segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Um erro crasso

A vida é madrasta. O feitiço que o PS pregou à coligação vencedora nas eleições de 2015, apeando-a do poder com a invenção da “geringonça”, pode agora virar-se contra o próprio feiticeiro.

Nas recentes eleições açorianas, o PS só obteve uma maioria relativa e, mesmo contando com os votos do BE e do PAN, não consegue formar com eles uma maioria absoluta. A direita, pelo contrário, pode consegui-la, se for capaz de se unir ou, pelo menos, de se entender.

À partida, presume-se que não será excessivamente difícil um entendimento entre o PSD, o CDS e o PPM, tratando-se de uma aliança táctica que já tem diversos antecedentes históricos. E por certo também a recém-chegada Iniciativa Liberal sabe onde encontrar as suas afinidades electivas, tal como as suas hostilidades naturais. O problema, paradoxalmente, poderá ser apenas o Chega, não obstante o seu posicionamento inequívoco à direita, por se assumir como um partido “anti‑sistema”. O eventual exagero desta vocação congénita pode condená-lo ao isolacionismo. Um dos seus dirigentes já chegou mesmo a afirmar, algo imprudentemente, que o Chega nunca governaria com partidos do “sistema”…

É uma posição legítima, atendendo ao ideário hoje predominante neste partido. Mas uma coisa é participar numa coligação de governo, outra é viabilizar a sua formação.

Se o Chega não viabilizasse uma “geringonça de direita”, seria um erro crasso… Antes de mais, contra si próprio. Tornar-se a causa principal da manutenção do PS no poder açoreano seria incompreensível para uma boa parte do seu eleitorado natural e deixaria de pé atrás outra parte do seu eleitorado potencial num futuro próximo. A razão é óbvia. Toda essa larga faixa de eleitores deseja, acima de tudo, o regresso da direita ao poder, e não veria com bons olhos que um partido claramente de direita, ainda por cima envergando as vestes de “radical”, impedisse essa mudança.

Pior do que isso: a experiência açoriana seria assimilada no continente, e teria aí consequências.

É bom recordarmos o que aconteceu ao BE de Francisco Louçã quando este ajudou a chumbar o último Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC IV) do PS de José Sócrates, precipitando a queda deste e criando as condições para a ascensão da direita ao poder. Foi fortemente penalizado nas eleições seguintes, perdendo quase metade dos seus votantes (caíu de 9,82% para 5,17%), metade dos seus deputados (caíu de 16 para 8) e desencadeando logo a seguir uma grave crise de liderança… Muitos eleitores de esquerda tinham ficado tão profundamente decepcionados com a atitude “irrealista” do BE que transferiram o seu “voto útil” para outros partidos.

Há algumas analogias com o presente. O boicote do Chega a uma coligação de direita para governar os Açores poderia ser visto pelo seu eleitorado actual e potencial de várias formas inconvenientes: como uma manifestação de fundamentalismo ideológico, com resultados práticos perversos; como uma prova de imaturidade política; como evidência de que não se pode contar com o Chega para uma reviravolta no “statu quo” a curto e médio prazo; como um incentivo real a dar o “voto útil” a outro partido de direita; como a demonstração cabal de que o Chega é o mais ousado desafiante ao actual regime político, mas também o mais inepto para o jogo partidário dentro dele, em tudo aquilo que requerer uma aliança de tendências, a começar pelos seus próprios projectos de revisão constitucional; e talvez pior do que isso, como uma versão meramente simétrica dos comportamentos da extrema-esquerda que diz abominar. Com razão ou sem ela, muita gente tiraria alguma destas conclusões…

Fica portanto claro qual o erro a ser evitado. Se o Chega quiser salvaguardar a pureza ideológica dos seus valores e princípios, se pretender preservar a integridade dos seus dogmas fundadores, se quiser pôr em evidência a sua especificidade programática, pois que o faça. Ninguém poderá levar a mal ou menosprezar o que pretenda ser uma manifestação de coerência, se for esse o caso. E terá alguma lógica que se abstenha de participar numa solução de governo com a qual não se identifique. Mas a não viabilização parlamentar de uma coligação de direita para levar a vias de facto a alternância de poder e arredar dele o PS seria inevitavelmente vista como uma cumplicidade, ainda que involuntária e não intencional, com o “statu quo”. E isso, aos olhos de muitos eleitores, não teria desculpa.

Além de um erro táctico, seria também um erro estratégico. O poder do PS nos Açores é, em larga medida, clientelar. Alimenta-se de uma vasta teia de relações e cumplicidades locais para negociatas e nepotismos, à custa do erário público. Privá-lo da possibilidade de, em tão larga escala, distribuir prebendas e benesses a esmo seria, só por si, o equivalente a minar a sua influência nos seus próprios fundamentos. E a erosão do poder socialista seria como um virar de página para capítulos e episódios mais empolgantes.

Tal como no xadrez, de vez em quando é necessário sacrificar um peão para comer um cavalo ou um bispo. Neste caso, poderia ser mais do que isso: poderia desabar uma torre.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A eutanásia demográfica dos portugueses

Uma das coisas que mais tem disfarçado o número real de imigrantes já existentes em Portugal é o ritmo acelerado a que tem sido concedida a nacionalidade a muitos deles. Como é evidente, a partir daí deixam de ser contabilizados como imigrantes, passam a contar como portugueses nas estatísticas demográficas.

Só o ano passado, foram naturalizados mais de cento e oitenta mil estrangeiros. No ano anterior, foram mais de cento e setenta e quatro mil. E em 2017, cerca de cento e trinta mil. Portanto, contas feitas, quase meio milhão em apenas três anos.

E o pior é que o ritmo desta burocracia insana e suicidária acelerou fortemente desde que, em 2018, uma nova lei passou a exigir apenas dois anos de residência para se poder obter a nacionalidade portuguesa. No caso de judeus sefarditas com ascendentes que alegadamente tenham sido expulsos de Portugal nos séculos XV e XVI (ascendência essa que, de tão remota, não se percebe muito bem como pode ser comprovada ou refutada), nem sequer é preciso ter já residido em território português o que certamente estará a permitir muitos aproveitamentos e abusos, se não mesmo uma próspera área de negócio no apoio jurídico para candidatos a migrantes, para já não falar das máfias especializadas.

O número de naturalizações é actualmente mais do dobro dos nascimentos registados em cada ano, e destes apenas cerca de metade correspondem a filhos de parturientes portuguesas nativas. O que significa que apenas um sexto dos novos portugueses que surgem no país são de ascendência étnica portuguesa.

Há quem insinue que, com o beneplácito dos vários partidos de esquerda e da actual governação socialista, está a ser prosseguida uma política deliberada de substituição progressiva da população originária, não só por uma questão ideológica de favorecimento e implantação dos afluxos migratórios, mas também para provocar uma maior diluição da identidade histórica e étnica através da miscigenação gradual, o que contribuiria em simultâneo para uma maior diversidade da população residente e dos respectivos substractos culturais (uma opção sempre cara aos adeptos da globalização e do “cosmopolitismo”). No dizer das más línguas, a persistência no poder de um primeiro-ministro de ascendência goesa e de uma ministra da Justiça de origem angolana não seria totalmente estranha à actual pujança desta tendência…

Intenções assumidas ou ocultas e insinuações à parte, há no entanto consequências incontestáveis.

A este ritmo, no espaço de apenas uma geração, ou pouco mais do que isso, os portugueses nativos passarão a estar em minoria, ou seja, serão menos de metade da população. Se isso não se verificar na generalidade do território, dada a assimetria do fenómeno, será pelo menos verdade em algumas grandes cidades e vilas, talvez mesmo na própria capital (não se espantem, é isso que já hoje acontece em Londres, por exemplo).

A isto acresce que a maior parte dos naturalizados são provenientes de países subdesenvolvidos, com os vários países de expressão oficial portuguesa logo à cabeça, mas cada vez mais seguidos de perto pelas novas vagas de imigrantes africanos e asiáticos. Ora o subdesenvolvimento acarreta um considerável atraso cultural e comportamentos pouco civilizados. E isso não poderá deixar de ter consequências em termos de criminalidade e insegurança, níveis de civismo, choques culturais e étnicos, degradação urbana, queda da qualidade de aprendizagem nas escolas públicas, e por aí adiante.

Mas as naturalizações são apenas uma das faces da moeda. A outra são as autorizações de residência, uma avalanche de idênticas proporções.

No ano passado, o número total de imigrantes com autorização de residência rondava já o meio milhão. Os outros, os ilegais, deveriam ser ainda mais, embora obviamente não se pudesse saber ao certo quantos, por falta de muitos registos de entrada e saída e devido à porosidade das fronteiras. Mas isso era antes da pandemia. Quando esta se instalou, logo o governo se apressou a considerar oficiosamente regularizada a permanência de todos eles, com o habilidoso e humanitário pretexto de lhes conceder o acesso a cuidados de saúde e a apoios económicos de emergência. De um momento para o outro, uma torrente de gente que nunca descontou para coisa nenhuma passou a beneficiar de uma generosa protecção social, num país que ainda nem sequer sabe muito bem se os fundos existentes e as contribuições futuras lhe permitirão pagar pensões de reforma por mais de uma década. (Haja dinheiro. Enquanto houver, a festa pode continuar. Quando acabar, logo se verá…)

Por fim, convém frisar que esta avalanche de naturalizações e de autorizações de residência não esgota a questão. De facto, estamos ainda só a abrir a caixa de Pandora… É que atrás desta avalanche virá outra ainda mais portentosa, pela porta escancarada do reagrupamento familiar. A nacionalidade concedida a uns vai propiciar, por parentesco ou afinidade, por laços familiares reais ou falsificados, a nacionalidade de muitos outros. A autorização de residência concedida a cada imigrante vai-lhe permitir trazer, a retalho ou por atacado, toda a sua família alargada, a que não faltarão sequer reconhecimentos de paternidade à pressa e adopções de última hora. E se há famílias numerosas… E aos que não conseguirem vir por meios legais não faltará, com o apoio logístico dos que já cá estão, a tradicional táctica de chegar de qualquer maneira, permanecer ilegalmente e depois resolver paulatinamente o problema, com o apoio ou complacência das próprias autoridades.

O governo, esse, continuará a entoar a ladainha de que, devido à quebra de natalidade, precisamos de mais imigração para preencher as necessidades de mão-de-obra. Eis um argumento muito difícil de compreender, num país cujas estatísticas têm repetidamente registado centenas de milhares de desempregados e subempregados, mesmo antes da pandemia, e que agora se prepara alegremente, sob os efeitos dela, para voltar a taxas de desemprego de dois dígitos…

O que se passa de facto é que está a ser propositadamente alterada, e com a azáfama de quem quer aproveitar ao máximo a legislatura, a própria composição da população nacional. Ideologias, opiniões, interesses, lóbis, oportunismos vários (profissionais, políticos, empresariais), tudo se conluia para o mesmo objectivo. E pelos vistos, com êxito. Em vão podem proclamar certos quadrantes partidários que Portugal é dos portugueses. Pelo andar da carruagem, não será por muito tempo.