sábado, 5 de agosto de 2017

Ideias para Lisboa

“Em lugar de falar dos candidatos, parece-me mais útil aproveitar esta época eleitoral para fazer sugestões para Lisboa.” (Sim, alguém já o disse antes, tal e qual, daí as aspas.)

Uma delas é a cobertura da Rua Garrett, da Rua do Carmo e da Rua Nova do Almada com uma grande clarabóia de vidro, à semelhança da galeria Victor Emanuel, em Milão, tornando o Chiado um grande centro comercial de lojas tradicionais.

[A sugestão do vidro não é vinculativa, claro. Poderia ser qualquer outro material com propriedades semelhantes, mas mais adequado para servir de antídoto ao calor diurno no Verão. O projecto não iria descaracterizar a zona, antes pelo contrário; iria valorizá-la e deixaria a actividade comercial desta protegida dos períodos de chuva.]

Outra poderia ser a transferência da Feira do Livro para a zona do Rossio, Praça da Figueira e Martim Moniz, ligando as três praças, e assim dando ao centro um ambiente de festa – ao mesmo tempo que a Feira beneficiaria da presença de esplanadas e lojas à volta (abertas à noite) que a tornariam mais atractiva. E o facto de aquela zona ser abrigada e plana, ao contrário do Parque Eduardo VII, que é inclinado e ventoso, seria um factor de comodidade para os visitantes.

[Esta ideia admite uma alternativa. Como a sua deslocação temporal para Maio tornou a feira do Livro uma feira de primavera, poderia naquela época do ano manter-se onde está. Mas por que não realizar uma outra Feira do Livro que seja uma feira de outono, realizada essa em pleno centro da cidade? Com a enorme movimentação de gente que Lisboa tem actualmente, duas feiras por ano não seriam demais.]

Uma terceira ideia tem a ver com a difícil ligação ao rio em algumas zonas da cidade. Há uma faixa até Algés que não tem praticamente contacto com ele, essencialmente porque a linha férrea funciona como uma barreira de arame farpado que corta o acesso à zona ribeirinha. É o que acontece, por exemplo, em Belém (onde se situa parte importante da oferta turística lisboeta) e zonas adjacentes.

Em tempos defendeu-se o desnivelamento da linha férrea no troço entre o Cais do Sodré e Algés, mas depois chegou-se à conclusão de que esse investimento não seria rentável para a companhia ferroviária.

Há, contudo, uma alternativa que parece ser economicamente mais viável: acabar com o comboio entre o Cais do Sodré e Algés e prolongar até aqui o Metropolitano, criando uma interface fácil e rápida entre as duas vias (isto, sublinhe-se, sem aumentar os custos do transporte misto para os utentes regulares). 

Feito isso, e com acesso facilitado ao rio, uma faixa considerável da cidade iria renascer para o lazer e o turismo, livrando-se do abandono e da degradação que a perseguem há décadas.

Ideias originais? De modo algum. Elas foram lançadas, há mais de dez anos, e quase pelas mesmíssimas palavras (excepto alguns acrescentos meus), por aquele que é um dos mais conhecidos e lúcidos jornalistas portugueses (conotações e controvérsias à parte) e que é também, embora nem todos o saibam, arquitecto de formação. Refiro-me a José António Saraiva, então director do semanário Sol. Trata-se de um homem com ideias notáveis e que durante muitos anos fez, à sua conta, uma boa parte da agenda política e mediática do país, com as suas crónicas semanais (primeiro no Expresso e depois no Sol). Curiosamente, vá-se lá saber porquê, a discussão em torno destas ideias para Lisboa nunca pegou de estaca.

Agora que estamos de novo em ambiente de pré-autárquicas, vale a pena relançar o que ele sugeriu então. Sem ideias preconcebidas.

Para finalizar, resta-me esperar que o autor das ideias não me processe por plágio. Não foi essa a intenção, juro, embora em grande parte me tenha limitado a transcrever o que ele escreveu. O mérito é todo dele, portanto. O seu a seu dono. (E dito isto, espero obviamente ser perdoado, não obstante a minha enorme avareza nas aspas.)

Ah, já me esquecia: a citação logo no início também é dele. 

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

A política do ziguezague

O PSD e o CDS estão a aprender uma dura lição, que desde o início deveria ter sido óbvia: a de que num regime de alternância democrática, todas as medidas de um governo podem ser revertidas por outro. Basta que surjam circunstâncias favoráveis.

Não é certo, contudo, que o PS e a sua escolta parlamentar já a tenham aprendido também.

Enquanto estão em posição de força e dão largas a uma certa arrogância decisória, muitos governantes se esquecem dessa verdade fundamental. Empenham-se em usar quase discricionariamente o poder que detêm, dentro dos moldes institucionais em vigor e das balizas impostas pelas coligações que lideram, esquecendo que o próprio poder tem os seus limites temporais, por vezes mais curtos do que se imagina. E enquanto parecem ainda longínquas as próximas eleições, perseveram no erro de acreditar que o eleitorado tem memória curta e irá decerto relevar os vários desapontamentos e as revoltas entretanto acumuladas, graças ao encantamento hipnótico de algumas benesses concedidas pouco tempo antes do novo sufrágio. Por vezes, enganam‑se.

Que sonham agora os partidos empurrados para a oposição? Reverter muitas das medidas do actual governo. Enquanto isso, queixam-se das reversões que este vai fazendo. Ou seja, estão na fila de espera para a continuação de uma política de ziguezague, que só faz o país perder tempo e recursos.

Um certa doença crónica é comum a ambos os lados da barricada: a aversão aos consensos, a rejeição de soluções equilibradas que não dêem depois azo a reviravoltas bruscas.

O governo anterior, e o PSD em particular, nunca deveriam ter resvalado para um grau de insensibilidade social que permitiu conotá-los com uma impopular orientação neoliberal, que lhes vai ficar colada à pele por muito tempo. Deveria ter havido mais comedimento e bom senso em muitas das decisões drásticas que foram tomadas, desde “o enorme aumento de impostos” até ao “ir além da troika”…

Como se tem visto nos últimos tempos, a consolidação orçamental continuou, mesmo abdicando de algumas medidas draconianas que pareciam não ter alternativa. A austeridade de esquerda trocou os cortes em salários e pensões por cortes nos recursos atribuídos aos serviços públicos (e convém notar cinicamente que os assalariados e pensionistas votam, enquanto os serviços públicos não). A carga fiscal continua elevadíssima e a dívida pública continua a crescer, mas o actual governo teve a habilidade de trocar as voltas a uma boa parte do descontentamento popular, diminuindo ligeiramente os impostos directos e indo buscar mais receitas a taxas e impostos indirectos, repondo rendimentos às pessoas e fazendo novas contratações de pessoal enquanto cortava sem dó nem piedade na despesa de muitos departamentos estatais e no próprio investimento público. Está provavelmente a pecar em sentido contrário ao do governo anterior, distribuindo liberalidades por muitas clientelas do Estado.

Mas não nos iludamos: a dívida pública continua a crescer. O Estado continua a pedir dinheiro emprestado para poder distribuir uma parte dele por tantos bolsos ansiosos. E os excessos que estão a ser cometidos agora arriscam-se a ser a catapulta que um dia trará a oposição de novo ao poder.

Ora muito do que se fez antes, assim como muito do que se faz agora, resulta de meras bandeiras ideológicas e das cegueiras que lhes andam associadas. As rivalidades tribais da democracia sobrepõem-se ao bom senso.

Esquerda e direita são os dois conceitos mais tóxicos da nossa política. São eles que nos condenam a uma evolução económica e social em ziguezague. E o ziguezague, como nos ensina a geometria mais elementar, está longe de ser o caminho mais curto para o progresso.

Moral da história: este país precisa desesperadamente de um regresso ao centro político, que entretanto ficou quase despovoado, espécie de “terra de ninguém”. As ortodoxias de turno em ambos os hemisférios políticos renegam categoricamente o centro-esquerda e o centro-direita (talvez pensem que o Diabo afinal possa deambular por aí…). E apesar de haver até algum espaço político desocupado para uma nova formação ao centro, quando se ouve falar disso não passam de rumores pífios. Ninguém com crédito se chega à frente.

Infelizmente, há também muita gente que pensa que o centro político é apenas uma espécie de indecisão entre a esquerda e a direita. Mas não é. É uma outra forma de estar na política e de procurar soluções (em princípio, menos parciais e menos transitórias) para os problemas.