sábado, 5 de dezembro de 2020

COVID-19: A péssima gestão da pandemia

Não hesito em dizê-lo: péssima. E por que se pode dizer isto? Se formos capazes de examinar o assunto sem antolhos partidários, não é difícil descobrir a imprevidência, a falta de estratégia e planeamento, a escassa capacidade organizativa, a cegueira ideológica, o espírito tribal e até mesmo a insensibilidade social com que o combate à pandemia tem sido conduzido. Eu explico.

A imprevidência. Começou com a desvalorização inicial da pandemia antes de ela cá chegar, a insuficiente provisão de materiais sanitários e de protecção para enfrentá-la, a deficiente preparação da assistência clínica que viria a ser necessária quando chegasse. Ainda nos lembramos que, quando surgiram os primeiros casos suspeitos, quase ninguém (incluindo o INEM e a esmagadora maioria dos profissionais de saúde) tinha ainda recebido instruções sobre o que deveria fazer. Não se tomaram medidas especiais de protecção àqueles que já então se sabia serem os grupos de maior risco (os imunodeprimidos, certos doentes crónicos e os idosos). Não se apertou a fiscalização nos lares de terceira idade nem se montaram a tempo os procedimentos adequados. Não se reorganizaram as unidades hospitalares para poderem continuar a acolher todas as patologias. Durante várias semanas, nem sequer se fez qualquer controlo sanitário nas fronteiras e nos aeroportos. E mais recentemente, a mesma imprevidência voltou a dar nas vistas com o aparecimento da segunda vaga. Embora soubesse que ela viria, o governo pouco ou nada preveniu a tempo, nem sequer a necessária articulação com os hospitais privados para quando a capacidade de internamento do SNS se esgotasse. É nessa situação que estamos ainda hoje, agravada por uma deficiente provisão de vacinas para a gripe sazonal, pois que o ministério responsável não procurou sequer satisfazer as encomendas das farmácias e a maior procura previsível, e quando vier o frio a sério, esse desleixo irá congestionar ainda mais o atendimento nas unidades de saúde.

A falta de estratégia e de planeamento. Manifestou-se logo, por exemplo, com o primeiro estado de emergência, precipitado e excessivamente rigoroso, promovido por um Presidente confessadamente hipocondríaco quando ainda só havia umas escassas dezenas de casos, um único óbito e pouquíssimos concelhos afectados. Decretou-se de imediato um confinamento geral ainda então desnecessário, prematuro, sem qualquer segmentação etária ou geográfica e com exageradíssima limitação das actividades económicas. Resultado: em termos financeiros, com o suporte às políticas de lay-off postas em prática, o Estado gastou a maior parte das munições antes do tempo, quando o inimigo ainda mal acabara de surgir no horizonte e antes de a grande batalha começar. Agora que começou, tem poucos meios para a travar. A situação está indubitavelmente muito pior, mas há muito menos recursos orçamentais.

A escassa capacidade organizativa. Desde a pouca fiabilidade das estatísticas oficiais, resultante da deficiente recolha e tratamento de dados, até ao descalabro que tem sido a assistência a todas as doenças não-covid, provocando uma mortalidade colateral pior que a da própria pandemia, muita coisa revelou a lamentável incapacidade dos responsáveis políticos e dos organismos governamentais para organizar e estruturar soluções. Acrescente-se ainda o atraso na organização logística da distribuição e administração das vacinas, a falta de coordenação inter-hospitalar na distribuição e transferência de doentes, a má administração dos recursos humanos que se tem traduzido na escassez de médicos e enfermeiros e no seu esgotamento físico, a balbúrdia em que se tornou o atendimento em muitos centros de saúde, a ineficiência no funcionamento de inúmeros serviços públicos (incluindo a máquina fiscal e a segurança social), até mesmo a falta de fiscalização que se traduz no aproveitamento abusivo dos subsídios por muitos oportunistas consentidos (incluindo os que recorrem aos apoios sociais apesar de manterem actividades profissionais plenamente remuneradas, mas não declaradas).

A cegueira ideológica. Manifestou-se cedo na recusa obstinada em articular os recursos do SNS com os das clínicas e hospitais privados e, mais recentemente, na recusa persistente de articular com as farmácias a distribuição e administração das vacinas anti-covid, apenas (ou sobretudo) por causa da preocupação obsessiva de não dar dinheiro a ganhar aos privados, por muito que isso se traduza em perda de eficiência e de vidas. E havendo tantos milhões de pessoas a vacinar, ao longo de meses, sem a colaboração das farmácias será inevitável que a administração das vacinas seja muito mais lenta e penosa para os utentes, e demasiado tardia para muitos deles. Eis como o dogmatismo deita por terra o humanismo.

O espírito tribal. Podemos detectá-lo no modo como o governo, mesmo numa situação inusitada de emergência e de crise, mantém completamente protegidos e intocados os rendimentos das clientelas políticas de onde mais espera obter votos no futuro (pessoal político, funcionalismo público, professores, pensionistas, et cetera) e deixa tendencionalmente ao abandono ou em agonia, por insuficiência de recursos, profissões e sectores inteiros de actividade de cariz privado (gestores, empresários em nome individual, senhorios, trabalhadores por conta própria, profissões liberais, bem como os sectores da restauração, da hotelaria, da cultura e do entretenimento), como se estes devessem ficar por sua conta e risco, pagando desse modo o preço de serem independentes do Estado. Mas na verdade, a partir do momento em que o Estado se intrometeu na sua actividade com restrições e confinamentos arbitrários, deixaram de o ser. Não obstante, continuam a sofrer da discriminação entre o público e o privado. Apesar da escassez de recursos financeiros, só este último está a sofrer economicamente com a crise. E os apoios que lhe são disponibilizados, quando o são, vêm maioritariamente na forma de linhas de crédito, o que significa acumular às dívidas e aos prejuízos ainda mais dívida e mais risco de insolvência.

A insensibilidade social. Sim, manifesta-se também na desprotecção a que têm sido votadas as profissões e actividades que não sejam por conta de outrem. As hostes socialistas sempre abominaram a iniciativa privada e agora penalizam-na deliberadamente ou de modo negligente, indiferentes ao sofrimento que provoquem e ao estertor económico que daí resulte. Diversos sectores forçados a parar ou reduzir actividade não têm sido apoiados, algumas actividades são intencionalmente desprezadas ou desfavorecidas e, como prova maior da insensibilidade aos danos pessoais que a má gestão da pandemia tem provocado, tem-se feito vista grossa às muitas falências iminentes e nem sequer as pessoas desesperadas em greve de fome são facilmente recebidas para uma simples reunião pelo ministério da tutela. O governo, fiel à sua linha ideológica, tem procurado defender o emprego assalariado, mas não o auto-emprego, não os donos das pequenas e microempresas que compõem uma percentagem considerável da economia real. Dito de outro modo: tem procurado proteger o emprego assalariado, não os negócios que o geram, cujos custos estão muito longe de ser apenas os do trabalho.

Tudo somado, temos aqui a tradicional gestão socialista no seu melhor: irrealismo, improviso, descoordenação, enviesamento ideológico, remediar em vez de prevenir. No seu pior, já sabemos sobejamente quantas economias conduziu ao colapso por esse mundo fora, ao longo de várias gerações, na tentativa insana e inglória de construir a “sociedade socialista”, a dos amanhãs que deveriam cantar, mas que, muito antes disso, ficaram afónicos ou com a voz rouca… E nem sequer foram necessárias pandemias para ajudar ao descalabro.

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