O PSD e o CDS estão a aprender
uma dura lição, que desde o início deveria ter sido óbvia: a de que num regime
de alternância democrática, todas as medidas de um governo podem ser revertidas
por outro. Basta que surjam circunstâncias favoráveis.
Não é certo, contudo, que o PS e
a sua escolta parlamentar já a tenham aprendido também.
Enquanto estão em posição de
força e dão largas a uma certa arrogância decisória, muitos governantes se
esquecem dessa verdade fundamental. Empenham-se em usar quase discricionariamente
o poder que detêm, dentro dos moldes institucionais em vigor e das balizas
impostas pelas coligações que lideram, esquecendo que o próprio poder tem os
seus limites temporais, por vezes mais curtos do que se imagina. E enquanto
parecem ainda longínquas as próximas eleições, perseveram no erro de acreditar
que o eleitorado tem memória curta e irá decerto relevar os vários desapontamentos
e as revoltas entretanto acumuladas, graças ao encantamento hipnótico de
algumas benesses concedidas pouco tempo antes do novo sufrágio. Por vezes,
enganam‑se.
Que sonham agora os partidos
empurrados para a oposição? Reverter muitas das medidas do actual governo. Enquanto
isso, queixam-se das reversões que este vai fazendo. Ou seja, estão na fila de
espera para a continuação de uma política de ziguezague, que só faz o país
perder tempo e recursos.
Um certa doença crónica é comum a
ambos os lados da barricada: a aversão aos consensos, a rejeição de soluções
equilibradas que não dêem depois azo a reviravoltas bruscas.
O governo anterior, e o PSD em
particular, nunca deveriam ter resvalado para um grau de insensibilidade social
que permitiu conotá-los com uma impopular orientação neoliberal, que lhes vai
ficar colada à pele por muito tempo. Deveria ter havido mais comedimento e bom
senso em muitas das decisões drásticas que foram tomadas, desde “o enorme
aumento de impostos” até ao “ir além da troika”…
Como se tem visto nos últimos
tempos, a consolidação orçamental continuou, mesmo abdicando de algumas medidas
draconianas que pareciam não ter alternativa. A austeridade de esquerda trocou
os cortes em salários e pensões por cortes nos recursos atribuídos aos serviços
públicos (e convém notar cinicamente que os assalariados e pensionistas votam, enquanto
os serviços públicos não). A carga fiscal continua elevadíssima e a dívida
pública continua a crescer, mas o actual governo teve a habilidade de trocar as
voltas a uma boa parte do descontentamento popular, diminuindo ligeiramente os
impostos directos e indo buscar mais receitas a taxas e impostos indirectos,
repondo rendimentos às pessoas e fazendo novas contratações de pessoal enquanto
cortava sem dó nem piedade na despesa de muitos departamentos estatais e no
próprio investimento público. Está provavelmente a pecar em sentido contrário
ao do governo anterior, distribuindo liberalidades por muitas clientelas do
Estado.
Mas não nos iludamos: a dívida
pública continua a crescer. O Estado continua a pedir dinheiro emprestado para
poder distribuir uma parte dele por tantos bolsos ansiosos. E os excessos que
estão a ser cometidos agora arriscam-se a ser a catapulta que um dia trará a
oposição de novo ao poder.
Ora muito do que se fez antes,
assim como muito do que se faz agora, resulta de meras bandeiras ideológicas e
das cegueiras que lhes andam associadas. As rivalidades tribais da democracia
sobrepõem-se ao bom senso.
Esquerda e direita são os dois
conceitos mais tóxicos da nossa política. São eles que nos condenam a uma
evolução económica e social em ziguezague. E o ziguezague, como nos ensina a
geometria mais elementar, está longe de ser o caminho mais curto para o
progresso.
Moral da história: este país
precisa desesperadamente de um regresso ao centro político, que entretanto
ficou quase despovoado, espécie de “terra de ninguém”. As ortodoxias de turno em
ambos os hemisférios políticos renegam categoricamente o centro-esquerda e o
centro-direita (talvez pensem que o Diabo afinal possa deambular por aí…). E
apesar de haver até algum espaço político desocupado para uma nova formação ao
centro, quando se ouve falar disso não passam de rumores pífios. Ninguém com
crédito se chega à frente.
Infelizmente, há também muita
gente que pensa que o centro político é apenas uma espécie de indecisão entre a
esquerda e a direita. Mas não é. É uma outra forma de estar na política e de
procurar soluções (em princípio, menos parciais e menos transitórias) para os
problemas.
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