Para todos os que se preocupam com as consequências das
alterações climáticas, já não é segredo que as metas do Acordo de Paris de 2015
não serão cumpridas. É isso, aliás, que revela o último relatório das
Nações Unidas sobre o assunto, expondo um ritmo de aquecimento global mais
rápido que o previsto e em franco processo de aceleração. A situação é
alarmante e tornou-se óbvio que vai piorar.
O mencionado Acordo de Paris
tinha estabelecido como limite a não ultrapassar um acréscimo de temperatura
média global de cerca de 1,5ºC em comparação com o período pré-industrial. Ora,
pelos dados agora disponíveis, já se antevê que tal limite seja atingido, e
talvez até ultrapassado, já no final da presente década ou pouco depois, isto
é, bem mais cedo que em todas as previsões anteriores.
Embora os líderes mundiais se
tenham comprometido a evitar a todo o custo ultrapassar esse limite, é agora
evidente que foram promessas vãs e que não houve empenho suficiente. A maior parte das proclamações
feitas foram ditadas pela conveniência política, alimentadas pela retórica de
campanha e desproporcionais em relação às decisões tomadas, que ficaram
muitíssimo aquém do necessário. Poucos terão verdadeiramente compreendido a
importância e a urgência do problema.
Enquanto os especialistas se
debatem com cenários futuros incertos, os governos hesitam nas medidas a tomar,
receosos de afetar as respetivas economias e de enfraquecer a sua própria
sustentação política. Climaticamente, estamos numa emergência grave e terrível,
capaz de nos mergulhar muito em breve em desastres sem precedentes.
Politicamente, estamos atolados em múltiplos jogos de interesses e lideranças
débeis. É de recear o pior.
Os planos atuais para ir fazendo
pequenas mudanças graduais e cautelosas, mesmo que passem todos das boas
intenções e se tornem realidade, vão conduzir-nos à catástrofe. A razão disso é
de natureza física e matemática: não se pode deter um fenómeno que está em aceleração crescente com
medidas apenas moderadas e graduais. Já no curto prazo, são necessários cortes
drásticos e rápidos da poluição global, e em especial das emissões de gases com
efeito de estufa, mas nem isso será suficiente para deter o curso das
alterações climáticas. Não é demais insistir que precisamos rapidamente de
novas tecnologias capazes de capturar e armazenar carbono, tecnologias
essas que é preciso financiar e desenvolver com a maior urgência possível. A
elas, muito provavelmente, terão de se juntar em breve soluções de
geoengenharia.
O rápido aquecimento do planeta
já está a acelerar o aumento do nível dos mares, a provocar um degelo intenso
em vastas extensões e a agravar fenómenos extremos com grande poder destruidor,
como ondas de calor, secas, inundações, tempestades e furacões. As
consequências económicas destes fenómenos são por vezes, nalguns locais, de
molde a abalar economias e a empobrecer sociedades inteiras, deixando atrás de
si um rasto de morte e devastação; e nos casos mais benignos, podem implicar
uma redução severa do rendimento médio per capita. Até há pouco tempo,
as regiões mais desenvolvidas do mundo julgavam-se a salvo das suas piores
repercussões, exceto ocorrências excecionais. Os acontecimentos recentes têm
demonstrado que não é assim e que a destruição continuada e em larga escala
pode atingir também, de forma reiterada, os países prósperos. Nenhum estará a
salvo de uma desordem climática generalizada.
Se nada de substancial se fizer,
o aquecimento global continuará em aceleração crescente e é bem provável que se
atinja, já na década de quarenta, um acréscimo de 2ºC em relação aos tempos
pré-industriais. Parece pouco, mas meio grau de aquecimento importa −
e muito.
Segundo algumas estimativas, a população global exposta a ondas de calor
extremo mais do que duplicará; o degelo no Ártico, e provavelmente noutras
regiões, poderá tornar-se cerca de dez vezes mais intenso e o nível dos mares
subirá mais 6 a 10 centímetros; duplicará a extinção de vertebrados e de
plantas e triplicará a extinção de insetos; a percentagem da área do planeta
cujos ecossistemas se transformarão noutro bioma (envolvendo alterações no seu
macroclima, na cobertura vegetal e nas características dos solos) quase
duplicará também; a quantidade de “permafrost” (isto é, de gelo permanente e de
solo congelado) que irá derreter agravar-se-á em mais de um terço; quase na
mesma proporção se agravará o declínio dos recifes de corais e da vida marinha
a eles associada; a produção agrícola de certas culturas, bem como as pescas,
poderão decair para cerca de metade em muitos locais, sobretudo nas baixas
latitudes. De facto, meio grau a mais de aquecimento global faz muita
diferença, sobretudo se tivermos em conta que esse aquecimento não é
homogéneo, nem do ponto de vista temporal nem do ponto de vista geográfico, e
irá concentrar-se dramaticamente em certos períodos e regiões.
Que consequências pode isso ter
para as populações? A mortalidade e os problemas de saúde devidos a fenómenos
climatéricos extremos aumentarão; as probabilidades de seca ou de escassez de
água tornar-se-ão maiores; chuvadas fortes e enchentes serão mais frequentes; a
menor quantidade de gelo no planeta reduzirá a reflexão dos raios solares e
implicará maior absorção de calor, gerando impactos na circulação oceânica e
nos climas regionais; a contínua elevação do nível do mar aumentará a erosão costeira, assim como a
perda de praias e de território litoral, e trará um risco acrescido de enchentes e um
maior potencial de estragos; o desaparecimento ou rarefação de espécies
terrestres e marinhas prejudicará cadeias alimentares, atividades económicas e
meios de subsistência; a alteração dos solos e da cobertura vegetal terá vasto
impacto nas economias locais e na interação entre estas; a transformação dos
macroclimas implicará a inadequação de muitas formas tradicionais de habitação,
bem como a necessidade de adaptação de edifícios e infraestruturas, com custos
bastante onerosos; e os riscos de escassez de alimentos serão maiores, bem como
os riscos de epidemias, incêndios florestais e propagação de pragas. No
somatório total, isto envolve transformações enormes que precisariam de muitas décadas
para uma adaptação gradual e minimamente organizada. Mas se tais transformações
se concentrarem num espaço de tempo relativamente curto, de apenas uma década
ou duas, têm um considerável potencial de caos e sofrimento humano, para já não
falar de um possível recuo civilizacional em muitas regiões menos apetrechadas
para mudanças tão drásticas. O risco de guerras e conflitos violentos não é
sequer de descartar.
Os comentadores e os analistas destas matérias têm muitas
vezes uma visão parcial e atribuem reiteradamente o aquecimento na Terra às
emissões de certos gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono e o
metano. Mas há outros culpados. Os gases de refrigeração correntes (largamente utilizados em aparelhos de ar condicionado, arcas congeladoras e
frigoríficos) têm um potencial de aquecimento global 23 mil vezes maior do que
o dióxido de carbono e permanecem na atmosfera durante 50 mil anos. Atualmente
a quase totalidade desses gases é libertada quando esses aparelhos atingem o
seu fim de vida, o que põe em evidência a importância da reciclagem, ainda
muito pouco utilizada devido à falta de incentivos. De facto, muitas pessoas e
empresas retiram o cobre dos equipamentos em fase terminal e libertam todo o
gás para a atmosfera. Embora tais emissões sejam em geral proibidas, a falta de
fiscalização ou de multas leva a incumprir os regulamentos existentes. As
consequências são trágicas e contraproducentes para os esforços em curso. De
facto, se conseguirmos evitar a emissão de 23 mil toneladas de dióxido de
carbono para a atmosfera, mas lançarmos nela apenas uma tonelada destes gases
de refrigeração (chamados “gases fluorados”), ficamos mais ou menos na mesma. Não
haverá progresso na redução de emissões, no que respeita às suas consequências
térmicas. Ora estima-se que, devido ao aumento generalizado das temperaturas, a
procura mundial de energia para aparelhos de refrigeração triplique até 2050 e
a produção e substituição destes sofra um grande incremento, o que torna ainda
mais dramático o problema da recuperação e reciclagem dos gases fluorados no
fim do ciclo de vida dos equipamentos.
Algo idêntico se passa com outro
gás que intensifica o efeito de estufa, o óxido nitroso, que tem ainda a
particularidade de ser o que mais contribui para degradar a camada de ozono.
Tem várias aplicações na indústria e é também um dos produtos resultantes da
queima de combustíveis fósseis ou de biomassa, mas a agricultura intensiva é de
longe a maior responsável pela emissão anual, em resultado da produção e aplicação
de fertilizantes sintéticos em larga escala. A pecuária e a aquicultura
contribuem para o problema devido à crescente procura de rações para animais e
os esgotos e seu tratamento também são uma fonte de emissões, assim como a má
gestão do estrume animal e dos lixos e desperdícios. Embora exista em menor
quantidade na atmosfera que o dióxido de carbono, este gás tem uma capacidade
de retenção de calor 300 vezes superior (ou seja, uma molécula de óxido nitroso
é equivalente a 300 moléculas de CO2 nos seus efeitos térmicos) e permanece por
mais de um século na atmosfera até ser degradado naturalmente pela radiação solar.
Mas como as atividades humanas estão a emiti-lo muito mais depressa do que ele
é destruído, está a acumular-se perigosamente há décadas. Apesar dos esforços mundiais
para reduzir as emissões industriais deste gás, várias economias emergentes
estão a aumentar rapidamente as suas emissões por outras vias — nomeadamente o Brasil,
a China e a Índia, onde a produção agrícola e a criação de gado têm aumentado muito
rapidamente desde finais do século passado.
O enorme perigo que espreita
nestes factos é a crescente
probabilidade de as medidas adotadas para reduzir as emissões mundiais de
dióxido de carbono, que é a ameaça de que mais constantemente se fala, serem em
larga medida contrabalançadas (ou até neutralizadas nos seus efeitos práticos)
pelas crescentes emissões de outros gases com um efeito de estufa bastante
superior, como é o caso do metano, dos gases fluorados e do óxido nitroso.
Se quisermos desenvolver estratégias eficazes para mitigar a poluição, limitar
o aquecimento global e cumprir as metas climáticas, teremos de desenvolver
tecnologias eficazes que nos permitam recuperar e reciclar esses outros gases
ou ajudar a degradá-los em substâncias inofensivas.
Mas o prognóstico é reservado: se
nem mesmo as emissões globais de dióxido de carbono pararam ainda de crescer, é
de esperar que a indústria e as atividades agropecuárias sejam mais bem
sucedidas na limitação dos outros gases com maior efeito de estufa e onde as
atenções incidem menos? Sem
gigantescos incentivos financeiros e regulamentação rígida, só poderemos
esperar um novo fracasso. E dado que todos os países são sensíveis a aumentos
de custos ou perda de competitividade económica, apenas iniciativas internacionais
abrangentes poderão liderar as transformações necessárias, na condição
de previamente compreenderem a amplitude e a gravidade desta emergência. Sem
isso, os efeitos conjugados e cumulativos dos diversos fatores de
perturbação climatérica irão em breve expor-nos a catástrofes sem precedentes − e
muito antes do previsto.
Não é demais frisar que muitas das projeções e cenários
que têm sido construídos sobre a evolução das alterações climáticas e suas
consequências pecam por várias limitações metodológicas ou por compreensível
prudência académica. Nalguns casos, fazem-se projeções apenas lineares,
isto é, previsões que se baseiam no cálculo do que acontecerá dentro de um
certo tempo se se mantiverem a tendência e o ritmo atuais de progressão dos fenómenos
estudados, método este que deixa de fora a crescente aceleração deles. Noutros
casos, por maior facilidade de análise ou por especialização científica, as
previsões tomam em conta apenas a evolução isolada de uma ou duas variáveis do
processo, deixando de fora o resultado expectável da conjugação de todas as
variáveis conhecidas, ou seja, capricham no rigor analítico e fraquejam na
visão sistémica. Noutros casos ainda, despreza-se a influência de diversas causas
mal estudadas que podem ter um efeito catalisador nos processos naturais que
condicionam a mudança climática. Em suma: nos trabalhos científicos e nos
relatórios de instâncias internacionais, negligencia-se ou subestima-se com
frequência a aceleração crescente das alterações climáticas, o carácter
exponencial dos seus efeitos, a ação catalisadora de certas ocorrências
conjugadas e as circunstâncias agravantes que contribuem (ou podem vir a
contribuir) para desencadear ciclos viciosos ou “efeitos bola de neve”. Até
certo ponto, isto é normal: quando se estudam isoladamente os muitos
ingredientes de uma mistura, é fácil perder de vista se ela é explosiva. Neste
assunto, porém, já não podemos dar-nos a esse luxo.
Em matéria climática, a realidade ultrapassou os cenários
mais pessimistas e pulverizou todos os otimismos. O Protocolo de
Quioto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015 são hoje meras relíquias. Deles se
aproveitam o manancial de dados até então recolhido e a convergência
internacional de preocupações, mas não a justeza das previsões efetuadas nem a
eficácia dos compromissos assumidos. Para além de os avanços práticos terem
sido escassos, ninguém previu um ritmo tão acelerado das mudanças climáticas
nem a evolução real das causas subjacentes. O aparente consenso científico
pecou por defeito, a prudência académica e política pecou por excesso. Isso não
pode voltar a acontecer na Conferência de Glasgow nem nas outras que se lhe
seguirem, senão pagaremos um preço muitíssimo elevado. Se não quisermos
pagá-lo, não podemos
remeter para 2050 a meta da neutralidade carbónica. Para muitos países ou
regiões e para muitas centenas de milhões de pessoas, será tarde demais. Mas ninguém ficará
imune às consequências. Algumas delas são imprevisíveis, outras acontecerão bem
antes do inicialmente previsto.
Convém não esquecer que, segundo
o histórico a que nos habituámos, as previsões pessimistas de hoje serão as
previsões ultrapassadas de amanhã. Teremos certamente um aquecimento global de 1,5ºC
acima dos níveis pré-industriais até 2030 e poderemos chegar aos 2ºC até 2040,
décadas antes do inicialmente previsto. Os verões vão batendo sucessivamente
recordes absolutos de temperatura desde que há registos e têm surgido mantos de
calor em regiões absolutamente inesperadas. A agravar toda a situação,
incêndios florestais de proporções gigantescas em várias partes do mundo, mesmo
em latitudes setentrionais, estão a aquecer ainda mais a atmosfera e a lançar
nela quantidades incalculáveis de dióxido de carbono e de outros gases com
efeito de estufa. A frequência e intensidade destes grandes incêndios tende a
aumentar a cada ano que passa. O aquecimento dos oceanos progride a bom ritmo e
tende também a acelerar. A quantidade de superfície gelada em todo o planeta
tem vindo a diminuir em todas as estações do ano, o que diminui também a
reflexão dos raios solares e aumenta a absorção de calor. Juntando estes e
outros fatores, temos
a combinação perfeita para que a subida do nível dos mares dispare.
Entre 1900 e o ano 2000, o nível
médio do mar subiu 14 centímetros. Só nos primeiros vinte anos do século XXI,
subiu mais de 7 centímetros. Ou seja, o ritmo de subida quase triplicou. Isto
foi previsto? Tanto, não. Antecipou-se que haveria alguma aceleração, mas o aumento
real do nível do mar é agora quase o dobro do que foi calculado. A esta
cadência, e sem qualquer aceleração do fenómeno, poderíamos contar seguramente
com uma subida adicional de 10 cm até meados deste século, o que já de si
prenuncia consequências arrasadoras para muitas zonas litorais. As marés altas
serão mais invasivas, haverá maiores amplitudes de ondulação (sobretudo durante
os temporais) e as inundações costeiras serão mais frequentes e mais
destruidoras. Mas o problema maior é que o fenómeno está em franca aceleração e
essa aceleração está a intensificar-se cada vez mais, pelo que não será
descabido admitir que uma tal subida possa ser atingida já durante a próxima
década e que cheguemos a meio do século com uma subida de quase meio metro em
relação ao nível médio do princípio do século. Mais uma vez, portanto, muito
antes do previsto. Entretanto, iremos assistir a muita destruição costeira, mas
não só. Mais calor na
atmosfera e nos oceanos significa muito maior evaporação e, em seguida, fenómenos
de precipitação bem mais severos que o habitual, como chuvas torrenciais
de grande envergadura, enormes e extensos nevões ou queda de granizo de grandes
dimensões, por vezes concentrando em poucas horas ou dias o que antes se
repartia por períodos mais longos e, nalgumas regiões, causando mesmo fenómenos
extremos sem precedentes. Por outras palavras: a destruição resultante não
atingirá apenas o flanco dos arquipélagos e dos continentes, mas chegará também
vinda de cima em proporções colossais, mesmo em zonas bastante afastadas do
litoral e dos cursos de água.
A subida do nível do mar nunca
foi tão rápida desde que há registos. Só o derretimento parcial do manto de
gelo da Gronelândia, provocado pelo aumento das temperaturas médias locais nas
últimas décadas, foi responsável por cerca de 25% do aumento do nível do mar
globalmente. Este cenário de fundo foi agravado ocasionalmente pelo surgimento
de grandes massas de ar quente e húmido transportadas para a zona e que cobriram
temporariamente esta enorme ilha. Momentos houve em que o degelo ocorreu a uma
média próxima de um milhão de toneladas por minuto, um valor demasiado alto
mesmo para a nossa imaginação. E já este ano, os cientistas alertaram que uma
parte significativa do gelo da Gronelândia estava a aproximar-se de um ponto de
inflexão a partir do qual o degelo se tornaria inevitável. A observação das
condições meteorológicas na região não deixa margens para dúvidas de que esse é
um risco real. Em julho de 2021, ao longo de apenas um dia, derreteu gelo suficiente
na Gronelândia para cobrir com cinco centímetros de água uma área equivalente ao
estado norte-americano da Florida. No mês seguinte, com temperaturas acima de
zero e nalguns locais 18ºC mais elevadas do que a média, choveu durante várias
horas no cume da calota polar da Gronelândia, o que nunca antes tinha
acontecido e conduziu ao derretimento de neve e gelo numa área cerca de quatro
vezes superior ao tamanho do Reino Unido. Estes fenómenos não são fortuitos e
estão indubitavelmente associados às diversas causas do aquecimento global, em
particular às emissões de gases com efeito de estufa. Se as camadas de gelo na
Gronelândia e na Antártida continuarem a derreter com o ritmo crescente dos
últimos anos, estima-se
que o nível do mar possa atingir já nas próximas décadas um patamar que
anteriormente só era esperado para o final do século. Ora nenhum país estará
preparado para enfrentar as possíveis consequências, e infelizmente pode
dizer-se que quase nenhum está a preparar-se para elas. A imprevidência
generalizada, tal como aconteceu com a mais recente pandemia, só poderá ampliar
as calamidades que ocorrerem.
Importa também salientar que, tal
como acontece com a subida das temperaturas, esta progressiva elevação do
nível médio dos mares e dos oceanos não é uniformemente distribuída.
Supô-lo é outro erro bastante comum. As grandes massas de água do planeta não
são estáticas e por ação das marés, dos ventos e das correntes fustigam mais
certas costas do que outras, o que significa que algumas zonas litorais
sofrerão o impacto correspondente a uma subida maior que a média. Também as
zonas de menor declive e com menos barreiras naturais ou artificiais tenderão a
ser mais profundamente afetadas e enfrentarão um maior potencial
destruidor.
Mas o maior fator de risco continua a ser a relativa
imprevisibilidade dos piores cenários de curto e médio prazo. Causas súbitas e
inesperadas poderão precipitar os acontecimentos muito para além do pessimismo
considerado aceitável, gerando efeitos desastrosos, não para as gerações
vindouras, mas para a humanidade atual. O que significa que mesmo os
idosos de hoje não estão livres de vir a presenciar catástrofes que nunca
imaginaram e de sofrer as eventuais consequências delas, diretas ou indiretas.
O futuro imediato não é menos recheado de incerteza do que o futuro distante. O
que está atualmente a acontecer não é apenas um conjunto de incidentes
temporários num padrão climático errante. É uma vasta panóplia de sintomas
climáticos que denunciam a iminência de algo em larga escala, algo que poderá
eclodir em maiores proporções quase de um momento para o outro (como um extenso
e rápido degelo, por exemplo, numa escala incomparavelmente superior ao
registado até agora).
Poderia estabelecer-se uma
analogia com o que acontece amiúde nas erupções vulcânicas: pode demorar
décadas ou séculos a acumulação de pressão no interior de um vulcão antes de
ele explodir, pode até haver prenúncios prolongados do que irá acontecer, mas a
explosão é geralmente abrupta e as consequências são em larga medida
irreversíveis. A ciência contemporânea sabe ainda demasiado pouco sobre o
vulcanismo para sequer arriscar previsões pormenorizadas e este é um tema que
raramente surge ligado à questão das alterações climáticas. Mas pode haver uma
relação. O aumento considerável do nível das águas nos oceanos por efeito dos
sucessivos degelos não só representa uma gigantesca deslocação e redistribuição
de massa na superfície terrestre como altera substancialmente o peso total suportado
pelas placas tectónicas nas suas diferentes zonas. Pura e simplesmente,
desconhece-se o efeito que isso poderá vir a ter na atividade vulcânica e nos
fenómenos sísmicos, numa perspetiva de curto ou médio prazo. A própria
ignorância faz com que não se fale muito nisso, para evitar a pura especulação.
Mas basta raciocinar um pouco para compreender que um acréscimo de
vulcanismo e de atividade sísmica é de esperar como consequência das vastas e
profundas alterações na superfície do planeta. Regiões que pareciam geologicamente
estabilizadas podem em breve deixar de o ser, com enormes repercussões nas
zonas urbanizadas mais próximas. Tal como a célebre Hidra da mitologia grega, o
aquecimento global aparenta-se cada vez mais com um monstro de sete cabeças,
todas elas igualmente ameaçadoras.
Haverá ainda tempo para reverter
alguma coisa?
Sejamos realistas. Nas próximas
décadas, o mundo não vai refrear a sua voracidade energética, nem o desejo de
mobilidade, nem o consumo de carne, nem a ânsia de consumismo, nem a apetência
por casas maiores e melhores. Todas as atividades económicas geradoras de
grandes emissões poluentes estarão sob a pressão de uma procura crescente de
bens e serviços. Não há como refreá-la globalmente, e muito menos naquela
maioria de países que historicamente tem vivido com padrões inferiores de
alimentação, conforto, mobilidade e consumo, e que querem agora aproximar-se do
nível de vida dos países abastados. Portanto, temos é de reconverter
processos e produtos para que gerem menos desperdícios e menos poluição. E
isso era necessário para ontem. Hoje já estamos atrasados. Resta-nos fazer
quanto antes o inventário dos progressos necessários para combater e reverter
as alterações climáticas e fazer com que os governos e organizações
internacionais deitem mãos à obra, apoiando e financiando o que for necessário
e alterando drasticamente as suas prioridades de investimento – o
que, em larga medida, só poderá ser conseguido com vasta cooperação
internacional, o enorme problema de sempre. Só que, desta vez, não se trata de
jogos de estratégia no tabuleiro da geopolítica. Para alguns países, trata-se de pura sobrevivência; para
muitos outros, trata-se de não perder território e infraestruturas; e para
outros ainda, trata-se de evitar o caos generalizado; mas para vastas porções
da humanidade, a grande ameaça comum pode ser a de decair dramaticamente nos
respetivos níveis de civilização. Conquistámo-los, em muitos casos,
contra a natureza. Agora teremos de nos harmonizar com ela, quer queiramos quer
não. E quanto antes.
Não podem ser meras precauções de
natureza económica ou política a justificar tibiezas e hesitações naquilo que é
indispensável fazer. E será bom termos em mente que, quaisquer que sejam os
custos de uma reconversão rápida e programada das economias nacionais e dos
processos tecnológicos, serão incomensuravelmente maiores os custos resultantes
da destruição ou da paralisia económica causadas por grandes catástrofes
naturais totalmente fora do nosso controle e de dimensões sem precedentes,
cujos contornos e impacto podemos apenas suspeitar. Se pouco ou nada for
feito, as perdas humanas e materiais ultrapassarão as piores previsões de hoje
e sofreremos, muito antes do previsto, as pesadas consequências do nosso
desleixo colectivo.
Não
sabemos que mundo vamos deixar aos nossos descendentes, em consequência do
nosso egoísmo geracional, mas a questão fulcral já deixou de ser essa. É que a
partir de agora já nem sequer sabemos, num futuro mais ou menos próximo, que
mundo vamos deixar a nós próprios. E se já foi tempo de ponderação e de
prudência, os dados de que dispomos hoje exigem clarividência e ação imediata.
Estamos numa corrida contra o tempo, o que significa que não há muito tempo a
perder. Nunca tanto como hoje foi necessária uma ação concertada de políticos,
diplomatas, cientistas, empresários, pedagogos e comunicação social. E onde
quer que existam líderes à altura das transformações necessárias, está na
altura de saírem do armário. Chegámos a um ponto em que não podemos continuar a
ignorar ou desvalorizar as ameaças climáticas e tudo o que elas podem implicar,
ou espera-nos uma era de retrocesso económico, social, político e
civilizacional. Basta de retórica política. É preciso agir.