Na anterior legislatura,
só com a contribuição generosa do PCP e do Bloco de Esquerda, tínhamos no
Parlamento nada menos do que 36 deputados de extrema-esquerda ou afins. Quase
ninguém se escandalizou por isso, o que foi, segundo então ouvimos, um sinal de
maturidade democrática. Não só pela aceitação generalizada do fenómeno, mas
também pelo facto de esses dois partidos parecerem continuar dispostos a
renunciar temporariamente aos seus ímpetos revolucionários, dado a conjuntura
não ser a melhor.
Na actual legislatura, a
quantidade de deputados da extrema-esquerda caiu para apenas 31 deputados, o
que já foi motivo de escândalo para alguns. Parecia ser uma injustiça, depois
de tantas negociações e arruadas que fizeram em prol do país. Mas ainda assim,
segundo certas perspectivas, continuaram a ser muitos.
O grande fenómeno recente
foi termos passado finalmente a ter também um deputado de extrema-direita. E
isso sim, suscitou a indignação geral, excepto a do próprio e seus apoiantes.
Não sei se deveremos ver nisto também um sinal de maturidade democrática e de
contenção cívica, visto que, até ao momento em que escrevo, o eleito ainda não
sofreu nenhum atentado nem lhe fizeram um auto-de-fé no Terreiro do Paço. O que
mostra que, contra a vontade dos discordantes, vamos no bom caminho: o da
tolerância de costumes.
De facto, já bem basta a
consternação de o homem ter sido eleito, não é necessário aprofundar o drama. Mas
com ele se quebrou mais um tabu da democracia portuguesa: afinal, o extremismo
não é um privilégio exclusivo da esquerda. Nem tão pouco, ao que parece, da
esquerda e da direita juntas, visto que um novo e pujante partido, o PAN,
pretende empurrá-lo noutras direcções. Estou convencido de que a rosa-dos-ventos
ficará satisfeita com isso, ao ver abrirem-se novos caminhos para a navegação
(embora só de cabotagem, como sempre).
A dúvida que me assalta é
se o eleito é mesmo da extrema-direita ou se existe um esforço concertado para o
empurrar para lá, apenas porque diz algumas verdades inconvenientes. Nesta
segunda hipótese, corre‑se o risco de ele e os seus apoiantes se convencerem de
que é mesmo aí o seu lugar. E isso seria para os críticos como um tiro no pé. O
visado bem pode alegar que preza a democracia, que é um europeísta, que nem
sequer liga às peculiaridades da nossa arquitectura parlamentar, que mesmo
assim ninguém lhe dá ouvidos. E lá diz o ditado: se não podes vencê-los,
junta-te a eles. O que neste caso equivaleria a aceitar resignadamente
preencher o espaço que quase todos parecem destinar-lhe. Sinceramente, não acho
todo este ostracismo uma boa ideia.
Tenho até, aliás, uma
teoria também bastante inconveniente sobre este assunto. No fundo, pode não se
tratar senão de um equívoco explicável pela nossa história recente. Após a
épica revolução de Abril e o tsunami socialista e social-democrata que se lhe
seguiu, os partidos que pretendiam mesmo ser de extrema-direita foram
ilegalizados ou mediaticamente proscritos, pelo que chegámos ao ponto um pouco
absurdo de o partido mais à direita no espectro político que tínhamos ser o
Centro Democrático e Social (CDS). Ou seja: nominalmente, deixámos de ter
direita (ou melhor, direitas). Na realidade, elas continuaram por aí a ser
muitas e várias, mas andavam à nora, sem assumir os seus pecadilhos ideológicos
e sem saberem como se apelidar sem serem logo alvo de bullying ou de
perseguição jornalística. Nem os simpáticos liberais nem os sisudos
conservadores punham os pauzinhos de fora, pelo menos de forma explícita e
assumida, chamando logo os bois pelos nomes. Andavam ali num limbo, numa
indefinição crónica, até por fim não saberem já quem eram, de onde vinham ou
para onde iam, o que é a pior coisa que pode acontecer a uma filosofia
política. Ou seja: durante décadas, privado de uma direita assumida e coerente,
o país viveu politicamente amputado e nem deu por isso.
Entretanto, tudo mudou ou
tende a mudar, mas certos hábitos intelectuais ficaram. Ainda há muita gente
disposta a chamar extrema-direita a qualquer coisa que mexa um pouquinho mais à
direita que o CDS, que até hoje ainda não renunciou a posicionar-se (pelo menos
parcialmente) no centro. Daí que depois fique difícil atribuir as cadeiras no
Parlamento, sobretudo quando nele surgem novas forças políticas, pois que ainda
há pouca gente destemida a preferir abertamente sentar-se à direita do
hemiciclo e os deputados da esquerda e do centro, tal como os da direita
envergonhada, recusam firmemente sentar-se ao colo uns dos outros. O que vale é
que, não obstante algumas escaramuças, tem imperado o sentido prático. Senão
teríamos de reduzir drasticamente o número de deputados para conseguir sentar
todos, o que não deixaria de ser um daqueles males que vêm por bem.
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