sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Um país em declínio

Ainda não repararam? Somos um país em declínio… e não, não é só de agora…          

Até há pouco tempo atrás poderíamos não pensar assim, por só prestarmos atenção aos indicadores errados ou por desvalorizarmos as verdades inconvenientes.

Olhando para a evolução titubeante do PIB desde o início do século, poderíamos dizer que crescia muito devagarinho, mas sempre era melhor do que nada. Havendo algum crescimento económico, apesar de ser a uma taxa modesta e nada empolgante, isso era sinal de algum progresso, lento mas gradual. Agora, com os efeitos da pandemia, até sem isso ficámos. Espera-nos um recuo sem precedentes desde o fim da última guerra mundial, do qual é arriscado tentar sequer prever quanto tempo será necessário para o anular e voltar ao ponto em que estávamos.

Anteriormente, víamos as coisas a parecer melhorar nalguns aspectos: pregava-se o fim da austeridade, havia crescimento das exportações e dinamismo imobiliário, acumulação de êxitos desportivos e de prémios turísticos. Havia até algum novo-riquismo despreocupado e ostentatório, gerado pelo afluxo súbito das receitas do turismo e outras conexas. Tudo isso, por agora, perdeu fôlego e foi parar à prateleira das memórias recentes. Não se sabe quando voltará.

Mas havia outros sinais para observar por quem tinha olhos bem atentos. E esses continuam.

O PIB per capita em 2019 foi menor do que em 2018 e ambos foram inferiores ao de 2008. Ou seja: o rendimento médio por habitante caiu desde então e, não obstante alguns altos e baixos, estamos de novo em tendência descendente. Já o estávamos antes da pandemia, isso que fique claro.

O salário mínimo duplicou desde o ano 2000, mas o salário médio cresceu pouco mais de metade. Isto significa que o salário médio está cada vez menos distante do salário mínimo e que a classe média está a encolher. As desigualdades acentuam-se, portanto, e a maioria está a empobrecer em termos relativos.

A evolução demográfica é negativa em muitos aspectos. O número total de residentes no país tem vindo a diminuir, o que só por si não é preocupante. Mas houve um declínio progressivo da população nativa na última década, com um saldo natural negativo (mais óbitos do que nascimentos) e um aumento acentuado da idade média dos portugueses (o tal “envelhecimento da população” de que tanto se fala, mas que não se consegue contrariar). Esse saldo natural negativo nem sequer tem sido compensado pela invasão massiva de imigrantes, na sua maioria terceiro-mundistas e trazendo consigo o correspondente nível de mentalidades e comportamentos, bem abaixo do nosso nível médio de civismo e de escolaridade. A tendência recente para uma maior percentagem de imigração qualificada ainda não tem expressão muito relevante, excepto pela pressão em baixa que já exerce sobre os salários de profissões que até há alguns anos ainda não se ressentiam dela. O número de jovens diminuiu drasticamente, assim como a população em idade activa (que diminuiu ainda mais). O número de idosos, esse, subiu imenso. A isto junte-se ainda a crescente assimetria do povoamento: a área metropolitana de Lisboa é a única zona do país onde a população residente aumentou, em todas as outras encolheu. E as assimetrias regionais de população activa poderão ser ainda maiores.

Graças ao descontrolo migratório e às políticas de incentivo, o número de imigrantes e de naturalizados não pára de crescer, ano após ano. Muitos devotos da imigração e do multiculturalismo vêem isto como um fenómeno positivo, mas os perigos são óbvios. A ritmo bastante acelerado, o país vai perdendo a sua homogeneidade étnica, religiosa e até linguística, e também a sua identidade histórica ou o que restava dela. A par das meras diferenças inócuas, passam a coexistir cada vez mais crenças, costumes e valores incompatíveis. A conflitualidade racial, antes inexistente, vai subindo em flecha. Em breve chegará a vez da conflitualidade religiosa. Paulatinamente, a tolerância recíproca que era habitual no país vai dando lugar ao ressentimento ou a múltiplos ódios, à medida que padrões de comportamento exógenos ou hostis se vão tornando invasivos.

As estatísticas revelam um rápido aumento generalizado das taxas de criminalidade e delinquência, embora até aqui tenha havido algum êxito em conter o número de homicídios e sequestros. Mas o prognóstico é reservado: com a falta de meios policiais e a legislação penal frouxa que temos, ninguém está optimista com o que virá a seguir. E a falta de confiança na justiça é tal que, em muitos casos e situações, as pessoas desistem de apresentar queixa ou têm medo de o fazer.

Qual justiça? É cada vez maior a inoperância dos tribunais, que se vão atolando num pântano de formalismos inúteis e de processos por resolver, aumentando estes muito mais rapidamente do que os meios atribuídos à máquina judiciária para lhes fazer face.

Neste caldo de cultura, não há como evitar a crescente impunidade dos incumprimentos contratuais de toda a espécie e em todas as áreas de negócio, incluindo o arrendamento, graças a uma legislação e a uma inércia que beneficiam quem prevarica e penaliza os credores.

O crescimento contínuo da corrupção parece um fenómeno imparável, não obstante alguns processos mediáticos que vão surgindo, atingindo aquela níveis que seriam impensáveis durante o Estado Novo, o que significa que neste aspecto passámos quase meio século a andar para trás. E por razões óbvias, nunca o nível de confiança interpessoal foi tão baixo nem a pressão moral tão ineficaz. A impunidade reina.

Pior do que isso é a quase perda de soberania do Estado nos bairros étnicos, onde a própria polícia já mal consegue entrar sem um grande aparato de homens e viaturas, como se estivesse a penetrar em território inimigo. Há pedaços de Portugal que já parecem enclaves estrangeiros e hostis.

Em não poucas cidades e vilas, enquanto certas zonas urbanas se vão aprimorando, é difícil não notar a existência de outras com sinais de evidente degradação. Em vão se queixam moradores e utentes da proliferação de lixos, imundícies, furtos e desacatos nos subúrbios, onde a falta de higiene progride ao mesmo tempo que a falta de segurança. Existem vários países dentro do mesmo país.

No trânsito, vão proliferando os condutores sem carta ou sem seguro, os drogados ou alcoolizados, os infractores crónicos de sinais e de limites, os que confundem as estradas com as pistas, os viciados em gincanas e adrenalina. Circular nas estradas ou atravessá-las é um risco diário para quem precisa de o fazer. A permissividade instalou-se.

Na educação, devido ao facilitismo reinante e à cada vez maior heterogeneidade das turmas, assiste-se a um abaixamento progressivo dos níveis de exigência e a uma degradação da disciplina. Ser professor sem autonomia nem autoridade é cada vez mais uma profissão de risco e uma fonte de frustração, o que explica a crescente dificuldade de recrutamento de docentes e os elevados níveis de absentismo.

Aos adultos jovens que não emigram e não dispõem de bons apoios familiares, o que há para oferecer? Habitação escassa com rendas proibitivas e emprego com precariedade e salários baixos. Enfim, o necessário para que tenham de adiar para as calendas a sua autonomia pessoal ou a possibilidade de começarem o seu próprio núcleo familiar. Não admira que a natalidade dos nativos seja baixa, enquanto prospera a dos imigrantes que encontram na procriação irresponsável e oportunista a via rápida para obterem autorizações de residência, subsídios de subsistência ou a nacionalidade.

Nos apoios da segurança social, grassam sem freio o parasitismo e a subsidiodependência.

O ordenamento do território e a gestão racionalizada dos recursos são conceitos lustrosos com vagas consequências. Na prática, geram muita burocracia, abundantes subsídios e poucos resultados. Mas um deles conhecemo-lo bem: a desertificação do interior vai-se acentuando a olhos vistos, com todas as consequências que isso implica. Porque faltam estratégias, investimentos, empregos, serviços, iniciativas, apoios. A maior parte do país é negligenciada, porque rende menos votos.

Admira, por tudo isto, que vá alastrando o descrédito da democracia e das elites políticas, que se traduz em percentagens crescentes de abstenção eleitoral e de aversão à política, como consequência do descontentamento generalizado e do profundo cepticismo dos eleitores? Há muito que se instalou uma descarada perversão das instituições democráticas, ou assim chamadas, que o público em geral percepciona (e bem) como estando mais ao serviço de interesses partidários ou sectoriais do que vocacionadas para o bem-estar geral da população. Contudo, o regime serve muito bem àqueles que dele se aproveitam, muitos dos quais não singrariam fora dele. Sejamos lúcidos. Não é uma verdadeira democracia o que temos, é uma oligarquia predatória em fase de expansão.

Mas é este o “progresso” que nos vêm prometendo há décadas?  É nisto que se traduz o estafadíssimo chavão de “defender o futuro”? Então resguarde-se quem puder, porque a evolução natural do presente só pode ser para algo ainda pior, se não houver entretanto uma reviravolta política e cultural no país.

Abreviando, precisamos desesperadamente de uma pedrada. O charco já nós temos.

sábado, 5 de setembro de 2020

COVID-19: Factos, factos, factos... e conclusões surpreendentes!

 

A serem verdadeiros, os números oficiais da pandemia são desconcertantes! Mas mais desconcertados ficamos quando, em função deles, tentamos confirmar a racionalidade das medidas tomadas…

Recordemos os factos. (Mas quem não gosta de datas e números pode saltar para as conclusões.)

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. E em 11 de março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.

Em Fevereiro, já a OMS tinha difundido indicações de que os grupos de maior risco eram as pessoas de idade avançada (65 anos ou mais), as que tivessem comorbilidades (outras doenças em simultâneo, em especial doenças crónicas) e as que tivessem o sistema imunitário enfraquecido (em resultado de doenças ou tratamentos específicos que provocassem tal efeito).

Em função deste aviso, ficava claro que as medidas de protecção prioritárias deveriam incidir sobre os mais idosos e quem tivesse certas debilidades clínicas ou imunitárias que gerassem maior vulnerabilidade.

 

Em Portugal, o primeiro caso de infecção só foi detectado em 2 de Março.

O estado de emergência foi decretado em 18 de Março pelo Presidente da República. No dia seguinte, o primeiro-ministro anunciou ao país as medidas restritivas que iriam ser impostas. E em 20 de Março saíu o decreto do Governo que regulamentava o estado de emergência e que continha tais medidas.

 

Em 18 de Março, quando foi decretado o estado de emergência, tinham sido registados até à véspera 642 casos de infecção, dos quais 89 estavam em internamento e 20 em cuidados intensivos, mas havia apenas um único óbito! O número de novos casos diários tinha na antevéspera ultrapassado, pela primeira vez, uma centena (fora 117). A taxa de mortalidade era de 0,16% (número de óbitos atribuídos ao coronavírus, a dividir pelo número de infectados conhecidos).

 

Após o início das medidas do estado de emergência, a taxa de mortalidade (relativamente aos casos confirmados de infecção) foi subindo quase dia após dia. Quando o estado de emergência terminou, em 2 de Maio, já estava em 4,06% e continuou a subir até dia 1 de Junho (4,37%), precisamente a data em que entrou em vigor a terceira fase do desconfinamento. Mas a partir daí nunca mais parou de descer, até se cifrar actualmente abaixo de 3,1% (o valor mais baixo desde 12 de Abril).

Conclusão: como o ciclo de vida da doença, desde a infecção até à cura ou ao óbito, é inferior a um mês na maioria das pessoas, daqui se extrai que a taxa de mortalidade só começou a descer nas infecções contraídas no período posterior ao fim do estado de emergência, o que significa que, no seu todo, as medidas restritivas impostas durante o estado de emergência não contribuíram para tal descida, que está a ser sustentada por quaisquer outros factores.

 

O número de casos internados atingiu o seu máximo (1302) em 15 de Abril e desde aí tem vindo a descer. Em 2 de Maio (fim do estado de emergência) já era de 856 apenas. Até ao final da primeira fase de desconfinamento (18 de Maio) baixou para 629, e até ao final da segunda fase (1 de Junho) baixou para 432, permanecendo depois com esse valor médio ao longo do mês de Junho. Desde então tem oscilado entre um mínimo de 311 (25 de Agosto) e um máximo de 513 (5 de Julho), mantendo-se consistentemente em torno de pouco mais de quatro centenas de casos, em média, com uma oscilação máxima de 26% (a média neste período foi de 407 internamentos e o valor de ontem é de apenas 345, o que revela uma tendência de baixa mesmo durante o período alto das férias de verão: a média de internamentos foi de 452 em Julho e de 346 em Agosto).

Conclusões: o fim do estado de emergência não aumentou o número de casos internados e, melhor do que isso, não o impediu de continuar a descer sustentadamente; e desde que entrámos na terceira fase de desconfinamento, houve primeiro uma relativa estabilização do número de casos, apesar de algumas oscilações, e regressou depois uma tendência de queda (ou seja, um maior desconfinamento não agravou o número médio de hospitalizações, antes pelo contrário).

 

Na semana que antecedeu o anúncio das medidas do estado de emergência (ou seja, na semana anterior a 19 de Março), a média das pessoas internadas devido à covid-19 foi de 126 casos em simultâneo, o que correspondia a 16% do total de infectados já conhecidos na véspera do anúncio (785). Mas esta percentagem correspondia a uma descida brutal desde uma semana antes, que começara com 107 internamentos em 112 casos de infecção detectados (95,54%). Esta elevadíssima percentagem inicial e a sua queda abrupta subsequente revelam que houve uma abordagem inicial à doença que consistiu em medidas quase imediatas de internamento hospitalar, mas que foi rapidamente abandonada perante a rápida multiplicação de infectados, que a tornava inviável.

Durante a vigência do estado de emergência, e com a evolução de casos já descrita, a média diária de internamentos em simultâneo foi de 886 pessoas. Durante a primeira fase de desconfinamento, essa média baixou para 763, e na segunda fase de desconfinamento baixou ainda mais para 540 casos. Desde o início da terceira fase de desconfinamento (ou seja, desde 1 de Junho), a média geral tem-se mantido persistentemente entre as quatro e as quatro centenas e meia de internamentos, sendo actualmente de 407.

Conclusão: a cada nova fase de desconfinamento correspondeu uma redução significativa do número médio de doentes internados em simultâneo, sendo actualmente menos de metade do que foi durante o estado de emergência.

 

A percentagem de internamentos hospitalares em relação ao número total de infectados activos conhecidos registou uma evolução idêntica. Essa percentagem, que já era só de 13,93% no dia 17 de Março, na véspera de ser decretado o estado de emergência (e de 12,24% em 20 de Março, quando foram decretadas as medidas de confinamento) baixou drasticamente para 3,80% até ao dia 2 de Maio, quando terminou o estado de emergência. Mas continuou a descer depois, embora com algumas oscilações estatísticas, sendo actualmente de 2,25% (o valor mais baixo desde o início da epidemia em Portugal).

O número de infectados activos estima-se subtraindo ao número total de infectados já detectados o número de óbitos ocorridos mais o número de pessoas já consideradas recuperadas pelas autoridades sanitárias. Não sendo exacto, trata-se de um número razoavelmente confiável, visto que as demoras nas análises, a margem de erro destas e a dos processos de apuramento estatístico tanto se aplicam à detecção de novos casos como à verificação dos recuperados. Mas como o número de infectados reais é muito superior ao número de infectados conhecidos, as percentagens apuradas tendem a sugerir, nesta óptica, um grau de perigosidade da doença bastante acima da realidade (o que não equivale a desvalorizá‑la nas suas consequências clínicas e sociais).

Conclusões: a percentagem de internamentos hospitalares iniciou uma trajectória prolongada de descida no final da primeira quinzena da epidemia, ainda antes do estado de emergência; o desconfinamento progressivo não prejudicou essa tendência decrescente dos internamentos, que ainda subsiste e atingiu recentemente os valores mínimos já registados. As percentagens verificadas durante o estado de emergência foram sempre superiores, e durante várias semanas por larga margem, às que se têm verificado desde o início do desconfinamento.

A percentagem real de internamentos, desde 17 de Março, tem estado sempre muitíssimo abaixo da estimativa oficial de 20% de casos graves que se perspectivava inicialmente para a doença (na realidade, é cerca de nove vezes inferior).

 

A percentagem de doentes de covid-19 necessitando de cuidados intensivos também tem registado uma prolongada trajectória descendente desde antes do estado de emergência até agora. Os primeiros números disponíveis fixavam-na em 5,95% (13 de Março). Quando foi decretado o estado de emergência (18 de Março) já tinha descido para 2,56%, quando este terminou (2 de Maio) já ia em 0,61%, e desde então desceu para menos de metade disso, sendo de 0,28% em 31 de Julho e 0,24% em 5 de Setembro).

Conclusões: a percentagem de internados em cuidados intensivos teve a sua queda mais acentuada durante o período do estado de emergência, mas está em descida contínua desde antes dele. O desconfinamento progressivo não suspendeu nem inverteu essa tendência decrescente, que ainda subsiste e atingiu recentemente os valores mínimos já registados.

A percentagem de internamentos em cuidados intensivos, desde antes da entrada em vigor das restrições impostas pelo estado de emergência, tem estado sempre muito abaixo da estimativa oficial de 5% de casos muito graves que se previa inicialmente para a doença, sendo que o valor real actual, passados três meses desde o início do desconfinamento, é cerca de 20 vezes inferior, se calculado em relação ao número de casos de infecção confirmados (e cerca de 120 vezes inferior, se calculado em relação aos resultados obtidos nos testes serológicos feitos a amostras da população).

 

Nos últimos três meses, desde que se iniciou a 3ª fase de desconfinamento até ao final de Agosto, aumentou em 79% o número de casos confirmados (de 32500 para 58243). Desde o fim do estado de emergência, há quatro meses, mais do que duplicou (de 25282 em 2/5 para 59943 em 4/9). Mas em apenas mês e meio, enquanto o estado de emergência durou, o número de infectados foi multiplicado por mais de 32 (evoluiu de 785 para 25282 casos), o que faz duvidar bastante da sua eficácia.

No entanto, as medidas de confinamento decretadas em 20 de Março pelo Governo parecem ter produzido efeitos, reduzindo a taxa de propagação diária de cerca de 25% para valores próximos ou abaixo de 1%.

A média de novos casos diários registados foi a seguinte: 633 na 1ª quinzena do estado de emergência, 643 na 2ª quinzena, 355 na 3ª quinzena. Ou seja, só na fase final do estado de emergência se registou uma evolução positiva, o que sugere que poderá não ter sido o próprio confinamento generalizado a produzi-la, mas sim algum outro factor relevante que surgiu durante a vigência daquele; poderá ter sido, com enorme probabilidade, a disponibilidade crescente de máscaras, luvas, viseiras e materiais desinfectantes que se registou nesse período terminal do estado de emergência.

Conclusões: foi durante o estado de emergência que a epidemia teve um crescimento mais rápido no número de casos verificados, mas foi também nesse período que registou o maior decréscimo da taxa de propagação diária, sobretudo concentrado na fase terminal (em simultâneo com o maior acesso a materiais sanitários e de protecção).

 

Segundo foi anunciado em 23 de Julho, um estudo serológico feito pelo Instituto Ricardo Jorge revelou que o número total de pessoas que já estiveram infectadas com o novo coronavírus (com ou sem manifestações visíveis da doença) é afinal seis vezes superior ao número de casos confirmados, atingindo até então cerca de 3% da população (aliás, em linha com o já constatado noutros países europeus).

A má notícia daí resultante é que ainda resta muita gente por infectar e sem imunidade: quase 97% da população. Mas há boas notícias também: isso significa que a letalidade da doença é seis vezes inferior ao que se obtinha das estatísticas de casos confirmados (sendo afinal inferior a 0,6%), o mesmo acontecendo com as percentagens dos casos que requerem internamento e cuidados intensivos (que descem para cerca de 0,4% e 0,04%, respectivamente).

Conclusão: confirma-se assim que a perigosidade da doença é afinal bastante menor do que se temeu inicialmente e que ela começou por gerar um pânico excessivo. Um dos possíveis corolários disso é que as medidas excepcionais de natureza social e económica destinadas a combatê-la, baseadas nessas expectativas iniciais, podem ter sido desproporcionais, precipitadas e contraproducentes, inclusive em termos de saúde pública, atendendo aos efeitos colaterais que são indiciados pelas estatísticas da mortalidade excedentária em relação à média de períodos homólogos em anos anteriores.

 

E quanto ao número de óbitos ocorridos?

Durante o mês e meio em que vigoraram as medidas do estado de emergência, a média diária foi superior a 23; mas durante as primeiras duas fases de desconfinamento, a média diária andou por cerca de 13; e desde que se iniciou a terceira fase de desconfinamento, baixou para 5 durante os meses de Junho e Julho (155 óbitos em cada) e para menos de 3 durante o mês de Agosto (87 óbitos apenas). Se tomarmos em consideração todo o período decorrido desde o fim do estado de emergência até agora, a média diária de óbitos foi pouco superior a 4.

Conclusões: a mortalidade desceu consideravelmente com a entrada em vigor do desconfinamento e, desde que este começou, o número médio de óbitos diários atribuídos ao novo coronavírus foi cerca de um sexto do que se registou durante o estado de emergência!

 

E quanto ao número de novos casos diários?

Enquanto vigoraram as medidas do estado de emergência, até 2 de Maio, a média de novos casos foi 545. Durante a primeira fase de desconfinamento, baixou para 280, e durante a segunda fase voltou a baixar para cerca de 250. A média das duas fases foi inferior a metade da média durante o estado de emergência. Durante a terceira fase de desconfinamento a média subiu para 284 casos diários, mas mantém-se em cerca de 52% do valor médio registado durante o estado de emergência.

Conclusões: o desconfinamento foi acompanhado por uma redução drástica de novos casos diários durante as primeiras duas fases; a terceira fase, embora tenha registado uma subida de quase 14% dos casos em relação às anteriores, mantém-se muitíssimo abaixo do valor médio registado durante o estado de emergência (pouco mais de metade).

 

E quanto à distribuição etária dos óbitos “atribuídos” ao coronavírus?

Em 17/8 (e sem que se perceba porquê) a DGS deixou de fornecer números exactos acerca dos óbitos por faixa etária, limitando-se a divulgar os respectivos gráficos. Mas o apuramento da situação existente no dia anterior a essa data é suficientemente esclarecedor.

Abaixo dos 40 anos, havia 6 óbitos (0,34%) (contra 0 em 2/5, quando terminou o estado de emergência).

Entre os 40 e os 49 anos, 21 óbitos (1,18%) (contra 10 em 2/5: 0,96%)

Entre os 50 e os 59 anos, 57 óbitos (3,21%) (contra 32 em 2/5): 3,06%)

Entre os 60 e os 69 anos, 159 óbitos (8,94%) (contra 91 em 2/5: 8,72%)

Entre os 70 e os 79 anos, 347 óbitos (19,52%) (contra 207 em 2/5: 19,85%)

Acima dos 80 anos, 1188 óbitos (66,82%), ou seja, mais de 2/3 (contra 703 em 2/5: 67,40%)

Em suma: 95,3% dos óbitos “atribuídos” ao coronavírus ocorrem acima dos 60 anos (ou seja, 19 em cada 20) e 86,4% ocorrem acima dos 70 anos (ou seja, mais de 17 em cada 20). Em 2/5 eram 96% e 87,2%, respectivamente (isto é, percentagens semelhantes).

Conclusão: estes valores estão plenamente de acordo com o que a OMS tinha avisado logo em Fevereiro, e que portanto deveria ter desde então orientado as grandes prioridades nas medidas de prevenção e protecção, mediante estratégias de discriminação positiva em relação aos mais idosos. A hecatombe entretanto ocorrida em lares e residências para a terceira idade revelou à saciedade que isso não foi tomado em consideração na altura certa. Fica por saber quanta dessa mortandade poderia ter sido evitada.

 

Como entender estes dados em face da esperança média de vida?

Segundo dados divulgados pela própria DGS, a mediana dos óbitos atribuídos ao coronavírus situa-se em 80 anos para os homens e 85 anos para as mulheres. Ora a esperança média de vida situa-se em 78 anos para os homens e 83 anos para as mulheres. Isso significa que a esmagadora maioria das pessoas que têm falecido "por causa deste vírus" (repito, como se as restantes doenças e a morte natural para nada contassem) sucumbiram após terem ultrapassado a esperança média de vida ou já muito perto dela.

Ora "esperança média de vida", como se percebe, não significa que toda a gente tem de lá chegar, senão não seria média. Muitas das pessoas falecidas estavam já, em termos estatísticos, na fase terminal da sua vida mesmo sem a ocorrência da pandemia; a maioria delas tinha várias doenças graves, de tipo crónico ou degenerativo; e o seu sistema imunitário não estava em condições de resistir a mais uma infecção grave, fosse ela de que tipo fosse. Portanto (e perdoem-me a rudeza da expressão) muitos dos falecidos estavam já nesse “corredor da morte” que é, afinal, o desfecho natural da própria vida. Para muitos deles, o coronavírus só despoletou ou acelerou o que estava iminente.

Mas o mesmo não poderá talvez dizer-se de todos os outros pacientes que faleceram por falta de tratamento médico ou de intervenções cirúrgicas, devido ao pânico e à afectação desproporcional de recursos que o coronavírus provocou, paralisando muitos centros de saúde e departamentos hospitalares ou inibindo a procura de tratamento urgente por quem dele necessitava. As estatísticas demonstram excedentes de mortalidade que não podem ser explicados de outra forma.

Conclusão: a ameaça representada pela pandemia foi parcialmente mal gerida desde o início. Começou-se por descurar a prioridade absoluta que devia ter sido dada aos segmentos populacionais de maior risco (em particular, aos mais idosos e aos clinicamente mais vulneráveis, conforme as indicações precoces da Organização Mundial de Saúde) e optou-se por um confinamento generalizado da população, sem qualquer segmentação etária ou geográfica, gerando de imediato uma crise económica e financeira de proporções desnecessárias e desperdiçando recursos exagerados logo numa fase inicial da primeira vaga da epidemia. Por acréscimo, criou-se uma situação de crise igualmente grave em praticamente todos os sectores de saúde não relacionados com o surto de coronavírus, gerando consequências clínicas ainda por avaliar globalmente e uma mortalidade excedentária muito superior à provocada pela própria epidemia até à presente data.

Além disso, como quase todos os indicadores melhoraram substancialmente à medida que foi progredindo o desconfinamento, daí se conclui que o confinamento generalizado e o recolhimento domicilíário não são os factores críticos para a contenção da epidemia, mas sim outros, muito provavelmente a disponibilidade generalizada de materiais de protecção e de produtos sanitários  que só começou a verificar-se já na fase final do estado de emergência, bem como o cuidado de distanciamento social que tem sido praticado por grande parte da população. O estado de emergência e as suas medidas drásticas, por si sós, não impediram o crescimento rápido do número de casos de infecção durante o mês inicial de vigência, quando o país inteiro estava praticamente desprotegido, devido à imprevidência grave de não existir uma reserva estratégica de materiais sanitários e de protecção, apesar de os especialistas saberem que, mais ano menos ano, uma nova epidemia acabaria por surgir e o país não estava preparado (e, pelos vistos, nem o governo actual nem nenhum dos anteriores se preocupou com isso, à semelhança do que aconteceu por esse mundo fora).

É caso para perguntar: estaremos agora melhor preparados para enfrentar outras emergências, incertas mas previsíveis, de saúde pública? O nosso velho hábito nacional de só trancar as portas depois da casa roubada leva a pensar que não.