Está a tornar-se demasiado evidente que o governo não tem, nem sequer aproximadamente, a noção da hecatombe que está prestes a provocar na economia. Os ministros responsáveis parecem comportar-se como se acreditassem que, debelada ou controlada a pandemia, uma rápida retoma acontecerá. Mas não vai acontecer. Nem em V, nem em U, nem em qualquer outra forma simétrica.
Destruir é muito mais fácil e rápido do
que reconstruir, como todas as guerras provam, e esta não será excepção. Muitas
empresas irão desaparecer para sempre, muitos empresários ficarão insolventes
ou descapitalizados e incapazes de retomar actividade, muitos outros já não
terão confiança ou ânimo ou idade para o fazer, e muitas das cadeias de
produção e abastecimento que existiam irão romper-se ou enfraquecer. Como em
qualquer cadeia alimentar no mundo animal, passe a analogia, também no mundo
económico as perturbações nas cadeias de transmissão de bens e serviços se
repercutem a montante e a jusante.
De facto, é perigoso julgar que
restrições prolongadas impostas a qualquer sector não irão provocar-lhe danos
potencialmente irreversíveis ou que irão afectá-lo só a ele. E não é apenas por
causa do risco de falências e despedimentos em massa. A descapitalização das
empresas tem geralmente efeitos negativos duradouros no investimento e no
emprego, e desse modo acaba por repercutir-se em várias direcções.
Quando um sector económico entra
em declínio, ele põe também em xeque toda a sua cadeia de fornecedores, a não
ser que isso seja compensado por outros sectores em expansão. E se não for? E
se houver vários outros sectores em declínio mais ou menos simultâneo? Ao gerar
menos rendimento (em lucros, dividendos e salários), esta conjunção negativa
também irá induzir menos despesa, reduzindo outros fluxos económicos e
pressionando no sentido da deflação (uma perigosa baixa generalizada de preços,
por insuficiência da procura). Para além de certos limites, a forte contracção
económica pode até desencadear um efeito “bola de neve”, provocando uma
recessão ainda mais severa ou mesmo uma depressão.
Ora, com uma pandemia em curso, o
cenário já era terrivelmente negativo à partida, apenas com a redução da mobilidade
e do turismo e com o confinamento voluntário de muitas pessoas. Num tal pano de
fundo, decisões políticas desastradas podem vir a ser fatais para muitos
empregos, empresas e áreas de negócio, para já não falar da dramática perda de
receitas fiscais pelo próprio Estado (outro pesadelo cujas consequências se
irão também abater em breve sobre os contribuintes e os serviços públicos).
Poucos são os políticos que
compreendem o “efeito multiplicador” das decisões que tomam sobre a economia.
Quando são efectuadas despesas pelos agentes económicos, elas geram rendimentos
que vão sustentar outras despesas por parte de quem os auferiu, e assim
sucessivamente. Portanto, cada euro gasto gera muito mais do que isso em
actividade económica. Mas quando as coisas sucedem ao contrário e os
rendimentos se contraem, passando a sustentar menos despesas de investimento ou
de consumo, o “efeito multiplicador” também actua, mas em sentido inverso (por
isso, há economistas que preferem chamar-lhe “efeito desmultiplicador”, o que
talvez seja mais apropriado). Em tais circunstâncias, cada euro gasto a menos
reduz em muito mais do que isso a actividade económica, o que, em larga escala,
pode ter graves consequências. Por conseguinte, quando as decisões políticas fazem
contrair ainda mais os rendimentos e as despesas em ambiente de recessão, nunca
se sabe ao certo onde e quando esta irá parar ─
mas o prognóstico
não é risonho.
Uma quase imediata recessão veio naturalmente em
consequência da pandemia. Desde o início dela se percebeu que iria afectar
gravemente a economia, mesmo sem quaisquer decisões do governo. Mas muitas das
que têm sido tomadas, umas por necessidade, outras por improviso, outras por
desnorte, tendem a reforçar bastante a tendência recessiva. Em breve saberemos
aonde este declive acentuado nos irá levar, mas preparem-se para algo
desagradável.
Entretanto, seria bom que alguém conseguisse explicar ao
governo quão perigoso é continuar a pressionar tanto com o joelho o já
debilitado pescoço da economia…