sheets in Greenland and Antarctica continue to melt at the increasing pace of recent years, sea levels are estimated to reach in the coming decades a level that was previously only expected by the end of the century. No country will be prepared to face the possible consequences, and unfortunately it can be said that almost none are preparing for them. Widespread improvidence, as with the most recent pandemic, can only magnify the calamities that will occur.

It’s also important to point out that, as with rising temperatures, this progressive rise in average sea and ocean levels is not evenly distributed. Believing so is another common mistake. The large water masses on the planet are not static and, by the action of tides, winds and currents, they fustigate certain coasts more than others, which means that some coastal areas will suffer the impact corresponding to a higher-than-average rise. Also zones with lower slope and fewer natural or artificial barriers will tend to be more deeply affected and will face a greater destructive potential.

But the biggest risk factor remains the relative unpredictability of the worst-case scenarios in the short and medium term. Sudden and unexpected causes may precipitate events far beyond the pessimism considered acceptable, generating disastrous effects, not for generations to come, but for today's humanity.

This means that even today’s elderly are not free from witnessing disasters they never imagined or from suffering their eventual consequences, be they direct or indirect. Immediate future is no less filled with uncertainty than distant future. What is currently happening is not just a set of temporary incidents in an errant weather pattern. It’s a vast panoply of climatic symptoms that denounce the imminence of something on a large scale, something that may erupt in greater proportions almost from one moment to another (such as an extensive and rapid thaw, for example, on a scale incomparably higher than those recorded so far).

An analogy could be established with what often happens in volcanic eruptions: it can take decades or centuries to accumulate pressure inside a volcano before it explodes, there may even be prolonged omens of what will happen, but the blast is usually abrupt and the consequences are largely irreversible. Contemporary science still knows too little about volcanism to even risk detailed predictions and this is a topic that rarely comes up linked to the issue of climate change. But there may be a relationship. The considerable increase of water level in oceans by the effect of successive melts not only represents a gigantic displacement and redistribution of mass on Earth's surface but also substantially alters the total weight supported by tectonic plates in their different zones. It’s simply unknown what effect this may have on volcanic activity and seismic phenomena in a short or medium term perspective. Ignorance itself makes us not talk much about it, to avoid pure speculation. But a little reasoning is enough to understand that an increase in volcanism and seismic activity is to be expected as a consequence of the vast and profound changes in the planet's surface. Regions that seemed geologically stabilized may soon cease to be so, with enormous repercussions on the nearest urbanised areas. Like the famous Hydra of Greek mythology, global warming increasingly appears to be a seven-headed monster, all equally threatening.

Is there still time to reverse something?

Let's be realistic. In the coming decades, the world will not curb its energy voracity, nor the desire for mobility, nor the consumption of meat, nor the eagerness for consumerism, nor the ambition for bigger and better houses. All economic activities generating large polluting emissions will be under the pressure of increasing demand for goods and services. There is no way to curb it globally, and much less in the majority of countries that have historically lived with lower standards of food, comfort, mobility and consumption, and now want to approach the standard of living of wealthy countries. Therefore, we must reconvert processes and products so that they generate less waste and less pollution. And that was necessary for yesterday. We're already late today. But perhaps it still remains for us a chance to carry out as soon as possible the inventory of indispensable advances to combat and reverse climate change and push governments and international organisations to get to work, supporting and funding whatever is needed and drastically changing their investment priorities – which to a large extent can only be achieved with extensive international cooperation, another usual big problem. Only this time it's not about strategy games on the board of geopolitics. For some countries, it’s all about survival; for many others, it’s about not losing territory and infrastructure; and for still others, it’s a matter of avoiding widespread chaos; but for vast portions of mankind, the greatest common threat may be the dramatic fall of our levels of civilization. We have conquered them, in many cases, against nature. Now we have to harmonize with her, whether we like it or not. And as soon as possible.

There can be no mere precautions of an economic or political nature to justify slackness and hesitations in what is indispensable to do. And it will be good to keep in mind that whatever the costs of a rapid and programmed reconversion of national economies and technological processes, the costs resulting from the destruction or economic paralysis caused by major natural disasters totally beyond our control and of unprecedented dimensions, whose contours and impact we can only suspect, will be for sure immeasurably higher. If little or nothing is done, human and material losses will surpass today's worst predictions and we will suffer, far earlier than anticipated, the heavy consequences of our collective negligence.

We don’t know which world we are going to leave to our descendants as a result of our generational selfishness, but the main issue is no longer that. Because from now on we don’t even know, in the near future, which world we are going to leave to ourselves. And if there has been a time of weighting and prudence, the data we have today require foresight and immediate action. We are in a race against time, which means there's not much time to lose. Never so much as today has been needed a concerted action by politicians, diplomats, scientists, entrepreneurs, teachers and media. And wherever exist leaders who are up to make the necessary changes, it's time for them to get out of the closet. We have reached a point where we cannot continue to ignore or devalue climate threats and all that they may entail, or an era of economic, social, political and civilizational setback awaits us. Enough of political rhetoric. We must act.

domingo, 31 de outubro de 2021

Alterações climáticas: ANTES DO PREVISTO

Para todos os que se preocupam com as consequências das alterações climáticas, já não é segredo que as metas do Acordo de Paris de 2015 não serão cumpridas. É isso, aliás, que revela o último relatório das Nações Unidas sobre o assunto, expondo um ritmo de aquecimento global mais rápido que o previsto e em franco processo de aceleração. A situação é alarmante e tornou-se óbvio que vai piorar.

O mencionado Acordo de Paris tinha estabelecido como limite a não ultrapassar um acréscimo de temperatura média global de cerca de 1,5ºC em comparação com o período pré-industrial. Ora, pelos dados agora disponíveis, já se antevê que tal limite seja atingido, e talvez até ultrapassado, já no final da presente década ou pouco depois, isto é, bem mais cedo que em todas as previsões anteriores.

Embora os líderes mundiais se tenham comprometido a evitar a todo o custo ultrapassar esse limite, é agora evidente que foram promessas vãs e que não houve empenho suficiente. A maior parte das proclamações feitas foram ditadas pela conveniência política, alimentadas pela retórica de campanha e desproporcionais em relação às decisões tomadas, que ficaram muitíssimo aquém do necessário. Poucos terão verdadeiramente compreendido a importância e a urgência do problema.

Enquanto os especialistas se debatem com cenários futuros incertos, os governos hesitam nas medidas a tomar, receosos de afetar as respetivas economias e de enfraquecer a sua própria sustentação política. Climaticamente, estamos numa emergência grave e terrível, capaz de nos mergulhar muito em breve em desastres sem precedentes. Politicamente, estamos atolados em múltiplos jogos de interesses e lideranças débeis. É de recear o pior.

Os planos atuais para ir fazendo pequenas mudanças graduais e cautelosas, mesmo que passem todos das boas intenções e se tornem realidade, vão conduzir-nos à catástrofe. A razão disso é de natureza física e matemática: não se pode deter um fenómeno que está em aceleração crescente com medidas apenas moderadas e graduais. Já no curto prazo, são necessários cortes drásticos e rápidos da poluição global, e em especial das emissões de gases com efeito de estufa, mas nem isso será suficiente para deter o curso das alterações climáticas. Não é demais insistir que precisamos rapidamente de novas tecnologias capazes de capturar e armazenar carbono, tecnologias essas que é preciso financiar e desenvolver com a maior urgência possível. A elas, muito provavelmente, terão de se juntar em breve soluções de geoengenharia.

O rápido aquecimento do planeta já está a acelerar o aumento do nível dos mares, a provocar um degelo intenso em vastas extensões e a agravar fenómenos extremos com grande poder destruidor, como ondas de calor, secas, inundações, tempestades e furacões. As consequências económicas destes fenómenos são por vezes, nalguns locais, de molde a abalar economias e a empobrecer sociedades inteiras, deixando atrás de si um rasto de morte e devastação; e nos casos mais benignos, podem implicar uma redução severa do rendimento médio per capita. Até há pouco tempo, as regiões mais desenvolvidas do mundo julgavam-se a salvo das suas piores repercussões, exceto ocorrências excecionais. Os acontecimentos recentes têm demonstrado que não é assim e que a destruição continuada e em larga escala pode atingir também, de forma reiterada, os países prósperos. Nenhum estará a salvo de uma desordem climática generalizada.

Se nada de substancial se fizer, o aquecimento global continuará em aceleração crescente e é bem provável que se atinja, já na década de quarenta, um acréscimo de 2ºC em relação aos tempos pré-industriais. Parece pouco, mas meio grau de aquecimento importa e muito. Segundo algumas estimativas, a população global exposta a ondas de calor extremo mais do que duplicará; o degelo no Ártico, e provavelmente noutras regiões, poderá tornar-se cerca de dez vezes mais intenso e o nível dos mares subirá mais 6 a 10 centímetros; duplicará a extinção de vertebrados e de plantas e triplicará a extinção de insetos; a percentagem da área do planeta cujos ecossistemas se transformarão noutro bioma (envolvendo alterações no seu macroclima, na cobertura vegetal e nas características dos solos) quase duplicará também; a quantidade de “permafrost” (isto é, de gelo permanente e de solo congelado) que irá derreter agravar-se-á em mais de um terço; quase na mesma proporção se agravará o declínio dos recifes de corais e da vida marinha a eles associada; a produção agrícola de certas culturas, bem como as pescas, poderão decair para cerca de metade em muitos locais, sobretudo nas baixas latitudes. De facto, meio grau a mais de aquecimento global faz muita diferença, sobretudo se tivermos em conta que esse aquecimento não é homogéneo, nem do ponto de vista temporal nem do ponto de vista geográfico, e irá concentrar-se dramaticamente em certos períodos e regiões.

Que consequências pode isso ter para as populações? A mortalidade e os problemas de saúde devidos a fenómenos climatéricos extremos aumentarão; as probabilidades de seca ou de escassez de água tornar-se-ão maiores; chuvadas fortes e enchentes serão mais frequentes; a menor quantidade de gelo no planeta reduzirá a reflexão dos raios solares e implicará maior absorção de calor, gerando impactos na circulação oceânica e nos climas regionais; a contínua elevação do nível do mar aumentará a erosão costeira, assim como a perda de praias e de território litoral, e trará um risco acrescido de enchentes e um maior potencial de estragos; o desaparecimento ou rarefação de espécies terrestres e marinhas prejudicará cadeias alimentares, atividades económicas e meios de subsistência; a alteração dos solos e da cobertura vegetal terá vasto impacto nas economias locais e na interação entre estas; a transformação dos macroclimas implicará a inadequação de muitas formas tradicionais de habitação, bem como a necessidade de adaptação de edifícios e infraestruturas, com custos bastante onerosos; e os riscos de escassez de alimentos serão maiores, bem como os riscos de epidemias, incêndios florestais e propagação de pragas. No somatório total, isto envolve transformações enormes que precisariam de muitas décadas para uma adaptação gradual e minimamente organizada. Mas se tais transformações se concentrarem num espaço de tempo relativamente curto, de apenas uma década ou duas, têm um considerável potencial de caos e sofrimento humano, para já não falar de um possível recuo civilizacional em muitas regiões menos apetrechadas para mudanças tão drásticas. O risco de guerras e conflitos violentos não é sequer de descartar.

Os comentadores e os analistas destas matérias têm muitas vezes uma visão parcial e atribuem reiteradamente o aquecimento na Terra às emissões de certos gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono e o metano. Mas há outros culpados. Os gases de refrigeração correntes (largamente utilizados em aparelhos de ar condicionado, arcas congeladoras e frigoríficos) têm um potencial de aquecimento global 23 mil vezes maior do que o dióxido de carbono e permanecem na atmosfera durante 50 mil anos. Atualmente a quase totalidade desses gases é libertada quando esses aparelhos atingem o seu fim de vida, o que põe em evidência a importância da reciclagem, ainda muito pouco utilizada devido à falta de incentivos. De facto, muitas pessoas e empresas retiram o cobre dos equipamentos em fase terminal e libertam todo o gás para a atmosfera. Embora tais emissões sejam em geral proibidas, a falta de fiscalização ou de multas leva a incumprir os regulamentos existentes. As consequências são trágicas e contraproducentes para os esforços em curso. De facto, se conseguirmos evitar a emissão de 23 mil toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera, mas lançarmos nela apenas uma tonelada destes gases de refrigeração (chamados “gases fluorados”), ficamos mais ou menos na mesma. Não haverá progresso na redução de emissões, no que respeita às suas consequências térmicas. Ora estima-se que, devido ao aumento generalizado das temperaturas, a procura mundial de energia para aparelhos de refrigeração triplique até 2050 e a produção e substituição destes sofra um grande incremento, o que torna ainda mais dramático o problema da recuperação e reciclagem dos gases fluorados no fim do ciclo de vida dos equipamentos.

Algo idêntico se passa com outro gás que intensifica o efeito de estufa, o óxido nitroso, que tem ainda a particularidade de ser o que mais contribui para degradar a camada de ozono. Tem várias aplicações na indústria e é também um dos produtos resultantes da queima de combustíveis fósseis ou de biomassa, mas a agricultura intensiva é de longe a maior responsável pela emissão anual, em resultado da produção e aplicação de fertilizantes sintéticos em larga escala. A pecuária e a aquicultura contribuem para o problema devido à crescente procura de rações para animais e os esgotos e seu tratamento também são uma fonte de emissões, assim como a má gestão do estrume animal e dos lixos e desperdícios. Embora exista em menor quantidade na atmosfera que o dióxido de carbono, este gás tem uma capacidade de retenção de calor 300 vezes superior (ou seja, uma molécula de óxido nitroso é equivalente a 300 moléculas de CO2 nos seus efeitos térmicos) e permanece por mais de um século na atmosfera até ser degradado naturalmente pela radiação solar. Mas como as atividades humanas estão a emiti-lo muito mais depressa do que ele é destruído, está a acumular-se perigosamente há décadas. Apesar dos esforços mundiais para reduzir as emissões industriais deste gás, várias economias emergentes estão a aumentar rapidamente as suas emissões por outras vias — nomeadamente o Brasil, a China e a Índia, onde a produção agrícola e a criação de gado têm aumentado muito rapidamente desde finais do século passado.

O enorme perigo que espreita nestes factos é a crescente probabilidade de as medidas adotadas para reduzir as emissões mundiais de dióxido de carbono, que é a ameaça de que mais constantemente se fala, serem em larga medida contrabalançadas (ou até neutralizadas nos seus efeitos práticos) pelas crescentes emissões de outros gases com um efeito de estufa bastante superior, como é o caso do metano, dos gases fluorados e do óxido nitroso. Se quisermos desenvolver estratégias eficazes para mitigar a poluição, limitar o aquecimento global e cumprir as metas climáticas, teremos de desenvolver tecnologias eficazes que nos permitam recuperar e reciclar esses outros gases ou ajudar a degradá-los em substâncias inofensivas.

Mas o prognóstico é reservado: se nem mesmo as emissões globais de dióxido de carbono pararam ainda de crescer, é de esperar que a indústria e as atividades agropecuárias sejam mais bem sucedidas na limitação dos outros gases com maior efeito de estufa e onde as atenções incidem menos? Sem gigantescos incentivos financeiros e regulamentação rígida, só poderemos esperar um novo fracasso. E dado que todos os países são sensíveis a aumentos de custos ou perda de competitividade económica, apenas iniciativas internacionais abrangentes poderão liderar as transformações necessárias, na condição de previamente compreenderem a amplitude e a gravidade desta emergência. Sem isso, os efeitos conjugados e cumulativos dos diversos fatores de perturbação climatérica irão em breve expor-nos a catástrofes sem precedentes − e muito antes do previsto.

Não é demais frisar que muitas das projeções e cenários que têm sido construídos sobre a evolução das alterações climáticas e suas consequências pecam por várias limitações metodológicas ou por compreensível prudência académica. Nalguns casos, fazem-se projeções apenas lineares, isto é, previsões que se baseiam no cálculo do que acontecerá dentro de um certo tempo se se mantiverem a tendência e o ritmo atuais de progressão dos fenómenos estudados, método este que deixa de fora a crescente aceleração deles. Noutros casos, por maior facilidade de análise ou por especialização científica, as previsões tomam em conta apenas a evolução isolada de uma ou duas variáveis do processo, deixando de fora o resultado expectável da conjugação de todas as variáveis conhecidas, ou seja, capricham no rigor analítico e fraquejam na visão sistémica. Noutros casos ainda, despreza-se a influência de diversas causas mal estudadas que podem ter um efeito catalisador nos processos naturais que condicionam a mudança climática. Em suma: nos trabalhos científicos e nos relatórios de instâncias internacionais, negligencia-se ou subestima-se com frequência a aceleração crescente das alterações climáticas, o carácter exponencial dos seus efeitos, a ação catalisadora de certas ocorrências conjugadas e as circunstâncias agravantes que contribuem (ou podem vir a contribuir) para desencadear ciclos viciosos ou “efeitos bola de neve”. Até certo ponto, isto é normal: quando se estudam isoladamente os muitos ingredientes de uma mistura, é fácil perder de vista se ela é explosiva. Neste assunto, porém, já não podemos dar-nos a esse luxo.

Em matéria climática, a realidade ultrapassou os cenários mais pessimistas e pulverizou todos os otimismos. O Protocolo de Quioto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015 são hoje meras relíquias. Deles se aproveitam o manancial de dados até então recolhido e a convergência internacional de preocupações, mas não a justeza das previsões efetuadas nem a eficácia dos compromissos assumidos. Para além de os avanços práticos terem sido escassos, ninguém previu um ritmo tão acelerado das mudanças climáticas nem a evolução real das causas subjacentes. O aparente consenso científico pecou por defeito, a prudência académica e política pecou por excesso. Isso não pode voltar a acontecer na Conferência de Glasgow nem nas outras que se lhe seguirem, senão pagaremos um preço muitíssimo elevado. Se não quisermos pagá-lo, não podemos remeter para 2050 a meta da neutralidade carbónica. Para muitos países ou regiões e para muitas centenas de milhões de pessoas, será tarde demais. Mas ninguém ficará imune às consequências. Algumas delas são imprevisíveis, outras acontecerão bem antes do inicialmente previsto.

Convém não esquecer que, segundo o histórico a que nos habituámos, as previsões pessimistas de hoje serão as previsões ultrapassadas de amanhã. Teremos certamente um aquecimento global de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até 2030 e poderemos chegar aos 2ºC até 2040, décadas antes do inicialmente previsto. Os verões vão batendo sucessivamente recordes absolutos de temperatura desde que há registos e têm surgido mantos de calor em regiões absolutamente inesperadas. A agravar toda a situação, incêndios florestais de proporções gigantescas em várias partes do mundo, mesmo em latitudes setentrionais, estão a aquecer ainda mais a atmosfera e a lançar nela quantidades incalculáveis de dióxido de carbono e de outros gases com efeito de estufa. A frequência e intensidade destes grandes incêndios tende a aumentar a cada ano que passa. O aquecimento dos oceanos progride a bom ritmo e tende também a acelerar. A quantidade de superfície gelada em todo o planeta tem vindo a diminuir em todas as estações do ano, o que diminui também a reflexão dos raios solares e aumenta a absorção de calor. Juntando estes e outros fatores, temos a combinação perfeita para que a subida do nível dos mares dispare.

Entre 1900 e o ano 2000, o nível médio do mar subiu 14 centímetros. Só nos primeiros vinte anos do século XXI, subiu mais de 7 centímetros. Ou seja, o ritmo de subida quase triplicou. Isto foi previsto? Tanto, não. Antecipou-se que haveria alguma aceleração, mas o aumento real do nível do mar é agora quase o dobro do que foi calculado. A esta cadência, e sem qualquer aceleração do fenómeno, poderíamos contar seguramente com uma subida adicional de 10 cm até meados deste século, o que já de si prenuncia consequências arrasadoras para muitas zonas litorais. As marés altas serão mais invasivas, haverá maiores amplitudes de ondulação (sobretudo durante os temporais) e as inundações costeiras serão mais frequentes e mais destruidoras. Mas o problema maior é que o fenómeno está em franca aceleração e essa aceleração está a intensificar-se cada vez mais, pelo que não será descabido admitir que uma tal subida possa ser atingida já durante a próxima década e que cheguemos a meio do século com uma subida de quase meio metro em relação ao nível médio do princípio do século. Mais uma vez, portanto, muito antes do previsto. Entretanto, iremos assistir a muita destruição costeira, mas não só. Mais calor na atmosfera e nos oceanos significa muito maior evaporação e, em seguida, fenómenos de precipitação bem mais severos que o habitual, como chuvas torrenciais de grande envergadura, enormes e extensos nevões ou queda de granizo de grandes dimensões, por vezes concentrando em poucas horas ou dias o que antes se repartia por períodos mais longos e, nalgumas regiões, causando mesmo fenómenos extremos sem precedentes. Por outras palavras: a destruição resultante não atingirá apenas o flanco dos arquipélagos e dos continentes, mas chegará também vinda de cima em proporções colossais, mesmo em zonas bastante afastadas do litoral e dos cursos de água.

A subida do nível do mar nunca foi tão rápida desde que há registos. Só o derretimento parcial do manto de gelo da Gronelândia, provocado pelo aumento das temperaturas médias locais nas últimas décadas, foi responsável por cerca de 25% do aumento do nível do mar globalmente. Este cenário de fundo foi agravado ocasionalmente pelo surgimento de grandes massas de ar quente e húmido transportadas para a zona e que cobriram temporariamente esta enorme ilha. Momentos houve em que o degelo ocorreu a uma média próxima de um milhão de toneladas por minuto, um valor demasiado alto mesmo para a nossa imaginação. E já este ano, os cientistas alertaram que uma parte significativa do gelo da Gronelândia estava a aproximar-se de um ponto de inflexão a partir do qual o degelo se tornaria inevitável. A observação das condições meteorológicas na região não deixa margens para dúvidas de que esse é um risco real. Em julho de 2021, ao longo de apenas um dia, derreteu gelo suficiente na Gronelândia para cobrir com cinco centímetros de água uma área equivalente ao estado norte-americano da Florida. No mês seguinte, com temperaturas acima de zero e nalguns locais 18ºC mais elevadas do que a média, choveu durante várias horas no cume da calota polar da Gronelândia, o que nunca antes tinha acontecido e conduziu ao derretimento de neve e gelo numa área cerca de quatro vezes superior ao tamanho do Reino Unido. Estes fenómenos não são fortuitos e estão indubitavelmente associados às diversas causas do aquecimento global, em particular às emissões de gases com efeito de estufa. Se as camadas de gelo na Gronelândia e na Antártida continuarem a derreter com o ritmo crescente dos últimos anos, estima-se que o nível do mar possa atingir já nas próximas décadas um patamar que anteriormente só era esperado para o final do século. Ora nenhum país estará preparado para enfrentar as possíveis consequências, e infelizmente pode dizer-se que quase nenhum está a preparar-se para elas. A imprevidência generalizada, tal como aconteceu com a mais recente pandemia, só poderá ampliar as calamidades que ocorrerem.

Importa também salientar que, tal como acontece com a subida das temperaturas, esta progressiva elevação do nível médio dos mares e dos oceanos não é uniformemente distribuída. Supô-lo é outro erro bastante comum. As grandes massas de água do planeta não são estáticas e por ação das marés, dos ventos e das correntes fustigam mais certas costas do que outras, o que significa que algumas zonas litorais sofrerão o impacto correspondente a uma subida maior que a média. Também as zonas de menor declive e com menos barreiras naturais ou artificiais tenderão a ser mais profundamente afetadas e enfrentarão um maior potencial destruidor.

Mas o maior fator de risco continua a ser a relativa imprevisibilidade dos piores cenários de curto e médio prazo. Causas súbitas e inesperadas poderão precipitar os acontecimentos muito para além do pessimismo considerado aceitável, gerando efeitos desastrosos, não para as gerações vindouras, mas para a humanidade atual. O que significa que mesmo os idosos de hoje não estão livres de vir a presenciar catástrofes que nunca imaginaram e de sofrer as eventuais consequências delas, diretas ou indiretas. O futuro imediato não é menos recheado de incerteza do que o futuro distante. O que está atualmente a acontecer não é apenas um conjunto de incidentes temporários num padrão climático errante. É uma vasta panóplia de sintomas climáticos que denunciam a iminência de algo em larga escala, algo que poderá eclodir em maiores proporções quase de um momento para o outro (como um extenso e rápido degelo, por exemplo, numa escala incomparavelmente superior ao registado até agora).

Poderia estabelecer-se uma analogia com o que acontece amiúde nas erupções vulcânicas: pode demorar décadas ou séculos a acumulação de pressão no interior de um vulcão antes de ele explodir, pode até haver prenúncios prolongados do que irá acontecer, mas a explosão é geralmente abrupta e as consequências são em larga medida irreversíveis. A ciência contemporânea sabe ainda demasiado pouco sobre o vulcanismo para sequer arriscar previsões pormenorizadas e este é um tema que raramente surge ligado à questão das alterações climáticas. Mas pode haver uma relação. O aumento considerável do nível das águas nos oceanos por efeito dos sucessivos degelos não só representa uma gigantesca deslocação e redistribuição de massa na superfície terrestre como altera substancialmente o peso total suportado pelas placas tectónicas nas suas diferentes zonas. Pura e simplesmente, desconhece-se o efeito que isso poderá vir a ter na atividade vulcânica e nos fenómenos sísmicos, numa perspetiva de curto ou médio prazo. A própria ignorância faz com que não se fale muito nisso, para evitar a pura especulação. Mas basta raciocinar um pouco para compreender que um acréscimo de vulcanismo e de atividade sísmica é de esperar como consequência das vastas e profundas alterações na superfície do planeta. Regiões que pareciam geologicamente estabilizadas podem em breve deixar de o ser, com enormes repercussões nas zonas urbanizadas mais próximas. Tal como a célebre Hidra da mitologia grega, o aquecimento global aparenta-se cada vez mais com um monstro de sete cabeças, todas elas igualmente ameaçadoras.

Haverá ainda tempo para reverter alguma coisa?

Sejamos realistas. Nas próximas décadas, o mundo não vai refrear a sua voracidade energética, nem o desejo de mobilidade, nem o consumo de carne, nem a ânsia de consumismo, nem a apetência por casas maiores e melhores. Todas as atividades económicas geradoras de grandes emissões poluentes estarão sob a pressão de uma procura crescente de bens e serviços. Não há como refreá-la globalmente, e muito menos naquela maioria de países que historicamente tem vivido com padrões inferiores de alimentação, conforto, mobilidade e consumo, e que querem agora aproximar-se do nível de vida dos países abastados. Portanto, temos é de reconverter processos e produtos para que gerem menos desperdícios e menos poluição. E isso era necessário para ontem. Hoje já estamos atrasados. Resta-nos fazer quanto antes o inventário dos progressos necessários para combater e reverter as alterações climáticas e fazer com que os governos e organizações internacionais deitem mãos à obra, apoiando e financiando o que for necessário e alterando drasticamente as suas prioridades de investimento – o que, em larga medida, só poderá ser conseguido com vasta cooperação internacional, o enorme problema de sempre. Só que, desta vez, não se trata de jogos de estratégia no tabuleiro da geopolítica. Para alguns países, trata-se de pura sobrevivência; para muitos outros, trata-se de não perder território e infraestruturas; e para outros ainda, trata-se de evitar o caos generalizado; mas para vastas porções da humanidade, a grande ameaça comum pode ser a de decair dramaticamente nos respetivos níveis de civilização. Conquistámo-los, em muitos casos, contra a natureza. Agora teremos de nos harmonizar com ela, quer queiramos quer não. E quanto antes.

Não podem ser meras precauções de natureza económica ou política a justificar tibiezas e hesitações naquilo que é indispensável fazer. E será bom termos em mente que, quaisquer que sejam os custos de uma reconversão rápida e programada das economias nacionais e dos processos tecnológicos, serão incomensuravelmente maiores os custos resultantes da destruição ou da paralisia económica causadas por grandes catástrofes naturais totalmente fora do nosso controle e de dimensões sem precedentes, cujos contornos e impacto podemos apenas suspeitar. Se pouco ou nada for feito, as perdas humanas e materiais ultrapassarão as piores previsões de hoje e sofreremos, muito antes do previsto, as pesadas consequências do nosso desleixo colectivo.

Não sabemos que mundo vamos deixar aos nossos descendentes, em consequência do nosso egoísmo geracional, mas a questão fulcral já deixou de ser essa. É que a partir de agora já nem sequer sabemos, num futuro mais ou menos próximo, que mundo vamos deixar a nós próprios. E se já foi tempo de ponderação e de prudência, os dados de que dispomos hoje exigem clarividência e ação imediata. Estamos numa corrida contra o tempo, o que significa que não há muito tempo a perder. Nunca tanto como hoje foi necessária uma ação concertada de políticos, diplomatas, cientistas, empresários, pedagogos e comunicação social. E onde quer que existam líderes à altura das transformações necessárias, está na altura de saírem do armário. Chegámos a um ponto em que não podemos continuar a ignorar ou desvalorizar as ameaças climáticas e tudo o que elas podem implicar, ou espera-nos uma era de retrocesso económico, social, político e civilizacional. Basta de retórica política. É preciso agir.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Climate Change: OPTIMISM, IDEOLOGY AND REALITY

Little by little, we are getting a better understanding of how everything in nature is interconnected. We frequently use the word “ecology” to express the interdependence between species, between them and their habitats or them and other natural phenomena that once were thought not being related. We’re gradually understanding how, in any system, many factors can be affected by a single one, and vice-versa. In summary: that almost everything depends on almost everything, directly or indirectly, and that a single unregulated occurrence can affect a multitude of circumstances or balances.

When we circumscribe this systemic comprehension to a given fauna or region, we call it “ecosystem”. In the last decades, scientists have been studying separately many ecosystems in the most varied places in the world. What we haven´t quite understood yet, as it seems, is that our whole planet is, in its entirety, a vast ecosystem. When we damage one of its parts, we affect the rest. One day, the extent of the damages may be such that repairing them could be beyond our reach. The great and true riddle of our time is if that day has already come.

It would be good to always keep in mind that, in the past 50 years of climatic anguish and heated debates around the subject, optimists have almost never been right. Is it to be expected that they are now? In the past, we were slow to understand the speed of climate changes; now, and in reverse, we’re being slow to realize the speed with which we need to discover the technology needed to fight them. A lot of suffering and immense destruction will come to pass because of this.

Let’s put a personal question: have you ever thought that we may have reached, or may be about to reach, a point of no return? That, having crossed a certain threshold of artificial interference in the terrestrial ecosystem, we can unleash a climatic and biological disorder of such magnitude that we can do little more than watch, bewildered and almost powerless, its devastating consequences? That may already be the case, or not. We don´t really know. But if we continue to optimistically rely on hypothetical future technology to find a way out of the environmental disaster that awaits us around the corner, it remains no doubt that we’ll be caught off guard and with our pants in our hands. It will be better to speed up the pace a lot, and as soon as possible… Optimism, in this case, plays against us.

Another phenomenon that has not helped much in the fight against climate change is the fact that the issue has been contaminated by the ideological segmentation that has taken hold of modern politics.

Some political views, especially those commonly referred to as “left-winged”, appropriated these themes as if climate issues were specifically their causes. This happened for too long, in face of the relative passiveness of other political forces. When these finally noticed the impact of such issues in the public opinion, some did it in the worst way: instead of claiming the climate and environment issues as a common cause to every party division, or even hovering above it, they decided to adopt a hostile attitude and became “negationists”, particularly amongst the “radical right”.

What is “negationism”? It manifests itself in two ways: one of them simply denies that a global warming is taking place on the planet, seeing that notion as a mere conspiracy fueled by obscure and nefarious interests; the other, despite admitting that global warming may be happening, denies that it results from human action and its interferences in the cycles of nature and ecological balances (that is, it defends the premise that climate change is brought about by purely natural causes and has nothing to do with human activities).

Who can be right in these quarrels?

It’s quite possible, and even likely, that there are also purely natural causes influencing climate change, although it’s not yet clear what those are. After all, Earth’s climate hasn’t been always stable before the appearance of humans. There have been ample changes in the planet’s average temperature, there have been rises and falls in sea levels, there have been dramatic changes in the meteorology and biosphere of the continents. No one can seriously believe that all this global mutability has, at a certain point, drifted off into a fixed trend towards climatic stability, merely disturbed by recent human action. But on the other hand, taking every piece of gathered evidence into account, it is undeniable that human impact on Earth is decisively contributing to the intensity and pace of current climate change. The transformations imposed on the planet have been in such a scale that they have affected practically every ecosystem and every natural cycle. How could this not have severe repercussions in climates at large?

This is not an ideological matter, it’s a factual matter. These are not theories, as there are undeniable facts that show the greatness and the repercussion of the ongoing changes. The possible consequences of these changes may even challenge our imagination. But one doesn’t need to imagine too much. Extreme meteorologic phenomena that have been taking place have not only made climate change irrefutable but have given us a foreshadowing of how things can become worse: devastation on a scale never seen before caused by typhoons, floods, unbearable heat waves, devastating fires, at times with such magnitude as to throw into chaos entire countries or regions. And at a later phase, not that far off in time, capable of destroying our current civilizations as we know them.

Exaggeration? No. When it comes to climate change, everything is getting worse and at a faster pace than scientists had predicted. As a logical conclusion, the consequences of those changes can also be far worse than anticipated.

We’re running against the clock, but many political leaders have not yet realized the gravity of this whole issue.  They still think of climate change as a gradual phenomenon and unhurriedly announce less pollutant energy or vague reductions in greenhouse gas emissions. None of these promises will be enough, even if they were all kept (and many of them have not been). Mere pollutant emission reductions will no longer suffice. Given the point that we have come to, we could only begin to revert the process with new and efficient carbon capture technologies and geoengineering solutions – both of which we don’t have yet.

It’s not enough to reduce greenhouse gas emissions. Even reduced, all these emissions will add to those that already remain in the atmosphere, which means they will simply aggravate the current situation. They will have a cumulative effect. And to the new emissions that we’ll make it will also be added every emission caused indirectly by our interference on the natural cycles and ecosystems. A vicious cycle of causes and effects is already in motion and, because of it, everything is happening much faster and much worse than anticipated by the most pessimistic experts. There are only two logical conclusions: 1st) we don’t have until 2050 to reach carbon neutrality, without first suffering devastating consequences; 2nd) we need to create and implement carbon capture technologies very quickly, as well as take advantage of natural processes that can contribute to the same goal.

If we don´t seriously face these two problems, our future will become very dark – and perhaps much earlier that we thought.

As the latest United Nations report on this topic states, “many of the changes we can observe on the climate are without precedent in thousands, if not hundreds of thousands of years, and some of the changes already in motion – like the rising sea levels – are irreversible during the next hundreds or thousands of years”. And yet, that same report leaves a positive note: “However, strong and sustained reductions in emissions of carbon dioxide and other greenhouse gases would limit climate change. While the benefits to air quality would be quick, it could take up to 20 or 30 years for global temperatures to stabilize.” Is it really so?

There seems to be, in this apparent showing of optimism, a certain care to steer away from climate alarmism, perhaps precisely the opposite of what would be necessary at this stage of events. The unavoidable truth is that all the most pessimistic scenarios of that and other similar entities have been far and wide surpassed by reality. This reveals that there have been repeated methodological errors in the forecasts made or there are acting causes of global warming that have not been correctly evaluated. Perhaps we are still unaware of some of them or the intricate web of interactions between them. Or perhaps the exponential character of the phenomena underlying climate change is underestimated. Sometimes there are even conclusions in the reports that only seem to reflect the search for an acceptable compromise between the different scenarios proposed by experts, a kind of reasonable consensus that does not undermine its scientific credibility. But it's impossible not to notice some inconsistencies.

To hold a lot of hope in a sharp reduction in pollutant emissions is like betting everything on a limping horse. Emissions have not stopped growing year after year, but even if we were able to reduce them from now on, new emissions will always add to the existing ones. Therefore, a reduction (even if drastic) in new emissions does not mean a reduction in the total amount of greenhouse gases in the atmosphere. It will never be enough to stress this nor should there be any misunderstandings or illusions about it. Everything will depend on the positive or negative balance that we’ll manage to establish between the increase in the accumulated total of emissions and the carbon capture that occurs through natural or artificial processes.

Henceforth we will have a sort of current account with nature, but we will also need to work alongside her. Because in the end, to avoid predictable disasters, we and nature together will need to capture more carbon than is released in many different ways. For our share, we will need not only to facilitate the natural processes of this carbon capture but also to add others created by our own technology, and both as urgently as possible. In fact, it’s no longer rational to avoid alarmism, because we are running out of time to avoid the worst.

In 2018, a specialized agency of the United Nations published a special report in which it estimated that the planet was then 1ºC above pre-industrial levels. Now, three years later, it claims that it’s already 1,1ºC above those levels. You just have to do the math: if this pace of warming kept up, we would reach 2ºC even before 2050, which in itself would be frightening, as it represents even more than the same organism predicted just half a dozen years ago for the end of the century! There was, therefore, an acceleration. But the additional problem is that the pace of warming continues to accelerate, which means that every projection made in line with the current pace will quickly fall short: it’s dangerously underestimated for not taking this increasing acceleration into due account.

What does that imply for the world we live in? There will certainly be more intense heat waves, longer hot seasons and shorter cold seasons. But if global warming reaches 2ºC, extreme heat waves will more often hit critical tolerance limits for agriculture and health, also says the latest UN report. This means that various areas of the planet, spread across different continents and sparing none, might quickly reach temperatures in which human life becomes impossible, generating millions of climate refugees, many of them impoverished and desperate.

With regard to the rising sea levels, it’s possible that climate experts might again be surprised. If the pace of global warming is in fact being underestimated, by not being properly accounted its rising acceleration, this means that forecasts made for 2050 or for the end of the century might be reached much sooner. And it all bodes that they will, because the global situation continues to deteriorate in front of our very eyes. There are several reasons for it. Here are a few.

Over the last few decades, forests and oceans, along with soils, have been able to capture more than half of carbon dioxide emissions produced by human activities, using it in natural processes (such as photosynthesis, for example, function by which plants, algae and some bacteria, while in the presence of sunlight, transform carbon dioxide and water into organic matter, releasing oxygen). Therefore, forests and oceans act as “carbon sinks”, but their absorption capacity has limits and, worse than that, everything indicates they will become less efficient on the course of next decades, beyond the fact that the increase in emissions will not be accompanied by an increase of these “sinks”. On the contrary.

Forests are shrinking at a galloping pace, due to aggressive deforestation and large forest fires, covering ever wider areas. In many regions of the planet, the accelerated felling of trees and intentional burnings have given place to agricultural fields and pastures for intensive cattle raising. As an aggravating factor, fires and burnings release enormous quantities of carbon into the atmosphere, which counteracts current efforts to reduce industrial emissions. In the oceans, we can notice a rarefaction of phytoplankton, a varied set of microorganisms capable of photosynthesis that live floating on the surface of water (like algae and cyanobacteria) and not only assure the oxygenation of the water but also form the basis of aquatic food chain. This rarefaction is also taking place in many of great rivers and lakes, in addition to the fact that some of them are slowly shrinking in size. And the contribution of soils may also be affected, not only due to accelerated erosion and decomposition, but also due to the effect of pesticides and intensive farming.

The warming of the oceans is itself a problem, given that carbon dioxide in the atmosphere dissolves more easily in cold water than in warm water. Therefore, the warming of the water makes the process more difficult. Besides, surface waters carried from tropics, now warmer, to high latitudes (including polar regions) may accelerate the fusion of ices, leading to a reduction of salinity in superficial waters and increasing the stratification between these and waters in lower layers, what in turn reduces the downward movement of carbon dioxide into the deep ocean. Keeping in mind that differences of temperature and salinity in waters determine the path of maritime currents, significant variances in these parameters may alter the currents themselves, and they certainly will. Oceanic flows play a fundamental role in regulating global climate, as they are largely responsible for the transfer and redistribution of heat, thus preventing the planet from becoming more inhospitable. Therefore, an alteration in these flows might trigger drastic changes in the degree of habitability of many regions in the world.

But it’s hard to talk about oceans without mentioning one of the worst tragedies happening to them nowadays: the accumulation of hundreds of millions of tons of plastic, something that, according to some studies, is causing such damage to marine environments that we may have already crossed a line of no return. It’s not just the pollution caused by the plastics themselves, whose degradation takes tens or hundreds of years to occur and will progressively transform a large part of them into smaller debris (generically called “microplastics”) that will mix with the food of a lot of species, thus penetrating many food chains, including ours. Before that happens, these plastics absorb chemicals that freely float in the ocean and make them potentially toxic. When they’re ingested, they become doubly harmful and dangerous: by the very ingestion of the plastic, that is often lethal or capable of causing injuries, and by the accumulation of contaminating products in the viscera and muscles of marine animals, which concentrates them along the food chain. Without realizing it, a big part of them will end up on our plate.

This accumulation of plastics in rivers and oceans is taking place on such a scale that in some parts of the world we need to see it to believe it: there are Asian rivers so full of debris that you can no longer see the water, to the point that we can no longer tell that it’s a river we’re seeing, and in oceans have been formed rubbish islands bigger than some countries. The largest of them all is the famous Plastic Island that formed in the Pacific Ocean, between Hawai and California, which has about 1.6 million km2 (a total area three times bigger than France and 18 times the size of Portugal!) and keeps growing.

This kind of water pollution is affecting the survival of many species, some already on the brink of extinction. And we don’t know yet the full extent of its effects on marine ecosystems, although it’s probably a ticking time bomb. But less is said about its potential impact on climate change because influence of plastics on the warming of river and ocean waters has not yet been properly studied. The analogy may sound a bit too simplistic, but it’s plastic we often use to create land-based greenhouses, as it causes heat retention. If huge areas of ocean surface are now completely covered with plastic debris of all kinds, will this not harm aquatic thermal processes and heat redistribution, won’t photosynthesis be drastically affected, thus jeopardizing the survival of phytoplankton in these vast areas and threatening the entire food chain that depends on it? These are some questions to which we haven’t an enlightening answer yet. But no one will be surprised if it comes to be proved that pollution of waters by plastics is significantly contributing to the warming of the oceans.

One of the consequences of this warming is its pernicious or destructive effect on coral reefs around the world. Many corals are dying at various latitudes and at a fast pace. We easily understand the importance of this if we consider that one in every four marine species lives in coral reefs, including about 2/3 of all fish species, which in them find shelter, food and safe places to reproduce. One of the most obvious symptoms of coral withering is their progressive bleaching, which comes from a loss in biological interaction with algae they live in association with and is also related to an increase of diseases in corals themselves.

Making things worse, a phenomenon of ocean acidification is taking place. This happens due to the great quantity of atmospheric CO2 that dissolves in water, creating carbonic acid, a very unstable compound that by dissociation turns water more acidic. Acidification has a direct negative impact on coral structures, whose skeletons are made of limestone, what in this case represents a vulnerability that makes them more fragile and subject to being diluted. Needless to say that the decay and death of reefs, given their impacts on their respective ecosystems, may result in a drastic diminishing of the amount of fish in the affected areas, with dramatic consequences for food chains and fisheries. If storms, droughts and desertification represent a rising risk to agricultural production, obtaining food at sea may come to know worse days than the growing scarcity already felt today.

Scarcity is synonymous with high prices or famine. For populations that extract their food and basic income directly from land or sea, the future is uncertain. Some may take advantage of scarcity and inflation, others may be their victims. Among these, some may experience outbreaks of hunger and malnutrition. But for the bulk of individuals and families in almost all societies, less abundance in production or disturbances in the distribution of foodstuffs will represent an increase in costs and a step down in quality of life. In many places, this may represent a social setback of decades. However, given the overall picture resulting from climate change, this may well turn out to be the least of evils.

sábado, 23 de outubro de 2021

Alterações Climáticas: OPTIMISMO, IDEOLOGIA e REALIDADE


Aos poucos vamos sabendo melhor como tudo na natureza está interligado. Utilizamos com frequência a palavra “ecologia” para exprimir a interdependência entre as espécies, entre estas e os seus habitats ou entre estes e outros fenómenos naturais que outrora pareciam nada ter a ver com eles. Vamos paulatinamente percebendo como, em qualquer sistema, muitos fatores podem ser afetados por um só, e vice-versa. Em suma: que quase tudo depende de quase tudo, direta ou indiretamente, e que uma única ocorrência desregulada pode afetar todo um conjunto de circunstâncias ou de equilíbrios.

Quando circunscrevemos esta compreensão sistémica a uma dada fauna ou região, chamamos-lhe “ecossistema”. E nas últimas décadas, os cientistas têm estudado separadamente muitos ecossistemas nos mais variados lugares do mundo. O que ainda não percebemos bem, segundo parece, é que o nosso próprio planeta é, todo ele, um vasto ecossistema. Quando danificamos uma das suas partes, afetamos as restantes. Um dia, a extensão dos danos pode ser tal que consertá-los esteja já fora do nosso alcance. O grande e verdadeiro enigma do nosso tempo é se esse dia já chegou.

Será bom termos sempre presente que, nos últimos 50 anos de angústias climáticas e de debates acalorados em torno do assunto, os otimistas quase nunca tiveram razão. Será de esperar que a tenham desta vez? No passado, fomos lentos a perceber a velocidade das mudanças climáticas; agora, e em sentido inverso, estamos a ser lentos a perceber a velocidade com que precisamos descobrir a tecnologia necessária para combatê-las. Muito sofrimento e enorme destruição irão acontecer por causa disso.

Coloquemos uma questão pessoal: já alguma vez pensou que possamos ter chegado, ou que estejamos prestes a chegar, a um ponto de não retorno? Que, transposto um certo limiar de interferências artificiais no ecossistema terrestre, possamos desencadear uma desordem climática e biológica de tal magnitude que pouco mais possamos fazer depois senão assistir, desnorteados e quase impotentes, às suas consequências devastadoras? Pode já ser esse o caso, ou não. Não sabemos realmente. Mas se continuarmos a contar otimisticamente com hipotética tecnologia futura para encontrar uma saída para o desastre ambiental que nos espera ao virar da esquina, não sobram dúvidas de que seremos apanhados desprevenidos e com as calças na mão. Será melhor acelerarmos bastante o passo, e quanto antes… O otimismo, neste caso, joga contra nós.

Outro fenómeno que não tem ajudado muito no combate às alterações climáticas é o facto de este assunto ter sido contaminado pela segmentação ideológica que tomou conta da política contemporânea.

Algumas correntes políticas, sobretudo as que são vulgarmente apelidadas de “esquerda”, apropriaram-se destas temáticas como se as questões do clima e do ambiente fossem causas especificamente suas. Isto aconteceu durante demasiado tempo, perante a relativa passividade das outras forças políticas. Quando estas finalmente despertaram para o impacto de tais assuntos na opinião pública, algumas fizeram-no da pior forma: em vez de reivindicarem as preocupações climáticas e ambientais como uma causa comum e transversal a toda a divisão partidária, ou até mesmo pairando acima dela, resolveram adotar uma atitude hostil e tornaram-se negacionistas, sobretudo entre a chamada “direita radical”.

Em que consiste o negacionismo? Ele manifesta-se sob duas formas: uma delas nega pura e simplesmente que esteja a ocorrer  um aquecimento global do planeta, vendo nessa ideia uma mera conspiração alimentada por interesses obscuros e iníquos; a outra, embora admitindo que esse aquecimento global possa estar a acontecer, nega que ele resulte da ação humana e das suas interferências nos ciclos da natureza e nos equilíbrios ecológicos (ou seja, defende a tese de que as alterações climáticas resultam de causas puramente naturais e nada têm a ver com as atividades humanas).

Quem pode ter razão nestas querelas?

É bem possível, e até provável, que haja também causas puramente naturais a influenciar as mudanças do clima, embora ainda não esteja muito claro quais elas sejam. Afinal de contas, o clima na Terra não foi sempre estável antes do aparecimento da espécie humana. Houve alterações amplas na temperatura média do planeta, houve subidas e descidas do nível dos mares, houve mudanças dramáticas na meteorologia e na biosfera dos continentes. Ninguém pode seriamente acreditar que toda essa mutabilidade global tivesse a certa altura desembocado numa tendência fixa para a estabilidade climática, apenas perturbável pela ação humana recente. Mas por outro lado, tendo em consideração toda a evidência entretanto acumulada, é inegável que o impacto humano na Terra está a contribuir decisivamente para a intensidade e o ritmo das alterações climáticas atuais. Têm sido de tal ordem as transformações impostas ao planeta que elas têm afetado praticamente todos os ecossistemas e todos os ciclos naturais. Como poderia não haver graves repercussões nos diversos climas?

Esta não é uma questão ideológica, é uma questão factual. Não são teorias, são factos incontestáveis que revelam a grandeza e as repercussões das alterações em curso. As possíveis consequências delas é que poderão desafiar a imaginação. Mas não precisamos imaginar muito. Os fenómenos meteorológicos extremos que têm ocorrido ultimamente não só tornaram inegável a mudança climática como nos deram um prenúncio de como as coisas podem piorar: devastações numa escala sem precedentes provocadas por tufões, dilúvios, vagas de calor insuportáveis, cheias, incêndios arrasadores, por vezes com proporções capazes de lançar no caos países ou regiões inteiras. E numa fase posterior, mas não muito distante no tempo, capazes de destruir as nossas civilizações atuais, tal como as conhecemos.

Exagero? Não. No que toca às alterações climáticas, tudo está a ficar pior e mais depressa do que os cientistas antes previram. Como corolário lógico, as consequências dessas alterações também podem ser bem piores do que o previsto.

Travamos uma corrida contra o tempo, mas muitos dirigentes políticos não se aperceberam ainda da gravidade da situação. Continuam a pensar na mudança climática como um fenómeno gradual e anunciam sem pressas energias menos poluentes ou vagas reduções nas emissões de gases com efeito de estufa. Nenhuma dessas promessas será suficiente, ainda que todas fossem cumpridas (e muitas delas não o têm sido). Já não bastarão meras reduções nas emissões poluentes. Dado o ponto a que chegámos, só poderíamos começar a inverter o processo com novas e eficientes tecnologias de captura de carbono e soluções de geoengenharia tecnologias e soluções que ainda não possuímos.

Não basta reduzirmos as emissões de gases com efeito de estufa. Mesmo reduzidas, todas essas emissões vão acrescentar-se às que já permanecem na atmosfera, ou seja, vão agravar a situação atual. Vão ter um efeito cumulativo. E às novas emissões que fizermos vão também adicionar-se todas as emissões provocadas indiretamente pelas nossas interferências nos ciclos naturais e nos ecossistemas. Um ciclo vicioso de causas e efeitos já está em marcha e, por causa dele, tudo está a acontecer pior e mais depressa do que foi antes previsto pelos peritos mais pessimistas. Só há duas conclusões lógicas a tirar: 1ª) não temos até 2050 para atingir a neutralidade carbónica, sem antes sofrermos consequências devastadoras; 2ª) necessitamos criar e pôr em prática muito rapidamente tecnologias de captura de carbono, assim como tirar partido dos processos naturais que possam contribuir para o mesmo objetivo.

Se não encararmos a sério estes dois problemas, o nosso futuro vai tornar-se bastante sombrio – e talvez muito mais rapidamente do que pensávamos.

Como afirma o último relatório das Nações Unidas sobre este tema, “muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, senão em centenas de milhares de anos, e algumas das mudanças já em marcha — como a subida continuada do nível do mar — são irreversíveis ao longo das próximas centenas ou milhares de anos.” Ainda assim, o mesmo relatório deixa uma mensagem pela positiva: “Contudo, reduções fortes e sustentadas das emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa limitariam as alterações climáticas. Enquanto os benefícios para a qualidade do ar seriam rápidos, poderia demorar uns 20 a 30 anos para que as temperaturas globais estabilizassem.”  Será, de facto, assim?

Parece haver nesta aparente manifestação de otimismo uma certa preocupação de fugir ao alarmismo climático, talvez precisamente o contrário do que seria necessário nesta fase dos acontecimentos. A verdade incontornável é que todos os cenários mais pessimistas daquele e de outros organismos semelhantes foram largamente ultrapassados pela realidade. Isso revela que tem havido repetidamente erros metodológicos nas previsões realizadas ou que há causas atuantes no aquecimento global que não têm sido corretamente avaliadas. Talvez desconheçamos ainda algumas delas ou a teia intrincada das interações entre elas. Ou talvez se subestime o carácter exponencial dos fenómenos subjacentes às alterações climáticas. Por vezes há até conclusões nos relatórios que parecem apenas traduzir a busca de um meio-termo aceitável entre os diversos cenários propostos pelos especialistas, uma espécie de consenso razoável que não ponha em causa a sua credibilidade científica. Mas é impossível não notar algumas incongruências.

Depositar demasiadas esperanças numa forte redução das emissões poluentes é como apostar tudo num cavalo coxo. As emissões não têm parado de crescer ano após ano, mas ainda que conseguíssemos doravante reduzi-las, as novas emissões vão sempre adicionar-se às já existentes. Portanto, uma redução (mesmo que drástica) das novas emissões não significa uma redução da quantidade total de gases com efeito de estufa existentes na atmosfera. Nunca será demais insistir nisto, nem deverá quaisquer haver enganos ou ilusões quanto a isto. Tudo dependerá, afinal, do saldo positivo ou negativo que consigamos estabelecer entre o acréscimo do total acumulado de emissões e a captura de carbono que ocorra por processos naturais e artificiais. Teremos doravante uma espécie de conta-corrente com a natureza, mas precisaremos também de colaborar com ela. Porque no fim de contas, para evitar os desastres previsíveis, nós e a natureza precisaremos em conjunto de capturar mais carbono do que aquele que é libertado sob as mais diversas formas. Pela nossa parte, precisaremos não só de facilitar os processos naturais dessa captura de carbono como também de acrescentar outros criados pela nossa própria tecnologia, e ambas as coisas com a maior urgência possível. Na verdade, deixou de ser racional evitar o alarmismo, porque estamos a ficar sem tempo para evitar o pior.

Foi em 2018 que um organismo especializado das Nações Unidas publicou um relatório especial em que estimou que o planeta se encontrava então 1ºC acima dos níveis pré-industriais. Agora, três anos depois, afirma que já se encontra 1,1ºC acima desses níveis. Basta fazer as contas: se este ritmo de aquecimento se mantivesse, atingiríamos os 2ºC ainda antes de 2050, o que já de si seria assustador, pois representa ainda mais do que o mesmo organismo previra apenas há meia dúzia de anos para o final do século! Houve, portanto, uma aceleração. Mas o problema adicional é que o ritmo do aquecimento continua a acelerar, o que significa que todas as projeções feitas com base no ritmo atual cairão rapidamente por terra. Elas estão perigosamente subestimadas, por não tomarem em devida conta essa aceleração crescente.

O que implica isto para o mundo em que vivemos? Haverá certamente “cada vez mais ondas de calor, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas”. Mas se o aquecimento global chegar aos 2ºC, as ondas de calor extremas atingirão mais frequentemente os limites críticos de tolerância para a agricultura e a saúde, diz também o último relatório das Nações Unidas. Isso significa que várias zonas do planeta, espalhadas pelos diversos continentes e sem poupar nenhum, poderão chegar rapidamente a temperaturas em que a vida humana se torna impossível, gerando milhões de refugiados climáticos, muitos deles empobrecidos e desesperados.

No que concerne à subida das águas do mar, é possível que os especialistas do clima venham a ser novamente surpreendidos. Se o ritmo do aquecimento global estiver a ser subestimado, por não estar a ser devidamente contabilizada a sua crescente aceleração, isso significa que as previsões feitas para 2050 ou para o final do século podem ser atingidas muito antes. E tudo aponta para que o venham a ser, porque a situação global continua a deteriorar-se a olhos vistos. Há várias razões para isso. Eis algumas.

Ao longo das últimas décadas, as florestas e os oceanos, juntamente com os solos, têm conseguido captar mais de metade das emissões de dióxido de carbono produzidas pelas atividades humanas, usando-o em processos naturais (como a fotossíntese, por exemplo, função pela qual as plantas, as algas e algumas bactérias, em presença da luz solar, transformam dióxido de carbono e água em matéria orgânica, libertando oxigénio). Florestas e oceanos atuam, portanto, como “sorvedouros de carbono”, mas a sua capacidade de absorção tem limites e, pior do que isso, tudo indica que vão tornar-se cada vez menos eficientes ao longo das próximas décadas, além de que o aumento das emissões não será acompanhado por um aumento destes “sorvedouros”. Antes pelo contrário. As florestas estão a diminuir a um ritmo galopante, devido ao desmatamento agressivo e aos grandes incêndios florestais, abrangendo áreas cada vez mais extensas. Em muitas regiões do planeta, o abate acelerado de árvores e as queimadas intencionais têm dado lugar a campos agrícolas e a pastos para a pecuária intensiva. Como agravante, os incêndios e as queimadas libertam grandes quantidades de carbono para a atmosfera, o que atua em contracorrente com os esforços de redução das emissões industriais. Nos oceanos, assiste-se a uma rarefação do fitoplâncton, um conjunto variado de micro-organismos capazes de fotossíntese que vivem flutuando na superfície das águas (tais como algas e cianobactérias) e que não só garantem a oxigenação da água como constituem a base da cadeia alimentar aquática. Essa rarefação está também a ocorrer em muitos dos grandes rios e lagos, para além do facto de alguns deles estarem a encolher de tamanho. E a contribuição dos solos também poderá estar afetada, não apenas devido à erosão e à decomposição aceleradas, mas também devido à ação dos pesticidas e às práticas de agricultura intensiva.

O aquecimento dos oceanos é, só por si, um problema, já que o dióxido de carbono da atmosfera se dissolve mais facilmente em água fria do que em água quente. Portanto, o aquecimento das águas dificulta o processo. Também as águas superficiais transportadas dos trópicos, agora mais quentes, para as altas latitudes (incluindo as regiões polares) podem acelerar a fusão dos gelos, levando à redução da salinidade das águas superficiais e assim aumentando a estratificação entre estas e as águas das camadas inferiores, o que por sua vez reduz o movimento descendente de dióxido de carbono para o oceano profundo. Uma vez que são as diferenças de temperatura e de salinidade das águas que determinam em certa medida o trajeto das correntes oceânicas, as variações significativas de qualquer destes parâmetros podem alterar as próprias correntes e irão certamente fazê-lo. Ora a circulação oceânica desempenha um papel fundamental na regulação do clima global, já que as suas correntes são grandemente responsáveis pela transferência e redistribuição do calor, evitando que o planeta se torne mais inóspito. Portanto, a alteração dessas correntes pode desencadear mudanças drásticas no grau de habitabilidade de muitas regiões do mundo.

Mas é difícil falar dos oceanos sem referir uma das maiores tragédias que neles está a ocorrer: a acumulação de centenas de milhões de toneladas de plásticos, algo com que, segundo alguns estudos, estamos a provocar danos tais nos ambientes marinhos que talvez já tenhamos ultrapassado um ponto de não retorno. Não se trata apenas da poluição causada pelos próprios plásticos, cuja degradação leva dezenas ou centenas de anos e que em grande parte os vai progressivamente transformando em detritos mais pequenos, que os investigadores chamam genericamente “microplásticos” e que, confundindo-se ou misturando-se com o alimento de várias espécies, acabam por penetrar em muitas cadeias alimentares, incluindo a nossa. Antes de tal acontecer, estes plásticos vão absorvendo químicos que flutuam livremente no oceano, tornando-os potencialmente tóxicos. Quando são ingeridos, tornam-se duplamente nocivos e perigosos: pelos efeitos da própria ingestão do plástico, muitas vezes letal ou causadora de lesões, e pela acumulação de produtos contaminantes nas vísceras e músculos dos animais, o que faz com que se concentrem ao longo da cadeia alimentar. Uma boa parte deles, sem darmos conta, vai acabar no nosso prato.

Esta acumulação de plásticos nos rios e nos oceanos tomou tal dimensão em algumas partes do mundo que precisamos ver para crer: há rios asiáticos de tal modo cheios de detritos que já não se consegue ver a água, a ponto de quase não nos apercebermos que se trata de um rio, e nos mares formaram-se ilhas aparentes com dimensão maior que alguns países. A maior delas é a famosa Ilha de Plástico que se formou no Oceano Pacífico, entre o Havai e a Califórnia, que já tem cerca de 1,6 milhões de Km2 (uma área total quase três vezes maior que a da França ou 18 vezes a de Portugal!) e que continua a crescer.

Esta forma de poluição das águas está a afetar a sobrevivência de muitas espécies, algumas já à beira da extinção. E não sabemos ainda bem quais os seus potenciais efeitos em todos os ecossistemas marinhos, embora se adivinhe que seja uma bomba-relógio. Mas do que se fala menos é do seu potencial impacto nas alterações climáticas, porque ainda pouco se estudou a influência dos plásticos no aquecimento das águas fluviais e oceânicas. A analogia pode parecer um pouco simplista, mas é plástico que usamos para criar estufas em terra, por ele provocar retenção de calor. Havendo, como há, áreas descomunais de oceano que já têm a sua superfície completamente recoberta de detritos plásticos de todo o género, não prejudicará isso os processos térmicos aquáticos e a redistribuição do calor, não será dramaticamente afetada a fotossíntese e não estará assim posta em causa a sobrevivência do fitoplâncton nessas vastas áreas, bem como de toda a cadeia alimentar que depende dele? Eis perguntas ainda sem resposta esclarecedora. Mas ninguém se surpreenderá se vier a descobrir-se que a poluição das águas pelos plásticos está a contribuir significativamente para o aquecimento dos oceanos.

Uma das consequências desse aquecimento é o seu efeito pernicioso ou destrutivo sobre os recifes de coral em todo o mundo. Muitos corais estão a morrer em diversas latitudes, a um ritmo acelerado. Compreendemos facilmente a importância disso se pensarmos que uma em cada quatro espécies marinhas vive nos recifes de corais, incluindo cerca de 2/3 das espécies de peixe, que neles encontram abrigo, alimento e locais protegidos para a reprodução. Um dos sintomas mais óbvios do definhamento dos corais é o seu progressivo branqueamento, que traduz uma perda de interação biológica com as algas que com eles vivem em associação e que está também relacionado com o aumento de doenças nos próprios corais.

Complicando ainda mais a situação, está a ocorrer um fenómeno de acidificação dos oceanos. Isto acontece devido à grande quantidade de CO2 atmosférico, que em parte se dissolve na água, formando ácido carbónico, um composto muito instável que ao dissociar-se torna a água mais ácida. A acidificação tem um impacto negativo direto nas estruturas dos corais, cujos esqueletos são de natureza calcária, tornando-as mais frágeis e sujeitas a serem diluídas. Escusado será dizer que o definhamento e a morte dos corais, pelos seus impactos nos respetivos ecossistemas, poderão ter como resultado a diminuição drástica da quantidade de peixe nas zonas afetadas, com consequências dramáticas nas cadeias alimentares e nas pescas. Se as tempestades, as secas e a desertificação representam um risco crescente para a produção agrícola, a obtenção de alimento no mar também poderá vir a conhecer piores dias do que a crescente escassez que já hoje se faz sentir.

Escassez é sinónimo de carestia ou fome. Para as populações que extraem a sua alimentação e o seu rendimento básico diretamente da terra ou do mar, o futuro é incerto. Algumas poderão tirar partido da escassez e da carestia, outras poderão ser suas vítimas. De entre estas, algumas poderão conhecer surtos de fome e subnutrição. Mas para o grosso dos indivíduos e das famílias em quase todas as sociedades, a menor abundância na produção ou as perturbações na distribuição de bens alimentares representarão um acréscimo de custos e uma certa perda de nível de vida. Em diversas sociedades, isso poderá representar um recuo social de décadas. Contudo, perante o panorama geral resultante das alterações climáticas, esse pode bem vir a ser o menor dos males.