domingo, 13 de dezembro de 2020

(COVID-19:) Escolher entre o risco e o colapso

Estamos bem pior do que nos dizem. Não estamos literalmente entre a espada e a parede, mas é algo parecido: estamos condenados a escolher entre a saúde e a economia, ou pondo as coisas do avesso, entre a doença e o empobrecimento. Essa escolha nem sequer é em alternativa, é apenas uma questão de dosagem, porque nada nos salvará, colectivamente falando, de continuar por mais algum tempo a ter ambas em simultâneo. Podemos é precipitar mais os acontecimentos num sentido ou no outro.

Essa escolha tem como um dos seus principais efeitos dividir o país. A parte da população que tem rendimentos garantidos, com todo o pessoal político e o funcionalismo público à cabeça, tenderá naturalmente a dar prioridade à questão sanitária e será mais favorável a medidas severas de contenção ou confinamento. Todos os outros, que são mais vulneráveis nos seus rendimentos e que, para os manter em nível suficiente, dependem largamente do estado de saúde das empresas e negócios em que trabalham, tenderão a dar prioridade à questão económica, aceitando um nível maior de exposição e de risco. Para ambas as partes, são importantes a segurança e a subsistência, mas cada uma tenderá a querer proteger mais o flanco onde se sente mais vulnerável.

É portanto previsível que, à medida que a situação se arrasta, vá alastrando uma espécie de guerra civil na opinião pública e na opinião publicada, uns pugnando por restrições mais severas destinadas a conter a pandemia, outros defendendo que se está a tornar muito mais lesiva a cura do que a doença. Para aqueles que já vão tendo dificuldades em pôr comida na mesa e pagar as contas, não há grandes dúvidas: é preferível o risco ao colapso. E haverá cada vez menos tolerância para que alguém lhes imponha a escolha contrária. Esperemos que não haja demasiada gente a entrar em desespero, ou as coisas podem complicar-se nas ruas.

Não é nada fácil ser governante nos dias que correm. Mais difícil ainda se torna a tarefa se, por ignorância ou precipitação, se cometem erros sucessivos, indo ao sabor da corrente, ou desleixos graves, por manifesta imprevidência. Pior ainda se, por teimosia política, não se substituem os responsáveis que demonstraram incompetência. Mas onde se começa a desafiar o destino é quando se aceita que a demagogia se sobreponha à realidade e, principalmente, às necessidades que esta dita. E é isso que já está a acontecer.

Para começar, não nos dizem toda a verdade, nem sobre a evolução previsível da pandemia, nem sobre o inevitável afundanço da actividade económica num futuro próximo. E sempre que conveniente, mentem-nos despudoradamente. Na inconsistente tentativa de evitar o medo ou o descontentamento, não se preparam as pessoas para o pior nem se recomendam precauções financeiras. E chega-se até ao ponto de fazer publicidade enganosa nos anunciados apoios públicos às empresas em dificuldades.

Como se não bastasse, impõem-se a muitas actividades económicas restrições incomportáveis e onde por vezes falta racionalidade. De que serve encurtarem-se os horários do comércio, se depois os clientes vão aglomerar-se muito mais a fazer as suas compras nesses horários reduzidos? Por que se fecham parques e ginásios, se continuam abertas todas as escolas e universidades, onde a acumulação de gente é muito maior? Por que não deixam os restaurantes trabalhar mais livremente com as regras sanitárias estabelecidas, se afinal não há grandes alternativas para quem tem de andar quotidianamente em transportes públicos apinhados? Por que se restringe tanto a circulação na rua em certos períodos, mesmo usando máscara e viseira, se para muita gente pode ser maior o risco de contaminação em casa, onde quase ninguém usa viseira nem máscara? Qual a razão de confinamentos tão drásticos, se não tem sido possível evitar surtos alargados nem sequer onde as pessoas vivem mais confinadas, como nos lares de idosos e nas prisões? Muita gente não consegue perceber a lógica disto e, aliás, ainda ninguém conseguiu explicá-la bem.

Mais lamentável do que isso: os dirigentes políticos revelam um considerável desnorte, actuando com sucessivos avanços e recuos, ora dizendo e fazendo uma coisa, ora o seu contrário. Já se percebeu que não estão, de modo nenhum, capacitados para conduzir-nos nesta adversidade. Limitam-se, pois, a fazer o que está ao seu alcance: tentar apaziguar a população, limitar os danos políticos e salvar as carreiras.

Desde o início, a gestão desta crise tem sido desastrada. Se não houver mais bom senso nas decisões políticas, tornar-se-á desastrosa. E é para lá que caminhamos. O fraco entendimento dos mecanismos da economia, tão usual nos governos de esquerda ou de centro-esquerda, tem feito com que se decretem medidas excessivas, cujos efeitos já estão a ser tremendos e que se tornarão em breve devastadores.

Porém, de que servem os numerosos alertas para políticos impreparados que não são capazes de antecipar as prováveis consequências do que decidem? Como persuadi-los de que estão a ir longe demais nas restrições económicas que arbitrariamente impõem e que a fatura a pagar vai ser demasiado pesada para o país (ou, pelo menos, para metade dele)? Nada os demove, a não ser as sondagens e a pressão mediática. Como explicar-lhes, de maneira que eles entendam, que não se pode asfixiar a economia por causa da questão sanitária? Se nada se fizesse, esta pandemia poderia ser fatal para cerca de dois por cento da população; fazendo demais, o colapso económico poderá vir a ser fatal para muito mais gente e sob várias formas. Será assim tão difícil encontrar um meio-termo equilibrado, sem relaxamentos nem garrotes?

Pecar por excesso pode ser tão mau como pecar por defeito. Ou até pior. Entre as duas opções, venha o diabo e escolha. Mas quem começou por pecar por defeito e acaba a pecar por excesso, como este governo tem feito, peca duplamente. O castigo do inferno, no entanto, talvez venha a ficar apenas para os governados, ou mais exactamente, para aquela metade deles que não vive à sombra do Estado.

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