Não hesito em dizê-lo: péssima. E
por que se pode dizer isto? Se formos capazes de examinar o assunto sem
antolhos partidários, não é difícil descobrir a imprevidência, a falta de estratégia
e planeamento, a escassa capacidade organizativa, a cegueira ideológica, o
espírito tribal e até mesmo a insensibilidade
social com que o combate à pandemia tem sido conduzido. Eu explico.
A imprevidência. Começou com a
desvalorização inicial da pandemia antes de ela cá chegar, a insuficiente
provisão de materiais sanitários e de protecção para enfrentá-la, a deficiente
preparação da assistência clínica que viria a ser necessária quando chegasse.
Ainda nos lembramos que, quando surgiram os primeiros casos suspeitos, quase
ninguém (incluindo o INEM e a esmagadora maioria dos profissionais de saúde)
tinha ainda recebido instruções sobre o que deveria fazer. Não se tomaram
medidas especiais de protecção àqueles que já então se sabia serem os grupos de
maior risco (os imunodeprimidos, certos doentes crónicos e os idosos). Não se apertou
a fiscalização nos lares de terceira idade nem se montaram a tempo os
procedimentos adequados. Não se reorganizaram as unidades hospitalares para poderem
continuar a acolher todas as patologias. Durante várias semanas, nem sequer se
fez qualquer controlo sanitário nas fronteiras e nos aeroportos. E mais
recentemente, a mesma imprevidência voltou a dar nas vistas com o aparecimento
da segunda vaga. Embora soubesse que ela viria, o governo pouco ou nada
preveniu a tempo, nem sequer a necessária articulação com os hospitais privados
para quando a capacidade de internamento do SNS se esgotasse. É nessa situação
que estamos ainda hoje, agravada por uma deficiente provisão de vacinas para a
gripe sazonal, pois que o ministério responsável não procurou sequer satisfazer as encomendas
das farmácias e a maior procura previsível, e quando vier o frio a sério, esse
desleixo irá congestionar ainda mais o atendimento nas unidades de saúde.
A falta de estratégia e de planeamento.
Manifestou-se logo, por exemplo, com o primeiro estado de emergência, precipitado e
excessivamente rigoroso, promovido por um Presidente confessadamente
hipocondríaco quando ainda só havia umas escassas dezenas de casos, um único
óbito e pouquíssimos concelhos afectados. Decretou-se de imediato um confinamento
geral ainda então desnecessário, prematuro, sem qualquer segmentação etária ou
geográfica e com exageradíssima limitação das actividades económicas.
Resultado: em termos financeiros, com o suporte às políticas de lay-off postas em prática, o Estado gastou a maior parte das munições
antes do tempo, quando o inimigo ainda mal acabara de surgir no horizonte e
antes de a grande batalha começar. Agora que começou, tem poucos meios para a
travar. A situação está indubitavelmente muito pior, mas há muito menos
recursos orçamentais.
A escassa capacidade organizativa.
Desde a pouca fiabilidade das estatísticas oficiais, resultante da deficiente
recolha e tratamento de dados, até ao descalabro que tem sido a assistência a
todas as doenças não-covid, provocando uma mortalidade colateral pior que a da
própria pandemia, muita coisa revelou a lamentável incapacidade dos
responsáveis políticos e dos organismos governamentais para organizar e
estruturar soluções. Acrescente-se ainda o atraso na organização logística da
distribuição e administração das vacinas, a falta de coordenação
inter-hospitalar na distribuição e transferência de doentes, a má administração
dos recursos humanos que se tem traduzido na escassez de médicos e enfermeiros
e no seu esgotamento físico, a balbúrdia em que se tornou o atendimento em
muitos centros de saúde, a ineficiência no funcionamento de inúmeros serviços
públicos (incluindo a máquina fiscal e a segurança social), até mesmo a falta
de fiscalização que se traduz no aproveitamento abusivo dos subsídios por
muitos oportunistas consentidos (incluindo os que recorrem aos apoios sociais apesar
de manterem actividades profissionais plenamente remuneradas, mas não
declaradas).
A cegueira ideológica.
Manifestou-se cedo na recusa obstinada em articular os recursos do SNS com os
das clínicas e hospitais privados e, mais recentemente, na recusa persistente de
articular com as farmácias a distribuição e administração das vacinas
anti-covid, apenas (ou sobretudo) por causa da preocupação obsessiva de não dar
dinheiro a ganhar aos privados, por muito que isso se traduza em perda de
eficiência e de vidas. E havendo tantos milhões de pessoas a vacinar, ao longo
de meses, sem a colaboração das farmácias será inevitável que a administração
das vacinas seja muito mais lenta e penosa para os utentes, e demasiado tardia
para muitos deles. Eis como o dogmatismo deita por terra o humanismo.
O espírito tribal. Podemos
detectá-lo no modo como o governo, mesmo numa situação inusitada de emergência
e de crise, mantém completamente protegidos e intocados os rendimentos das
clientelas políticas de onde mais espera obter votos no futuro (pessoal
político, funcionalismo público, professores, pensionistas, et cetera) e
deixa tendencionalmente ao abandono ou em agonia, por insuficiência de
recursos, profissões e sectores inteiros de actividade de cariz privado
(gestores, empresários em nome individual, senhorios, trabalhadores por conta
própria, profissões liberais, bem como os sectores da restauração, da
hotelaria, da cultura e do entretenimento), como se estes devessem ficar por
sua conta e risco, pagando desse modo o preço de serem independentes do Estado.
Mas na verdade, a partir do momento em que o Estado se intrometeu na sua
actividade com restrições e confinamentos arbitrários, deixaram de o ser. Não
obstante, continuam a sofrer da discriminação entre o público e o privado. Apesar
da escassez de recursos financeiros, só este último está a sofrer economicamente
com a crise. E os apoios que lhe são disponibilizados, quando o são, vêm maioritariamente
na forma de linhas de crédito, o que significa acumular às dívidas e aos prejuízos
ainda mais dívida e mais risco de insolvência.
A insensibilidade social. Sim, manifesta-se
também na desprotecção a que têm sido votadas as profissões e actividades que
não sejam por conta de outrem. As hostes socialistas sempre abominaram a
iniciativa privada e agora penalizam-na deliberadamente ou de modo negligente,
indiferentes ao sofrimento que provoquem e ao estertor económico que daí
resulte. Diversos sectores forçados a parar ou reduzir actividade não têm sido apoiados,
algumas actividades são intencionalmente desprezadas ou desfavorecidas e, como
prova maior da insensibilidade aos danos pessoais que a má gestão da pandemia
tem provocado, tem-se feito vista grossa às muitas falências iminentes e nem sequer as
pessoas desesperadas em greve de fome são facilmente recebidas para uma simples
reunião pelo ministério da tutela. O governo, fiel à sua linha ideológica, tem
procurado defender o emprego assalariado, mas não o auto-emprego, não os
donos das pequenas e microempresas que compõem uma percentagem considerável da
economia real. Dito de outro modo: tem procurado proteger o emprego
assalariado, não os negócios que o geram, cujos custos estão muito longe
de ser apenas os do trabalho.
Tudo somado, temos aqui a tradicional gestão
socialista no seu melhor: irrealismo, improviso, descoordenação, enviesamento ideológico,
remediar em vez de prevenir. No seu pior, já sabemos sobejamente quantas
economias conduziu ao colapso por esse mundo fora, ao longo de várias gerações,
na tentativa insana e inglória de construir a “sociedade socialista”, a dos
amanhãs que deveriam cantar, mas que, muito antes disso, ficaram afónicos ou com
a voz rouca… E nem sequer foram necessárias pandemias para ajudar ao descalabro.
Sem comentários:
Enviar um comentário