sábado, 11 de fevereiro de 2017

A irresistível tentação do erro


Seja no confronto ideológico, nas análises económicas ou nas visões de sociedade, a nossa vida política está profundamente impregnada de clichês, frases feitas e ideias ultrapassadas.

Não é de espantar. As ideias e as crenças tendem a perdurar no tempo e a resistir à erosão, mesmo quando mudaram os factos ou as circunstâncias que lhes deram suporte e justificação. Entranham-se subrepticiamente nas convicções dos especialistas, dos leigos, dos comentadores e dos escribas da comunicação social. Formatam as mentes e as opiniões até de pessoas dignas de crédito, que exibem preparação e conhecimentos para fazerem as interpretações que fazem (ou para comentarem as que os outros fazem) do mundo actual e seus eventos, da sociedade e seus conflitos, das doutrinas e suas contradições.

A consequência disto é que se formam gradualmente padrões de pensamento e de opinião que, com o andar dos tempos, se convertem em dogmas sem que se dê por isso. Ou que, nos casos mais benignos, se arvoram em meros pressupostos implícitos que condicionam as análises e as conclusões. Podem não ser considerados intocáveis, mas são eles que habitualmente definem as linhas do horizonte intelectual que vislumbramos. Para além desse horizonte, parece nada existir ou ser só miragem.

É bastante imprudente subestimar essa formatação cultural que o ambiente envolvente nos proporciona. Em bom rigor, não é apenas ele; desempenhamos nisso algum papel, porque em regra escolhemos, consciente ou inconscientemente, os nichos culturais a que preferimos pertencer e com os quais mais nos queremos identificar. Quando nem isso acontece, assimilamos sucessivamente referências através de uma mistura de mimetismos. Mas o resultado final é quase sempre pouco maleável, no que toca a adaptarmo-nos a novos ambientes e novos factos. E isso gera propensões e incompatibilidades dificilmente contornáveis, além de previsíveis.

Esta tendencial rigidez da nossa formatação cultural conduz a resultados indesejáveis e bastante nocivos: na moral e nos costumes, a intolerâncias diversas; na cena intelectual, a conflitos espúrios; na economia, a estratégias inadequadas; no debate ideológico, a concepções obsoletas; na imigração, à falência do multiculturalismo; no palco e nos bastidores da democracia, ao “politicamente correcto” em várias versões.

Eis o pior de tudo: quando um qualquer disparate vem de encontro aos nossos dogmas ou pressupostos, acolhemo-lo sem hesitar. Por vezes, fazemos até mais do que isso: precipitamo‑nos sobre ele e abraçamo-lo.

Ao invés disso, eis o que precisamos fazer: tentar perceber os factos. Algo que, apesar de incontáveis análises e comentários a tudo quanto sucede, está bastante em desuso.

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