sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O fraco entendimento da economia

Está a tornar-se demasiado evidente que o governo não tem, nem sequer aproximadamente, a noção da hecatombe que está prestes a provocar na economia. Os ministros responsáveis parecem comportar-se como se acreditassem que, debelada ou controlada a pandemia, uma rápida retoma acontecerá. Mas não vai acontecer. Nem em V, nem em U, nem em qualquer outra forma simétrica. 

Destruir é muito mais fácil e rápido do que reconstruir, como todas as guerras provam, e esta não será excepção. Muitas empresas irão desaparecer para sempre, muitos empresários ficarão insolventes ou descapitalizados e incapazes de retomar actividade, muitos outros já não terão confiança ou ânimo ou idade para o fazer, e muitas das cadeias de produção e abastecimento que existiam irão romper-se ou enfraquecer. Como em qualquer cadeia alimentar no mundo animal, passe a analogia, também no mundo económico as perturbações nas cadeias de transmissão de bens e serviços se repercutem a montante e a jusante.

De facto, é perigoso julgar que restrições prolongadas impostas a qualquer sector não irão provocar-lhe danos potencialmente irreversíveis ou que irão afectá-lo só a ele. E não é apenas por causa do risco de falências e despedimentos em massa. A descapitalização das empresas tem geralmente efeitos negativos duradouros no investimento e no emprego, e desse modo acaba por repercutir-se em várias direcções.

Quando um sector económico entra em declínio, ele põe também em xeque toda a sua cadeia de fornecedores, a não ser que isso seja compensado por outros sectores em expansão. E se não for? E se houver vários outros sectores em declínio mais ou menos simultâneo? Ao gerar menos rendimento (em lucros, dividendos e salários), esta conjunção negativa também irá induzir menos despesa, reduzindo outros fluxos económicos e pressionando no sentido da deflação (uma perigosa baixa generalizada de preços, por insuficiência da procura). Para além de certos limites, a forte contracção económica pode até desencadear um efeito “bola de neve”, provocando uma recessão ainda mais severa ou mesmo uma depressão.

Ora, com uma pandemia em curso, o cenário já era terrivelmente negativo à partida, apenas com a redução da mobilidade e do turismo e com o confinamento voluntário de muitas pessoas. Num tal pano de fundo, decisões políticas desastradas podem vir a ser fatais para muitos empregos, empresas e áreas de negócio, para já não falar da dramática perda de receitas fiscais pelo próprio Estado (outro pesadelo cujas consequências se irão também abater em breve sobre os contribuintes e os serviços públicos).

Poucos são os políticos que compreendem o “efeito multiplicador” das decisões que tomam sobre a economia. Quando são efectuadas despesas pelos agentes económicos, elas geram rendimentos que vão sustentar outras despesas por parte de quem os auferiu, e assim sucessivamente. Portanto, cada euro gasto gera muito mais do que isso em actividade económica. Mas quando as coisas sucedem ao contrário e os rendimentos se contraem, passando a sustentar menos despesas de investimento ou de consumo, o “efeito multiplicador” também actua, mas em sentido inverso (por isso, há economistas que preferem chamar-lhe “efeito desmultiplicador”, o que talvez seja mais apropriado). Em tais circunstâncias, cada euro gasto a menos reduz em muito mais do que isso a actividade económica, o que, em larga escala, pode ter graves consequências. Por conseguinte, quando as decisões políticas fazem contrair ainda mais os rendimentos e as despesas em ambiente de recessão, nunca se sabe ao certo onde e quando esta irá parar mas o prognóstico não é risonho.

Uma quase imediata recessão veio naturalmente em consequência da pandemia. Desde o início dela se percebeu que iria afectar gravemente a economia, mesmo sem quaisquer decisões do governo. Mas muitas das que têm sido tomadas, umas por necessidade, outras por improviso, outras por desnorte, tendem a reforçar bastante a tendência recessiva. Em breve saberemos aonde este declive acentuado nos irá levar, mas preparem-se para algo desagradável.

Entretanto, seria bom que alguém conseguisse explicar ao governo quão perigoso é continuar a pressionar tanto com o joelho o já debilitado pescoço da economia…

domingo, 13 de dezembro de 2020

(COVID-19:) Escolher entre o risco e o colapso

Estamos bem pior do que nos dizem. Não estamos literalmente entre a espada e a parede, mas é algo parecido: estamos condenados a escolher entre a saúde e a economia, ou pondo as coisas do avesso, entre a doença e o empobrecimento. Essa escolha nem sequer é em alternativa, é apenas uma questão de dosagem, porque nada nos salvará, colectivamente falando, de continuar por mais algum tempo a ter ambas em simultâneo. Podemos é precipitar mais os acontecimentos num sentido ou no outro.

Essa escolha tem como um dos seus principais efeitos dividir o país. A parte da população que tem rendimentos garantidos, com todo o pessoal político e o funcionalismo público à cabeça, tenderá naturalmente a dar prioridade à questão sanitária e será mais favorável a medidas severas de contenção ou confinamento. Todos os outros, que são mais vulneráveis nos seus rendimentos e que, para os manter em nível suficiente, dependem largamente do estado de saúde das empresas e negócios em que trabalham, tenderão a dar prioridade à questão económica, aceitando um nível maior de exposição e de risco. Para ambas as partes, são importantes a segurança e a subsistência, mas cada uma tenderá a querer proteger mais o flanco onde se sente mais vulnerável.

É portanto previsível que, à medida que a situação se arrasta, vá alastrando uma espécie de guerra civil na opinião pública e na opinião publicada, uns pugnando por restrições mais severas destinadas a conter a pandemia, outros defendendo que se está a tornar muito mais lesiva a cura do que a doença. Para aqueles que já vão tendo dificuldades em pôr comida na mesa e pagar as contas, não há grandes dúvidas: é preferível o risco ao colapso. E haverá cada vez menos tolerância para que alguém lhes imponha a escolha contrária. Esperemos que não haja demasiada gente a entrar em desespero, ou as coisas podem complicar-se nas ruas.

Não é nada fácil ser governante nos dias que correm. Mais difícil ainda se torna a tarefa se, por ignorância ou precipitação, se cometem erros sucessivos, indo ao sabor da corrente, ou desleixos graves, por manifesta imprevidência. Pior ainda se, por teimosia política, não se substituem os responsáveis que demonstraram incompetência. Mas onde se começa a desafiar o destino é quando se aceita que a demagogia se sobreponha à realidade e, principalmente, às necessidades que esta dita. E é isso que já está a acontecer.

Para começar, não nos dizem toda a verdade, nem sobre a evolução previsível da pandemia, nem sobre o inevitável afundanço da actividade económica num futuro próximo. E sempre que conveniente, mentem-nos despudoradamente. Na inconsistente tentativa de evitar o medo ou o descontentamento, não se preparam as pessoas para o pior nem se recomendam precauções financeiras. E chega-se até ao ponto de fazer publicidade enganosa nos anunciados apoios públicos às empresas em dificuldades.

Como se não bastasse, impõem-se a muitas actividades económicas restrições incomportáveis e onde por vezes falta racionalidade. De que serve encurtarem-se os horários do comércio, se depois os clientes vão aglomerar-se muito mais a fazer as suas compras nesses horários reduzidos? Por que se fecham parques e ginásios, se continuam abertas todas as escolas e universidades, onde a acumulação de gente é muito maior? Por que não deixam os restaurantes trabalhar mais livremente com as regras sanitárias estabelecidas, se afinal não há grandes alternativas para quem tem de andar quotidianamente em transportes públicos apinhados? Por que se restringe tanto a circulação na rua em certos períodos, mesmo usando máscara e viseira, se para muita gente pode ser maior o risco de contaminação em casa, onde quase ninguém usa viseira nem máscara? Qual a razão de confinamentos tão drásticos, se não tem sido possível evitar surtos alargados nem sequer onde as pessoas vivem mais confinadas, como nos lares de idosos e nas prisões? Muita gente não consegue perceber a lógica disto e, aliás, ainda ninguém conseguiu explicá-la bem.

Mais lamentável do que isso: os dirigentes políticos revelam um considerável desnorte, actuando com sucessivos avanços e recuos, ora dizendo e fazendo uma coisa, ora o seu contrário. Já se percebeu que não estão, de modo nenhum, capacitados para conduzir-nos nesta adversidade. Limitam-se, pois, a fazer o que está ao seu alcance: tentar apaziguar a população, limitar os danos políticos e salvar as carreiras.

Desde o início, a gestão desta crise tem sido desastrada. Se não houver mais bom senso nas decisões políticas, tornar-se-á desastrosa. E é para lá que caminhamos. O fraco entendimento dos mecanismos da economia, tão usual nos governos de esquerda ou de centro-esquerda, tem feito com que se decretem medidas excessivas, cujos efeitos já estão a ser tremendos e que se tornarão em breve devastadores.

Porém, de que servem os numerosos alertas para políticos impreparados que não são capazes de antecipar as prováveis consequências do que decidem? Como persuadi-los de que estão a ir longe demais nas restrições económicas que arbitrariamente impõem e que a fatura a pagar vai ser demasiado pesada para o país (ou, pelo menos, para metade dele)? Nada os demove, a não ser as sondagens e a pressão mediática. Como explicar-lhes, de maneira que eles entendam, que não se pode asfixiar a economia por causa da questão sanitária? Se nada se fizesse, esta pandemia poderia ser fatal para cerca de dois por cento da população; fazendo demais, o colapso económico poderá vir a ser fatal para muito mais gente e sob várias formas. Será assim tão difícil encontrar um meio-termo equilibrado, sem relaxamentos nem garrotes?

Pecar por excesso pode ser tão mau como pecar por defeito. Ou até pior. Entre as duas opções, venha o diabo e escolha. Mas quem começou por pecar por defeito e acaba a pecar por excesso, como este governo tem feito, peca duplamente. O castigo do inferno, no entanto, talvez venha a ficar apenas para os governados, ou mais exactamente, para aquela metade deles que não vive à sombra do Estado.

sábado, 12 de dezembro de 2020

COVID-19: Escolher entre o risco e o colapso

Estamos bem pior do que nos dizem. Não estamos literalmente entre a espada e a parede, mas é algo parecido: estamos condenados a escolher entre a saúde e a economia, ou pondo as coisas do avesso, entre a doença e o empobrecimento. Essa escolha nem sequer é em alternativa, é apenas uma questão de dosagem, porque nada nos salvará, colectivamente falando, de continuar por mais algum tempo a ter ambas em simultâneo. Podemos é precipitar mais os acontecimentos num sentido ou no outro.

Essa escolha tem como um dos seus principais efeitos dividir o país. A parte da população que tem rendimentos garantidos, com todo o pessoal político e o funcionalismo público à cabeça, tenderá naturalmente a dar prioridade à questão sanitária e será mais favorável a medidas severas de contenção ou confinamento. Todos os outros, que são mais vulneráveis nos seus rendimentos e que, para os manter em nível suficiente, dependem largamente do estado de saúde das empresas e negócios em que trabalham, tenderão a dar prioridade à questão económica, aceitando um nível maior de exposição e de risco. Para ambas as partes, são importantes a segurança e a subsistência, mas cada uma tenderá a querer proteger mais o flanco onde se sente mais vulnerável.

É portanto previsível que, à medida que a situação se arrasta, vá alastrando uma espécie de guerra civil na opinião pública e na opinião publicada, uns pugnando por restrições mais severas destinadas a conter a pandemia, outros defendendo que se está a tornar muito mais lesiva a cura do que a doença. Para aqueles que já vão tendo dificuldades em pôr comida na mesa e pagar as contas, não há grandes dúvidas: é preferível o risco ao colapso. E haverá cada vez menos tolerância para que alguém lhes imponha a escolha contrária. Esperemos que não haja demasiada gente a entrar em desespero, ou as coisas podem complicar-se nas ruas.

Não é nada fácil ser governante nos dias que correm. Mais difícil ainda se torna a tarefa se, por ignorância ou precipitação, se cometem erros sucessivos, indo ao sabor da corrente, ou desleixos graves, por manifesta imprevidência. Pior ainda se, por teimosia política, não se substituem os responsáveis que demonstraram incompetência. Mas onde se começa a desafiar o destino é quando se aceita que a demagogia se sobreponha à realidade e, principalmente, às necessidades que esta dita. E é isso que já está a acontecer.

Para começar, não nos dizem toda a verdade, nem sobre a evolução previsível da pandemia, nem sobre o inevitável afundanço da actividade económica num futuro próximo. E sempre que conveniente, mentem-nos despudoradamente. Na inconsistente tentativa de evitar o medo ou o descontentamento, não se preparam as pessoas para o pior nem se recomendam precauções financeiras. E chega-se até ao ponto de fazer publicidade enganosa nos anunciados apoios públicos às empresas em dificuldades.

Como se não bastasse, impõem-se a muitas actividades económicas restrições incomportáveis e onde por vezes falta racionalidade. De que serve encurtarem-se os horários do comércio, se depois os clientes vão aglomerar-se muito mais a fazer as suas compras nesses horários reduzidos? Por que se fecham parques e ginásios, se continuam abertas todas as escolas e universidades, onde a acumulação de gente é muito maior? Por que não deixam os restaurantes trabalhar mais livremente com as regras sanitárias estabelecidas, se afinal não há grandes alternativas para quem tem de andar quotidianamente em transportes públicos apinhados? Por que se restringe tanto a circulação na rua em certos períodos, mesmo usando máscara e viseira, se para muita gente pode ser maior o risco de contaminação em casa, onde quase ninguém usa viseira nem máscara? Qual a razão de confinamentos tão drásticos, se não tem sido possível evitar surtos alargados nem sequer onde as pessoas vivem mais confinadas, como nos lares de idosos e nas prisões? Muita gente não consegue perceber a lógica disto e, aliás, ainda ninguém conseguiu explicá-la bem.

Mais lamentável do que isso: os dirigentes políticos revelam um considerável desnorte, actuando com sucessivos avanços e recuos, ora dizendo e fazendo uma coisa, ora o seu contrário. Já se percebeu que não estão, de modo nenhum, capacitados para conduzir-nos nesta adversidade. Limitam-se, pois, a fazer o que está ao seu alcance: tentar apaziguar a população, limitar os danos políticos e salvar as carreiras.

Desde o início, a gestão desta crise tem sido desastrada. Se não houver mais bom senso nas decisões políticas, tornar-se-á desastrosa. E é para lá que caminhamos. O fraco entendimento dos mecanismos da economia, tão usual nos governos de esquerda ou de centro-esquerda, tem feito com que se decretem medidas excessivas, cujos efeitos já estão a ser tremendos e que se tornarão em breve devastadores.

Porém, de que servem os numerosos alertas para políticos impreparados que não são capazes de antecipar as prováveis consequências do que decidem? Como persuadi-los de que estão a ir longe demais nas restrições económicas que arbitrariamente impõem e que a fatura a pagar vai ser demasiado pesada para o país (ou, pelo menos, para metade dele)? Nada os demove, a não ser as sondagens e a pressão mediática. Como explicar-lhes, de maneira que eles entendam, que não se pode asfixiar a economia por causa da questão sanitária? Se nada se fizesse, esta pandemia poderia ser fatal para cerca de dois por cento da população; fazendo demais, o colapso económico poderá vir a ser fatal para muito mais gente e sob várias formas. Será assim tão difícil encontrar um meio-termo equilibrado, sem relaxamentos nem garrotes?

Pecar por excesso pode ser tão mau como pecar por defeito. Ou até pior. Entre as duas opções, venha o diabo e escolha. Mas quem começou por pecar por defeito e acaba a pecar por excesso, como este governo tem feito, peca duplamente. O castigo do inferno, no entanto, talvez venha a ficar apenas para os governados, ou mais exactamente, para aquela metade deles que não vive à sombra do Estado.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Como tem sido a gestão da pandemia? Boa ou má?

Não hesito em dizê-lo: péssima. E por que se pode dizer isto? Se formos capazes de examinar o assunto sem antolhos partidários, não é difícil descobrir a imprevidência, a falta de estratégia e planeamento, a escassa capacidade organizativa, a cegueira ideológica, o espírito tribal e até mesmo a insensibilidade social com que o combate à pandemia tem sido conduzido. Eu explico.

A imprevidência. Começou com a desvalorização inicial da pandemia antes de ela cá chegar, a insuficiente provisão de materiais sanitários e de protecção para enfrentá-la, a deficiente preparação da assistência clínica que viria a ser necessária quando chegasse. Ainda nos lembramos que, quando surgiram os primeiros casos suspeitos, quase ninguém (incluindo o INEM e a esmagadora maioria dos profissionais de saúde) tinha ainda recebido instruções sobre o que deveria fazer. Não se tomaram medidas especiais de protecção àqueles que já então se sabia serem os grupos de maior risco (os imunodeprimidos, certos doentes crónicos e os idosos). Não se apertou a fiscalização nos lares de terceira idade nem se montaram a tempo os procedimentos adequados. Não se reorganizaram as unidades hospitalares para poderem continuar a acolher todas as patologias. Durante várias semanas, nem sequer se fez qualquer controlo sanitário nas fronteiras e nos aeroportos. E mais recentemente, a mesma imprevidência voltou a dar nas vistas com o aparecimento da segunda vaga. Embora soubesse que ela viria, o governo pouco ou nada preveniu a tempo, nem sequer a necessária articulação com os hospitais privados para quando a capacidade de internamento do SNS se esgotasse. É nessa situação que estamos ainda hoje, agravada por uma deficiente provisão de vacinas para a gripe sazonal, pois que o ministério responsável não procurou sequer satisfazer as encomendas das farmácias e a maior procura previsível, e quando vier o frio a sério, esse desleixo irá congestionar ainda mais o atendimento nas unidades de saúde.

A falta de estratégia e de planeamento. Manifestou-se logo, por exemplo, com o primeiro estado de emergência, precipitado e excessivamente rigoroso, promovido por um Presidente confessadamente hipocondríaco quando ainda só havia umas escassas dezenas de casos, um único óbito e pouquíssimos concelhos afectados. Decretou-se de imediato um confinamento geral ainda então desnecessário, prematuro, sem qualquer segmentação etária ou geográfica e com exageradíssima limitação das actividades económicas. Resultado: em termos financeiros, com o suporte às políticas de lay-off postas em prática, o Estado gastou a maior parte das munições antes do tempo, quando o inimigo ainda mal acabara de surgir no horizonte e antes de a grande batalha começar. Agora que começou, tem poucos meios para a travar. A situação está indubitavelmente muito pior, mas há muito menos recursos orçamentais.

A escassa capacidade organizativa. Desde a pouca fiabilidade das estatísticas oficiais, resultante da deficiente recolha e tratamento de dados, até ao descalabro que tem sido a assistência a todas as doenças não-covid, provocando uma mortalidade colateral pior que a da própria pandemia, muita coisa revelou a lamentável incapacidade dos responsáveis políticos e dos organismos governamentais para organizar e estruturar soluções. Acrescente-se ainda o atraso na organização logística da distribuição e administração das vacinas, a falta de coordenação inter-hospitalar na distribuição e transferência de doentes, a má administração dos recursos humanos que se tem traduzido na escassez de médicos e enfermeiros e no seu esgotamento físico, a balbúrdia em que se tornou o atendimento em muitos centros de saúde, a ineficiência no funcionamento de inúmeros serviços públicos (incluindo a máquina fiscal e a segurança social), até mesmo a falta de fiscalização que se traduz no aproveitamento abusivo dos subsídios por muitos oportunistas consentidos (incluindo os que recorrem aos apoios sociais apesar de manterem actividades profissionais plenamente remuneradas, mas não declaradas).

A cegueira ideológica. Manifestou-se cedo na recusa obstinada em articular os recursos do SNS com os das clínicas e hospitais privados e, mais recentemente, na recusa persistente de articular com as farmácias a distribuição e administração das vacinas anti-covid, apenas (ou sobretudo) por causa da preocupação obsessiva de não dar dinheiro a ganhar aos privados, por muito que isso se traduza em perda de eficiência e de vidas. E havendo tantos milhões de pessoas a vacinar, ao longo de meses, sem a colaboração das farmácias será inevitável que a administração das vacinas seja muito mais lenta e penosa para os utentes, e demasiado tardia para muitos deles. Eis como o dogmatismo deita por terra o humanismo.

O espírito tribal. Podemos detectá-lo no modo como o governo, mesmo numa situação inusitada de emergência e de crise, mantém completamente protegidos e intocados os rendimentos das clientelas políticas de onde mais espera obter votos no futuro (pessoal político, funcionalismo público, professores, pensionistas, et cetera) e deixa tendencionalmente ao abandono ou em agonia, por insuficiência de recursos, profissões e sectores inteiros de actividade de cariz privado (gestores, empresários em nome individual, senhorios, trabalhadores por conta própria, profissões liberais, bem como os sectores da restauração, da hotelaria, da cultura e do entretenimento), como se estes devessem ficar por sua conta e risco, pagando desse modo o preço de serem independentes do Estado. Mas na verdade, a partir do momento em que o Estado se intrometeu na sua actividade com restrições e confinamentos arbitrários, deixaram de o ser. Não obstante, continuam a sofrer da discriminação entre o público e o privado. Apesar da escassez de recursos financeiros, só este último está a sofrer economicamente com a crise. E os apoios que lhe são disponibilizados, quando o são, vêm maioritariamente na forma de linhas de crédito, o que significa acumular às dívidas e aos prejuízos ainda mais dívida e mais risco de insolvência.

A insensibilidade social. Sim, manifesta-se também na desprotecção a que têm sido votadas as profissões e actividades que não sejam por conta de outrem. As hostes socialistas sempre abominaram a iniciativa privada e agora penalizam-na deliberadamente ou de modo negligente, indiferentes ao sofrimento que provoquem e ao estertor económico que daí resulte. Diversos sectores forçados a parar ou reduzir actividade não têm sido apoiados, algumas actividades são intencionalmente desprezadas ou desfavorecidas e, como prova maior da insensibilidade aos danos pessoais que a má gestão da pandemia tem provocado, tem-se feito vista grossa às muitas falências iminentes e nem sequer as pessoas desesperadas em greve de fome são facilmente recebidas para uma simples reunião pelo ministério da tutela. O governo, fiel à sua linha ideológica, tem procurado defender o emprego assalariado, mas não o auto-emprego, não os donos das pequenas e microempresas que compõem uma percentagem considerável da economia real. Dito de outro modo: tem procurado proteger o emprego assalariado, não os negócios que o geram, cujos custos estão muito longe de ser apenas os do trabalho.

Tudo somado, temos aqui a tradicional gestão socialista no seu melhor: irrealismo, improviso, descoordenação, enviesamento ideológico, remediar em vez de prevenir. No seu pior, já sabemos sobejamente quantas economias conduziu ao colapso por esse mundo fora, ao longo de várias gerações, na tentativa insana e inglória de construir utopias que não levam em conta a "natureza humana" (seja lá ela o que for).

sábado, 5 de dezembro de 2020

COVID-19: A péssima gestão da pandemia

Não hesito em dizê-lo: péssima. E por que se pode dizer isto? Se formos capazes de examinar o assunto sem antolhos partidários, não é difícil descobrir a imprevidência, a falta de estratégia e planeamento, a escassa capacidade organizativa, a cegueira ideológica, o espírito tribal e até mesmo a insensibilidade social com que o combate à pandemia tem sido conduzido. Eu explico.

A imprevidência. Começou com a desvalorização inicial da pandemia antes de ela cá chegar, a insuficiente provisão de materiais sanitários e de protecção para enfrentá-la, a deficiente preparação da assistência clínica que viria a ser necessária quando chegasse. Ainda nos lembramos que, quando surgiram os primeiros casos suspeitos, quase ninguém (incluindo o INEM e a esmagadora maioria dos profissionais de saúde) tinha ainda recebido instruções sobre o que deveria fazer. Não se tomaram medidas especiais de protecção àqueles que já então se sabia serem os grupos de maior risco (os imunodeprimidos, certos doentes crónicos e os idosos). Não se apertou a fiscalização nos lares de terceira idade nem se montaram a tempo os procedimentos adequados. Não se reorganizaram as unidades hospitalares para poderem continuar a acolher todas as patologias. Durante várias semanas, nem sequer se fez qualquer controlo sanitário nas fronteiras e nos aeroportos. E mais recentemente, a mesma imprevidência voltou a dar nas vistas com o aparecimento da segunda vaga. Embora soubesse que ela viria, o governo pouco ou nada preveniu a tempo, nem sequer a necessária articulação com os hospitais privados para quando a capacidade de internamento do SNS se esgotasse. É nessa situação que estamos ainda hoje, agravada por uma deficiente provisão de vacinas para a gripe sazonal, pois que o ministério responsável não procurou sequer satisfazer as encomendas das farmácias e a maior procura previsível, e quando vier o frio a sério, esse desleixo irá congestionar ainda mais o atendimento nas unidades de saúde.

A falta de estratégia e de planeamento. Manifestou-se logo, por exemplo, com o primeiro estado de emergência, precipitado e excessivamente rigoroso, promovido por um Presidente confessadamente hipocondríaco quando ainda só havia umas escassas dezenas de casos, um único óbito e pouquíssimos concelhos afectados. Decretou-se de imediato um confinamento geral ainda então desnecessário, prematuro, sem qualquer segmentação etária ou geográfica e com exageradíssima limitação das actividades económicas. Resultado: em termos financeiros, com o suporte às políticas de lay-off postas em prática, o Estado gastou a maior parte das munições antes do tempo, quando o inimigo ainda mal acabara de surgir no horizonte e antes de a grande batalha começar. Agora que começou, tem poucos meios para a travar. A situação está indubitavelmente muito pior, mas há muito menos recursos orçamentais.

A escassa capacidade organizativa. Desde a pouca fiabilidade das estatísticas oficiais, resultante da deficiente recolha e tratamento de dados, até ao descalabro que tem sido a assistência a todas as doenças não-covid, provocando uma mortalidade colateral pior que a da própria pandemia, muita coisa revelou a lamentável incapacidade dos responsáveis políticos e dos organismos governamentais para organizar e estruturar soluções. Acrescente-se ainda o atraso na organização logística da distribuição e administração das vacinas, a falta de coordenação inter-hospitalar na distribuição e transferência de doentes, a má administração dos recursos humanos que se tem traduzido na escassez de médicos e enfermeiros e no seu esgotamento físico, a balbúrdia em que se tornou o atendimento em muitos centros de saúde, a ineficiência no funcionamento de inúmeros serviços públicos (incluindo a máquina fiscal e a segurança social), até mesmo a falta de fiscalização que se traduz no aproveitamento abusivo dos subsídios por muitos oportunistas consentidos (incluindo os que recorrem aos apoios sociais apesar de manterem actividades profissionais plenamente remuneradas, mas não declaradas).

A cegueira ideológica. Manifestou-se cedo na recusa obstinada em articular os recursos do SNS com os das clínicas e hospitais privados e, mais recentemente, na recusa persistente de articular com as farmácias a distribuição e administração das vacinas anti-covid, apenas (ou sobretudo) por causa da preocupação obsessiva de não dar dinheiro a ganhar aos privados, por muito que isso se traduza em perda de eficiência e de vidas. E havendo tantos milhões de pessoas a vacinar, ao longo de meses, sem a colaboração das farmácias será inevitável que a administração das vacinas seja muito mais lenta e penosa para os utentes, e demasiado tardia para muitos deles. Eis como o dogmatismo deita por terra o humanismo.

O espírito tribal. Podemos detectá-lo no modo como o governo, mesmo numa situação inusitada de emergência e de crise, mantém completamente protegidos e intocados os rendimentos das clientelas políticas de onde mais espera obter votos no futuro (pessoal político, funcionalismo público, professores, pensionistas, et cetera) e deixa tendencionalmente ao abandono ou em agonia, por insuficiência de recursos, profissões e sectores inteiros de actividade de cariz privado (gestores, empresários em nome individual, senhorios, trabalhadores por conta própria, profissões liberais, bem como os sectores da restauração, da hotelaria, da cultura e do entretenimento), como se estes devessem ficar por sua conta e risco, pagando desse modo o preço de serem independentes do Estado. Mas na verdade, a partir do momento em que o Estado se intrometeu na sua actividade com restrições e confinamentos arbitrários, deixaram de o ser. Não obstante, continuam a sofrer da discriminação entre o público e o privado. Apesar da escassez de recursos financeiros, só este último está a sofrer economicamente com a crise. E os apoios que lhe são disponibilizados, quando o são, vêm maioritariamente na forma de linhas de crédito, o que significa acumular às dívidas e aos prejuízos ainda mais dívida e mais risco de insolvência.

A insensibilidade social. Sim, manifesta-se também na desprotecção a que têm sido votadas as profissões e actividades que não sejam por conta de outrem. As hostes socialistas sempre abominaram a iniciativa privada e agora penalizam-na deliberadamente ou de modo negligente, indiferentes ao sofrimento que provoquem e ao estertor económico que daí resulte. Diversos sectores forçados a parar ou reduzir actividade não têm sido apoiados, algumas actividades são intencionalmente desprezadas ou desfavorecidas e, como prova maior da insensibilidade aos danos pessoais que a má gestão da pandemia tem provocado, tem-se feito vista grossa às muitas falências iminentes e nem sequer as pessoas desesperadas em greve de fome são facilmente recebidas para uma simples reunião pelo ministério da tutela. O governo, fiel à sua linha ideológica, tem procurado defender o emprego assalariado, mas não o auto-emprego, não os donos das pequenas e microempresas que compõem uma percentagem considerável da economia real. Dito de outro modo: tem procurado proteger o emprego assalariado, não os negócios que o geram, cujos custos estão muito longe de ser apenas os do trabalho.

Tudo somado, temos aqui a tradicional gestão socialista no seu melhor: irrealismo, improviso, descoordenação, enviesamento ideológico, remediar em vez de prevenir. No seu pior, já sabemos sobejamente quantas economias conduziu ao colapso por esse mundo fora, ao longo de várias gerações, na tentativa insana e inglória de construir a “sociedade socialista”, a dos amanhãs que deveriam cantar, mas que, muito antes disso, ficaram afónicos ou com a voz rouca… E nem sequer foram necessárias pandemias para ajudar ao descalabro.