Seja no confronto ideológico, nas
análises económicas ou nas visões de sociedade, a nossa vida política está
profundamente impregnada de clichês, frases feitas e ideias ultrapassadas.
Não é de espantar. As ideias e as
crenças tendem a perdurar no tempo e a resistir à erosão, mesmo quando mudaram
os factos ou as circunstâncias que lhes deram suporte e justificação.
Entranham-se subrepticiamente nas convicções dos especialistas, dos leigos, dos
comentadores e dos escribas da comunicação social. Formatam as mentes e as
opiniões até de pessoas dignas de crédito, que exibem preparação e
conhecimentos para fazerem as interpretações que fazem (ou para comentarem as
que os outros fazem) do mundo actual e seus eventos, da sociedade e seus
conflitos, das doutrinas e suas contradições.
A consequência disto é que se
formam gradualmente padrões de pensamento e de opinião que, com o andar dos
tempos, se convertem em dogmas sem que se dê por isso. Ou que, nos casos mais
benignos, se arvoram em meros pressupostos implícitos que condicionam as
análises e as conclusões. Podem não ser considerados intocáveis, mas são eles
que habitualmente definem as linhas do horizonte intelectual que vislumbramos.
Para além desse horizonte, parece nada existir ou ser só miragem.
É bastante imprudente subestimar
essa formatação cultural que o ambiente envolvente nos proporciona. Em bom
rigor, não é apenas ele; desempenhamos nisso algum papel, porque em regra
escolhemos, consciente ou inconscientemente, os nichos culturais a que preferimos
pertencer e com os quais mais nos queremos identificar. Quando nem isso
acontece, assimilamos sucessivamente referências através de uma mistura de
mimetismos. Mas o resultado final é quase sempre pouco maleável, no que toca a
adaptarmo-nos a novos ambientes e novos factos. E isso gera propensões e incompatibilidades
dificilmente contornáveis, além de previsíveis.
Esta tendencial rigidez da nossa
formatação cultural conduz a resultados indesejáveis e bastante nocivos: na
moral e nos costumes, a intolerâncias diversas; na cena intelectual, a
conflitos espúrios; na economia, a estratégias inadequadas; no debate
ideológico, a concepções obsoletas; na imigração, à falência do
multiculturalismo; no palco e nos bastidores da democracia, ao “politicamente
correcto” em várias versões.
Eis o pior de tudo: quando um
qualquer disparate vem de encontro aos nossos dogmas ou pressupostos,
acolhemo-lo sem hesitar. Por vezes, fazemos até mais do que isso: precipitamo‑nos
sobre ele e abraçamo-lo.
Ao invés disso, eis o que
precisamos fazer: tentar perceber os factos. Algo que, apesar de incontáveis
análises e comentários a tudo quanto sucede, está bastante em desuso.
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